TJMS reconhece que seguro agrícola é insumo da agricultura e afasta a aplicação do CDC ao produtor rural

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A Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (TJMS), por unanimidade, afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) a ação judicial na qual se discutia o pagamento de indenização securitária com base em seguro agrícola, por entender que este constitui um insumo da atividade econômica explorada pelo produtor rural, o qual, por conseguinte, não pode ser qualificado como destinatário final do seguro. O Escritório Santos Bevilaqua patrocinou a seguradora e atuaram no caso as advogadas Nathalia Schiatti e Thatyana Guimarães Vasques, da Equipe da Sócia Keila Manangão.

Em primeiro grau, o Juiz havia aplicado o CDC ao caso concreto pois, no seu entendimento, “a relação jurídica mantida entre as partes litigantes se encontra regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor, já que existe efetivamente uma relação de consumo envolvendo-as”. Em seu recurso, a seguradora requereu o afastamento do CDC sob o fundamento de que o produtor rural, segurado, não poderia ser considerado hipossuficiente, pois o valor da garantia contratada evidenciava a exploração da agricultura como atividade empresarial. Alegou, ainda, que o segurado era um grande produtor rural, habituado a contratar seguros, contando, inclusive, com a subvenção federal na apólice em discussão. Por fim, acrescentou que o seguro agrícola foi contratado pelo segurado como fomento de sua atividade empresária, e não para a proteção de seu patrimônio pessoal. Com base nisto, a seguradora requereu a incidência, por analogia, de tese já consolidada no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que as normas consumeristas não se aplicam às operações de aquisição ou contratação de insumos - produtos e serviços - da atividade agrícola, sustentando que o seguro, por sua vez, também deveria ser considerado um meio de composição para o preço final do produto agrícola.

O TJMS acolheu as razões recursais da seguradora e deu provimento ao recurso, para reconhecer que o valor da indenização securitária se caracteriza como recomposição da quebra da safra e, por isso, possui caráter de implementação da atividade econômica do segurado, não havendo relação de consumo entre seguradora e segurado, o que afasta a incidência do CDC. De acordo com o Relator, Desembargador Alexandre Bastos, “o pano de fundo da cobrança de seguro é afeto à produção agrícola, mais precisamente, por quebra parcial de safra. Então, os valores do seguro servem para recomposição do que seria colhido e, logicamente, posteriormente vendido.” Baseado nesses fundamentos, o TJMS concluiu que “o autor/recorrido aparentemente não é destinatário final do produto a ser recomposto, pois se trata pelas portas dos fundos de implementação de atividade econômica”. Como consequência, o tribunal afastou a inversão do ônus da prova, que havia sido fixado contra a seguradora e em favor do segurado, e reconheceu que não havia desigualdade entre as partes no campo probatório. Para o Relator, “o autor tem melhores condições de comprovar o seu fato constitutivo, porque é quem estava no "calor dos acontecimentos", ou seja, quem acompanhou de perto o evento”.

A decisão assume importância na medida em que ainda existe uma forte tendência dos Tribunais de Justiça em favor da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas ações que envolvem seguros agrícolas, seja por considerarem inequívoca a hipossuficiência do produtor rural, seja por levarem em conta que os segurados são os destinatários finais do seguro. A decisão do TJMS traz uma nova perspectiva sobre o tema ao reconhecer que o seguro agrícola constitui um dos insumos da cadeia de produção do agricultor, adotando entendimento em linha com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 

Fonte: Santos Bevilaqua Advogados, em 29.07.2024