Paulo Henrique Cremoneze

Paulo Henrique Cremoneze

Advogado, Especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade Católica de Santos, acadêmico da Academia Brasileira de Seguros e Previdência, diretor jurídico do Clube Internacional de Seguros de Transportes, membro efetivo da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguro, do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da IUS CIVILE SALMANTICENSE (Universidade de Salamanca), presidente do IDT – Instituto de Direito dos Transportes, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros, associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), autor de livros de Direito do Seguro, Direito Marítimo e Direito dos Transportes, pós-graduado em Formação Teológica pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (Ipiranga), hoje vinculada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos. Laureado pela OAB-SANTOS pelo exercício ético e exemplar da advocacia. Coordenador da Cátedra de Transportes da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

artigos colunistasLeia todos os artigos

Notas brevíssimas sobre a lei que converteu a MP 1.153/22

Voltar

Lei 14.599/23: o transporte rodoviário de carga e os seguros

Escreverei entre hoje e amanhã algo oficial e detalhado a respeito, com argumentos jurídicos.

Aqui, neste momento, na forma de Bullet-points, antecipo algumas ideias (sujeitas ao bom-senso revisional).

Não se trata de artigo, sequer ensaio, muito menos parecer ou, mesmo, opinião legal. Trata-se, apenas, de síntese de comentários e inferências que fiz informalmente. Como disse e repito, ainda escreverei – e logo – de forma mais dedicada a respeito de tão importante assunto.

Antes de circular estas modestas ideias, recomendo e muito dois excelentes textos em circulação, um da Sompo e outro do Escritório Demarest.

Vamos lá:

• Os contratos de seguro firmados antes da MP valem como entabulados. Os firmados durante a vigência da MP e segundo seus termos, idem. A partir de 19/6/23 têm que ser ao sabor da lei, ainda que as condições tenham sido negociadas conforme a MP. O tempo rege o ato.

• O vício de constitucionalidade formal que eu enxergava na MP foi sanado pelo Congresso Nacional por meio do chamado controle preventivo. Se há algum de ordem material, que não descarto, ainda apurarei. De pronto, ao menos não o enxerguei.

• Se houver conflito entre o PGR do transportador e o do dono da carga, prevalecerá o do dono da carga. Este, em sendo (presumidamente) mais rigoroso, gozará de preferência sobre aquele, segundo o Direito e a prática de mercado [Os gerenciadores de risco não devem se preocupar. Sua atividade ficou ainda mais importante e fundamental].

• Embora a lei fale em vistoria conjunta em caso de sinistro (a envolver os atores todos dos seguros e dos transportes) há importante aposto: “quando couber”. Logo, “tudo como antes no quartel de Abrantes”. Basta justificar o não cabimento. A regulação de sinistro cuidará disso, certamente.

• Considerar o TAC como preposto do transportador principal e segurado dos três RC(s) era algo que já ocorria. E o impedimento de sub-rogação contra ele não era incomum e algo até lógico, de se dizer. Mas, importante, isso para os seguros RC(s). Em nada se comunica com o de transportes ou de embarcadores. Por isso, não vejo como atingida a cláusula DDR. Ela é própria destes seguros, não daqueles. Se ainda será ou não interessante, o mercado dirá. Acredito, porém, que não foi extinta [como advogado com forte atuação em litígios de ressarcimento em regresso, carteira de seguro de transportes, contra transportadores, gostaria de poder dizer o contrário, já que a cláusula muitas vezes é óbice].

• Caberá ações de regresso das seguradoras dos seguros RC(s) contra outros que de algum modo contribuírem para os sinistros protagonizados pelos TAC(s). Com isso, a regulação de sinistros e os comissários de avarias avolumam-se em importância. 

• Na linha do item precedente, penso em boa-fé que não foi extinta a possibilidade de estipulação. A lei direciona a contratação, é verdade, mas não impede expressamente a estipulação. E o que não é expressamente proibido, tem-se por permitido (princípio da legalidade). A prática mercadológica, invoco-a novamente, é que dará a veraz interpretação.

• A lei valoriza a apólice global, o que é mais um indicativo, por equiparação, ainda que transversal, do que sugerido no item 6 destas notas breves.

• Ao transformar o RC “desvio” de carga, a lei deu poderoso argumento aos que, como eu, defendem que o roubo não exclui a responsabilidade do transportador rodoviário. O que é previsível não é fortuito. E tão previsível é que o seguro passou a ser obrigatório. Nos pleitos de ressarcimento, a investigação do dever geral de cautela será - talvez - menos fundamental do que a tese pela tese. Um campo magnífico a ser explorado. Além da tese do agravamento de risco e do recente enunciado 15 da Seção de Direito Privado do TJSP, que permitem a quebra da fortuidade e o ressarcimento (reparação civil), agora há um argumento de ordem objetiva. A antiga defesa da previsibilidade fortaleceu-se sobremodo.

• A facultatividade do seguro de transporte não deve ser algo de preocupações. Na prática, ela já existia. Cansei de defender direitos de donos de cargas sem seguros contra os transportadores danadores. O usuário de transportes inteligente e previdente não deixará de contratar o seguro porque os de RC(s) se tornaram mais parrudos. São riscos distintos e preocupações igualmente diferentes. Além disso, o dono da carga, segurado, muitas vezes têm interesses em outros modos de transportes. Em vez de causa de diminuição de contratações, poderá ser de aumento. Os corretores mais habilidosos já enxergam grandes oportunidades. O ressarcimento em regresso das seguradoras em absolutamente nada foi afetado. Pelo contrário: agora será certo que os transportadores sempre serão protegidos por apólices. 

• Embora a lei tenha nascido em princípio para fortalecer a figura do TAC, ouso imaginar efeito rebote. É possível que ele seja prejudicado, já que as contratações serão mais rigorosas. Há necessidade de se aguardar o que um importante colega e amigo chamou de freio de arrumação. Qualquer prognóstico sobre isso, agora, seria temerário.

Há outras considerações. Essas, brevíssimas, são apenas o registro do que já falei em trocas de mensagens, diálogos, grupos de WhatsApp etc.

Serão ainda decantadas, aprimoradas e fortalecidas. Tenho lido muita coisa boa de gente bem qualificada e certamente influenciará a opinião final.

Não exerço, aqui, qualquer juízo de valor sobre a lei e escrevo considerando que aos seguradores e corretores em geral os dois grandes atores interessam e muito, donos de cargas e transportadores. Segurados sempre em primeiro lugar. A saúde dos seguros é o que orienta todos nós que trabalhamos com eles.

Acredito, como grandes profissionais e amigos disseram, que o mercado se adaptará e bem e que as mudanças, embora aparentemente significativas, alinham-se ao que citei lá atrás e ora repito, remetendo-me ao sobrinho do príncipe das Duas Sicílias em Il Gattopardo, de Tomasi de Lampedusa: “É preciso mudar tudo para que nada mude”.

Espero ter contribuído para o debate, ainda que humildemente, e não tenho nada por fechado e absoluto. Seria fantasioso se os tivesse.

Agradeço a honrosa confiança.

Em 23/6/23, uma bela manhã de outono, com abraços fraternos