Decisão do STJ veda concessão de danos morais "automáticos" por atraso de voo - Recurso Especial nº 1.796.716 – MG (20180166098-4)
Por Mariana Somensi (*)
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu recentemente, em sede de Recurso Especial ("REsp"), que dano moral por atraso de voo exige prova de "fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrente", a justificar uma indenização por abalo moral.
Após o cancelamento de um voo doméstico, o passageiro iniciou uma ação de indenização por danos morais contra companhia aérea, sob a alegada falha na prestação de serviços. O voo original, de Juiz de Fora, Minas Gerais, para São Paulo, atrasou e foi cancelado na sequência. O passageiro foi realocado para outro voo, da mesma companhia aérea, chegando ao destino final com um atraso superior a 4 horas.
A demanda foi julgada improcedente pelo juízo de 1ª instância, tendo a decisão sido confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A Terceira Turma do STJ, por unanimidade, também entendeu que o pleito do passageiro era improcedente.
Segundo o STJ, é fato incontroverso que houve o atraso seguido do cancelamento do voo e que a companhia aérea, nos termos do Art. 14 do Código de Defesa do Consumidor ("CDC"), é responsável objetivamente (i.e. independentemente de culpa ou dolo) pela falha na prestação de serviço. Entretanto, decidiu o STJ que é necessário averiguar se esta falha na prestação de serviço gerou, na prática, abalo moral ao passageiro, passível de indenização.
Trata-se de uma importante mudança no entendimento da Corte que, no passado, decidiu que o dano moral era presumido (in re ipsa) pela simples ocorrência do atraso, não havendo necessidade de o passageiro demonstrar a sua ocorrência.
A Relatora do recurso, Ministra Nancy Andrighi, expôs que houve uma mudança no seu entendimento anterior, pois, segundo ela, atrasos e cancelamentos de voos são uma situação corriqueira em grande parte dos aeroportos brasileiros e que isso não poderia gerar danos morais automaticamente, sem qualquer comprovação do abalo psicológico suportado pelo autor.
Para a Relatora, os fatos e circunstâncias do caso concreto servirão como parâmetro para determinar se houve ou não o dano moral, por exemplo: (i) o tempo do atraso; (ii) se a companhia aérea forneceu alternativas ao passageiro; (iii) se prestou ao passageiro informações precisas e claras sobre o ocorrido; (iv) se foi oferecido suporte material – alimentação, hospedagem – se o atraso foi considerável; (v) se o passageiro, por conta do atraso, perdeu algum compromisso inadiável, dentre outros.
No seu voto, cita alguns exemplos de casos em que o STJ julgou procedente o pedido de danos morais: (i) em atraso superior a 8 horas, quando a companhia aérea não prestou assistência material e informações sobre o atraso ao passageiro; ou, (ii) em atraso superior a 9 horas, que impediu o passageiro de presenciar as últimas horas de vida do seu pai. Entretanto, em outro caso, (iii) em que houve um atraso de quase 8 horas, o STJ entendeu não ter havido danos morais, pois a companhia aérea ofereceu duas alternativas aos passageiros afetados: (a) estadia em hotel custeado pela companhia aérea e embarque em voo no dia seguinte; ou, (b) realização de parte do trajeto por via terrestre.
Conclui a Relatora que, no caso concreto, o passageiro não juntou aos autos qualquer prova – por exemplo a perda de compromissos no local de destino – que pudesse justificar a condenação da companhia aérea a indenizá-lo por danos morais.
A decisão da Terceira Turma do STJ é positiva ao vedar a possibilidade de concessão "automática" de danos morais ao passageiro por atraso de voo, sem qualquer prova concreta que justifique esta indenização. Apesar de não ter efeito vinculante ou de repercussão geral, espera-se que o julgado sirva de norte para as demais instâncias decidirem este tipo de questão.
(*) Mariana Somensi é Advogada, CAL - Costa, Albino & Lasalvia Advogados Associados.
(24.09.2019)