Paulo Henrique Cremoneze

Paulo Henrique Cremoneze

Advogado, Especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade Católica de Santos, acadêmico da Academia Brasileira de Seguros e Previdência, diretor jurídico do Clube Internacional de Seguros de Transportes, membro efetivo da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguro, do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da IUS CIVILE SALMANTICENSE (Universidade de Salamanca), presidente do IDT – Instituto de Direito dos Transportes, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros, associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), autor de livros de Direito do Seguro, Direito Marítimo e Direito dos Transportes, pós-graduado em Formação Teológica pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (Ipiranga), hoje vinculada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos. Laureado pela OAB-SANTOS pelo exercício ético e exemplar da advocacia. Coordenador da Cátedra de Transportes da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

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Segurador sub-rogado não é obrigado a obedecer compromisso arbitral firmado pelo segurado com transportador: a correta interpretação de decisão recente do STJ (“Muito barulho por nada!”)

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Em meados de maio, uma decisão do órgão especial do Superior Tribunal de Justiça causou furor no mercado segurador.

Isso porque a decisão supostamente contraria antigo e robusto entendimento jurisprudencial no sentido de o segurador sub-rogado não ser obrigado a respeitar o compromisso arbitral fixado entre o segurado e outrem.

A forma equivocada como a decisão foi noticiada levou ao entendimento, igualmente equivocado, que a turma julgadora havia dito que o segurador sub-rogado era, sim, obrigado a respeitar o compromisso arbitral convencionado pelo segurado.

Mesmo sem conhecer o conteúdo da decisão, porque não disponibilizado então (e, por incrível que pareça ainda não publicado), fiz leitura atenciosa da notícia e busquei informações seguras sobre o caso concreto, a fim de comunicar algo completamente diferente ao mercado segurador.

Basicamente, por meio de publicações nas redes sociais, informei que a decisão em questão de modo algum se comunicava aos casos envolvendo a carteira de Seguro Internacional de Transportes (de cargas), muito menos o Direito Marítimo e o Direito dos Transportes.

Escrevi três pequenos textos que, para minha grata surpresa, reverberaram positivamente.

Por oportuno, reproduzo-os aqui:

Primeiro texto:

URGENTE: alerta ao mercado segurador

Acabei de tomar conhecimento da recentíssima decisão noticiada no link abaixo:

https://www.conjur.com.br/2019-mai-15/segura-obedece-clausula-arbitral-assumida-segurados-stj

Aparentemente uma notícia ruim para o mercado segurador.

Digo aparentemente porque é necessário estudar seu conteúdo, amplitude e efeitos.

Ao menos em um primeiro momento, posso dizer, com a prudência, que:

  1. O caso julgado pelo STJ dispunha sobre um contrato bilateral, com livre manifestação de vontade do segurado (uma das partes contratantes);
  2. A votação não foi unânime e importantes ministros - componentes do Órgão Especial - formaram sólida divergência;
  3. Referida decisão não tem signo de repercussão geral nem força de jurisprudência, razão pela qual não poderá ser invocada em todo e qualquer litígio envolvendo segurador sub-rogado.
  4. O caso dispôs sobre uma decisão arbitral existente no exterior, não sobre a opção ou não de se fazer uso da arbitral.

Relativamente ao segmento de imediata atuação da parceria MCLG-SMERA informo, ainda, que a natureza adesiva do contrato internacional de transporte marítimo de carga inibe o reconhecimento e a validade da chamada cláusula de compromisso arbitral.

Isso porque normalmente a cláusula é imposta ao segurado, sem sua expressa manifestação de vontade e em flagrante desconformidade com os aspectos formais exigidos pela própria Lei de Arbitragem brasileira. A arbitragem tem que ser sempre voluntária, sob pena de ofensa grave a importante garantia fundamental constitucional: acesso à jurisdição. Além disso, faz-se necessário estudar a decisão em relação ao parágrafo 2º do art. 786 do Código Civil.

A presente manifestação, “just in time”, será posteriormente complementada.

Por enquanto, trata-se de um mensagem de tranquilidade ao mercado. Muito papel e muita tinta ainda serão consumidos e ao que tudo indica nada mudará no segmento do seguro internacional de transporte de carga. É de se destacar o quanto exposto no item 4, acima, ou seja, a existência de uma decisão arbitral, algo bem diferente dos casos de imediato interesse dos colegas do mercado segurador.

Meus sócios e eu estaremos atentos aos desdobramentos e informaremos os amigos. De todo o modo, além das batalhas judiciais internas, lembro que a parceria MCLG-SMERA tem plenas condições de defender os interesses das seguradoras em qualquer parte do mundo, via BSI, seu braço operoso, internacional, que tem atuado em alguns dos maiores sinistros marítimos dos últimos tempos em todo o mundo.

Agradeço a atenção e a confiança.

Segundo texto:

URGENTE E IMPORTANTE | Ainda sobre a recente decisão do órgão especial do STJ que supostamente disse que o segurador tem que se submeter a convenção de arbitragem celebrada pelo segurado

Além de tudo o que já esclarecido, informo que mesmo ser conhecimento do teor da decisão, porque não publicada, tomei conhecimento de partes do processo que a original.

Mais do que nunca afirmo: a decisão não se ajusta ao seguro internacional de transporte nem ao contrato de transporte marítimo de carga (com cláusula arbitral abusiva, nula de pleno direito).

No processo em questão, salvo engano, a seguradora participou do procedimento arbitral no exterior, o que muda completamente o cenário e o enquadramento normativo. Os advogados e sócios MCLG-SMERA-BSI estudam atentamente o caso comigo e o mais brevemente possível um parecer robusto e preciso será encaminhado aos amigos do mercado segurador e membros da Magistratura.

Por enquanto, insisto que o alvoroço sobre a decisão é compreensível, mas desproporcional e desnecessário. Até segundo juízo, impossível não me lembrar da famosa comédia de Shakespeare “Muito barulho por nada”.

Terceiro texto:

SEGURADORA NÃO SE SUBMETE A ARBITRAGEM CONVENCIONADA PELO SEGURADO SEM SUA ANUÊNCIA E O RESPEITO A FORMA PREVISTA NA LEI DE ARBITRAGEM.

GK Chesterton disse que haverá o tempo em que teremos que explicar o óbvio: que a grama é verde!

No Direito, este tempo chegou faz tempo, com o perdão pelo pobre trocadilho. (...)

A decisão do órgão especial do STJ foi muito específica, sobre decisão arbitral estrangeira homologada no Brasil e incidente em contrato mercantil de venda e compra. Ela não se ajusta a todo e qualquer caso, muito menos ao contrato internacional de transporte marítimo de carga, que é de adesão e repleto de cláusulas abusivas.

Em pleno vigor o art. 786, parágrafo 2º do Código Civil e toda a jurisprudência a respeito do assunto. A sequência de esmagadoras vitórias do mercado segurador continuará, até porque sua posição é a que se ajusta ao melhor Direito, ao conceito de Justiça e a ordem moral.

De todo o modo, a parceria MCLG-SMERA, via BSI, está preparada para litigar no exterior. Para a parceria e para o mercado segurador brasileiro nada mudará. Apenas parte da advocacia ligada exclusivamente ao Direito Marítimo ficará ainda mais empobrecida e confusa se a opção da parceria MCLG-SMERA e do mercado segurador for demandar no exterior.

Quem tem a Verdade, nunca perde! Simples assim.

Neste momento, limito-me a reiterar os conteúdos dos três textos ora reproduzidos e a assegurar que não temo que a decisão produzirá efeitos negativos para o mercado segurador.

Obviamente que os advogados dos armadores, dos agentes de cargas, dos P&I Clubs, sempre ávidos por fugirem das suas responsabilidades e da jurisdição brasileira (a melhor do mundo para a legítima defesa dos direitos do mercado segurador) distorceram o conteúdo da decisão para a obtenção de algum tipo de benefício nos litígios cotidianos, mas isso “faz parte do jogo” e não deve de modo algum causar perturbações.

Os argumentos, fundamentos jurídicos e legais, que defendemos são muito robustos, eficazes e ancorados na melhor interpretação do Direito e, mesmo, da ordem moral, razão pela qual a preocupação é devida apenas em certa medida.

A decisão, que não foi unânime, deu-se em um caso repleto de particularidades significativas e orientado basicamente pela questão da homologação no Brasil da decisão arbitral estrangeira, algo que foge daquilo que cotidianamente se enfrenta nos litígios envolvendo o seguro internacional de transportes.

Termino com terminei um dos textos reproduzidos acima, lembrando o famoso bardo inglês: “muito barulho por nada”.