Novos capítulos da Reforma Tributária: a cobrança do IBS e CBS sobre as Entidades Fechadas de Previdência Complementar
Mariana Monte Alegre de Paiva
Bianca Cerboncini
Sócia e associada do Pinheiro Neto Advogados
A tramitação da Reforma Tributária tem sido bastante movimentada para o segmento da previdência complementar. Quando o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 foi inicialmente apresentado pelo Governo, analisamos as implicações do texto proposto[1], que previa a incidência dos novos tributos incidentes sobre o consumo, IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), em relação às “receitas de prestação de serviços financeiros” auferidas pelas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC).
A partir de então, foi possível acompanhar uma intensa mobilização de representantes do setor, como a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) e a Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), visando alterar o texto para proteger os recursos destinados à aposentadoria de milhões de trabalhadores brasileiros.
Esse esforço felizmente deu resultados, e finalmente, em 10.7.2024, a aprovação do PLP nº 68/2024 pela Câmara dos Deputados marcou um momento histórico para as EFPCs, na medida em que, embora tenha mantido a premissa de que as entidades, abertas e fechadas de previdência complementar, prestam serviços financeiros, sujeitando-se à incidência dos tributos em questão, as regras de cobrança foram complementadas pela previsão do § 9º do artigo 26 de que as entidades fechadas sem fins lucrativos não serão tratadas como contribuintes dos novos tributos[2].
Apesar de o PLP nº 68/2024 agora seguir para análise do Senado Federal, o texto atual já traz um grande alívio para o segmento das entidades fechadas.
Vale observar que, historicamente, as EFPCs desempenham um papel crucial na previdência complementar brasileira. Diferentemente dos produtos financeiros oferecidos por instituições financeiras e similares, essas entidades operam como entidades sem fins lucrativos, cujo único objetivo é administrar os recursos dos participantes de maneira eficiente e segura. Logo, é evidente que o tratamento tributário diferenciado não é um privilégio, mas sim um reconhecimento da sua função social e da sua estrutura diferenciada.
A eventual tributação das EFPCs, conforme calculado pelo setor, resultaria em uma perda de 10,92% no valor dos benefícios futuros dos participantes[3]. Esse impacto negativo tornaria ainda mais desafiador o cenário de previdência complementar no Brasil, especialmente em um contexto de envelhecimento populacional e crescente pressão sobre o sistema público de aposentadoria.
Assim, a nosso ver, a proposta da Câmara dos Deputados de afastar a tributação das EFPC sem fins lucrativos no que tange aos novos tributos sobre o consumo foi um passo mais do que necessário para garantir a sustentabilidade e a atratividade dos planos de previdência complementar.
Importante ressaltar que o PLP nº 68/2024, em seu artigo 26, afasta a incidência dos mencionados novos tributos desde que as EFPC cumpram os requisitos aplicáveis às instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos imunes, conforme artigo 9º do PLP. Esse dispositivo, em seu § 3º, prevê que a imunidade de tais instituições está condicionada ao cumprimento cumulativo dos requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN)[4]. Esses requisitos abrangem a não distribuição de qualquer parcela do patrimônio ou rendas, a aplicação integral dos recursos no país e a manutenção de uma escrituração formal de suas receitas e despesas.
Tais exigências, na nossa visão, garantem a transparência e a responsabilidade na gestão dos recursos, assegurando que as EFPCs continuem a cumprir seu papel. Vale notar que a versão inicial do PLP nº 68/2024 propunha também modificações à atual redação do artigo 14 do CTN, incluindo mais requisitos à fruição da imunidade, o que foi retirado do texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
Dessa forma, as EFPCs que forem constituídas sob forma de entidades sem fins lucrativos e cumprirem os requisitos acima não estarão sujeitas ao IBS e à CBS, que incidirão normalmente, conforme os artigos 271 a 222 do PLP nº 68/2024, sobre entidades com fins lucrativos ou sem fins que não cumpram os requisitos da imunidade, e sobre as entidades abertas e seguradoras.
Como mencionado, o texto do PLP nº 68/2024 ainda tramitará no Senado Federal e poderá sofrer alterações até sua aprovação final. Vamos torcer para que a regra que afasta a cobrança sobre as EFPC sem fins lucrativos seja mantida, ainda que condicionada ao artigo 14 do CTN, uma vez que tal tratamento assegura a continuidade de um modelo de gestão que prioriza o bem-estar dos trabalhadores e a eficiência na administração dos recursos. Mais do que isso, reafirma o compromisso do Estado em reconhecer e valorizar as peculiaridades e a importância social dessas entidades.
[1] https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Colunistas/Mariana-Monte-Alegre-de-Paiva/Os-impactos-do-Projeto-de-Lei-Complementar-da-Reforma-Tributaria-do-Consumo-sobre-o-setor-de-Previdencia-Privada.html
[2] “Artigo 26. § 9º Não são contribuintes do IBS e da CBS as seguintes pessoas jurídicas sem fins lucrativos, desde que cumpram os mesmos requisitos aplicáveis às instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, para fins da imunidade desses tributos, não podendo apropriar créditos nas suas aquisições:
(...)
II - entidades de previdência complementar fechada.
[3] Fonte: ABRAPP. EFPCs seguem repercutindo positivamente a conquista do setor na regulamentação da reforma tributária. Disponível em: https://blog.abrapp.org.br/blog/efpcs-seguem-repercutindo-positivamente-a-conquista-do-setor-na-regulamentacao-da-reforma-tributaria/. Acesso em: 18 jul. 2024.
[4] Art. 9º São imunes também ao IBS e à CBS os fornecimentos:
(...)
III - realizados por partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos
(...)
§ 3º A imunidade prevista no inciso III do caput deste artigo aplica-se, exclusivamente, às pessoas jurídicas sem fins lucrativos que cumpram, de forma cumulativa, os requisitos previstos no art. 14 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).


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