Audiência discute se planos de saúde devem cobrir bomba de insulina para pacientes com diabetes (STJ)
Em audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (18) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), representantes de órgãos públicos e entidades privadas debateram a obrigatoriedade de cobertura, pelos planos de saúde, do fornecimento de bomba de infusão de insulina para pacientes diagnosticados com diabetes.
A discussão é objeto do Tema 1.316 dos recursos repetitivos, que tem como relator o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Os 19 expositores, divididos em cinco painéis, apresentaram argumentos contrários e favoráveis à inclusão do dispositivo na cobertura obrigatória.
Uso da bomba no controle da diabetes
O primeiro painel foi aberto pela médica Karla Fabiana Santana de Melo Cabral Fagundes, representando a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Ela abordou as complicações trazidas pela diabetes, em especial a doença renal, cujo tratamento implica custos elevados por envolver diálise e, no caso de pacientes transplantados, todas as medicações para evitar rejeição.
Natasha Rocha Alencar, representante Federação de Associações de Diabetes e Obesidade, afirmou que a bomba ajuda no controle da doença, reduzindo suas complicações, de modo que quem não dispõe de acesso à tecnologia e ao tratamento adequado tem a expectativa de vida reduzida. Ela opinou que nem todos os pacientes diabéticos que têm plano de saúde vão solicitar a bomba de insulina, mas apenas uma parcela que já tentou outros tratamentos e não obteve efeito.
Em contrapartida, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) destacou o impacto nos custos para as operadoras, o que resultaria em reajuste nos preços das mensalidades e faria com que cerca de um milhão de famílias deixassem o sistema. Por sua vez, a médica Júlia Simões Corrêa, que falou em nome da Unimed, alertou que o sucesso do tratamento com a bomba depende de um processo de educação realizado por equipe multidisciplinar, caso contrário seu uso poderia comprometer a segurança do próprio paciente.
Papel das agências reguladoras e do SUS
No segundo painel, a Associação de Diabéticos do Espírito Santo e Amigos (Adies), representada pelo advogado Lucas Duarte, discutiu as funções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nesse caso. Ainda em nome da associação, o médico Levimar Rocha Araújo ressaltou que caneta de insulina não é a mesma coisa que bomba de insulina. Segundo explicou, embora as canetas sejam boas, a bomba reduz em quase 99% o risco de hipoglicemia, a qual pode levar a crises convulsivas e até à morte.
Edson Rodrigues Marques, em nome da Defensoria Pública da União (DPU), ponderou que, apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) fornecer insulina, a precisão da dosagem com a bomba é muito maior do que com a caneta, pois a dose mínima desta última já é alta. "O que estamos buscando aqui é qualidade de vida. Bomba de insulina não é luxo", concluiu.
Por outro lado, o médico Eduardo Blay Leiderman discursou acerca das responsabilidades específicas do SUS e da saúde complementar no Brasil, salientando que cabe ao primeiro fornecer medicamentos, incluindo insulina e dispositivos para sua infusão.
O advogado Marcos Calazans defendeu que a bomba não é insubstituível no tratamento da diabetes, podendo o controle glicêmico ser realizado com o monitoramento tradicional e aplicações de insulina. Segundo apontou, o plano de saúde deve fornecer tratamento à doença e não, necessariamente, o meio mais sofisticado de administração, especialmente quando existem alternativas igualmente eficazes e mais acessíveis.
Impactos no tratamento da diabetes com a bomba de insulina
Em nome da Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (Anadep), Carlos Pontes Sintra informou que estudos internacionais declaram que tanto a bomba quanto o sensor são necessários. Além disso, realçou que a bomba melhora a qualidade de vida das pessoas, evita internações e diminui outros custos. Na mesma linha se posicionou o advogado Paulo Falcone, enfatizando que a evolução dos julgados do STJ vai no sentido da cobertura da bomba pelos planos de saúde.
Já o representante do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores do Distrito Federal (Inas), Raphael Sampaio, abordou o impacto que o fornecimento da bomba de insulina pode causar no mercado farmacêutico, projetando aumento de preço e eliminação de concorrência, o que afetaria aqueles que não têm acesso à saúde suplementar – a maioria da população brasileira.
Fernanda Paes Leme, representante do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), reafirmou que a bomba de insulina não é essencial para o tratamento da diabetes. Conforme salientou, a terapêutica com múltiplas doses de insulina também é um meio efetivo e seguro para o tratamento.
Incorporação de novas tecnologias pelos planos de saúde
No quarto painel, Walkiria Helena Gomes Ferreira, advogada, e Mário Márcio Barros, psicólogo clínico e educador em diabetes, mostraram dados favoráveis ao uso da bomba, que ele utiliza desde 2018. Segundo Barros, 87% dos pacientes com diabetes tipo 1 sofrem descontrole glicêmico e não têm acesso às tecnologias. Na sua experiência, a bomba contribui para reduzir consideravelmente as complicações da diabetes, o que também gera redução de gastos com a saúde pública e privada. Na sua opinião, essa é uma importante ferramenta para as pessoas que têm de lidar com vários problemas em decorrência da diabetes e correm um risco três vezes maior de desenvolver depressão do que a população em geral.
Já para o advogado José Luiz Toro, da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), a incorporação de novas tecnologias tem impacto na contribuição final dos trabalhadores e servidores, e não deve ser incumbência do Judiciário resolver questões relativas às políticas públicas de saúde. "Se nós entendermos que a bomba de insulina pode ser interpretada de forma diferenciada do fornecimento de medicamentos, nós estamos abrindo as portas para uma série de outras excepcionalidades que deveriam ser cobertas, alterando a lógica de toda a cobertura estabelecida na lei", ponderou. Para ele, isso encareceria os planos de saúde de tal forma que poucos poderiam ter acesso a esse tipo de benefício.
Essa também foi a opinião da professora e advogada Angélica Carlini, para quem a incorporação de novas tecnologias precisa estar acompanhada de dados técnicos que demonstrem sua vantagem nas relações custo-eficiência, custo-efetividade e custo-benefício – o que, de acordo com ela, a bomba de insulina ainda não pode comprovar.
Audiências públicas são necessárias para o contraditório amplo
Por fim, no último painel, o procurador da República e coordenador da Comissão de Saúde Suplementar do Ministério Público Federal, Hilton Melo, argumentou que há espaço para a incorporação e o fornecimento do dispositivo pelos planos de saúde. Na sua avaliação, a ANS não tem conseguido regular com presteza as novas tecnologias e os procedimentos para cumprir a sua missão legislativa de cuidar, prevenir e manter a saúde. "O cuidado com a jornada de vida tem sido um desafio nos atos normativos e nas autorizações da agência", declarou.
O matemático e professor Eduardo Fraga Lima de Melo e o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Denizar Vianna Araújo apresentaram pontos de vistas contrários à incorporação do dispositivo. Para o médico, as melhores evidências científicas demonstram que o uso de bombas de insulina, quando comparado ao tratamento com múltiplas doses de insulina, tem benefícios clínicos pouco significativos.
Ao encerrar os debates, o ministro Villas Bôas Cueva ressaltou o cuidado que o Poder Judiciário precisa ter antes de intervir nesse tipo de questão, que, a princípio, não estaria entre suas atribuições primárias. "Essas audiências públicas são necessárias para que haja o contraditório amplo, arejado e democrático", disse.
Fonte: STJ, em 18.08.2025