Paulo Henrique Cremoneze

Paulo Henrique Cremoneze

Advogado, Especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade Católica de Santos, acadêmico da Academia Brasileira de Seguros e Previdência, diretor jurídico do Clube Internacional de Seguros de Transportes, membro efetivo da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguro, do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da IUS CIVILE SALMANTICENSE (Universidade de Salamanca), presidente do IDT – Instituto de Direito dos Transportes, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros, associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), autor de livros de Direito do Seguro, Direito Marítimo e Direito dos Transportes, pós-graduado em Formação Teológica pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (Ipiranga), hoje vinculada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos. Laureado pela OAB-SANTOS pelo exercício ético e exemplar da advocacia. Coordenador da Cátedra de Transportes da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

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Da convenção de Montreal e da Cláusula limitativa de responsabilidade do transportador aéreo de carga: inconstitucionalidade e ilegalidade à luz do ordenamento jurídico brasileiro

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A limitação de responsabilidade do transportador aéreo de carga é um dos temas mais polêmicos e importantes do chamado Direito dos Transportes, ramo que se conecta intimamente com o Direito do Seguro e o Direito Empresarial.

Não à toa, aliás.

O reconhecimento ou não da limitação de responsabilidade do transportador aéreo nos casos envolvendo faltas ou avarias de cargas impacta diretamente no cenário econômico, com reflexos imediatos nas carteiras de seguros de transportes e nos custos dos negócios dos importadores e exportadores brasileiros, repercutindo indiretamente no mercado consumidor e na sociedade em geral.

Tradicionalmente, o Brasil sempre se posicionou e posiciona contrariamente às cláusulas contratuais e às normas convencionais permissivas da limitação de responsabilidade do transportador de cargas, seja qual for o modo de transporte; não obstante, ainda não há uma uniformização jurisprudencial plena e, não raro, decisões diferentes são tomadas para situações análogas.

Considerando a futura mudança de paradigma do sistema processual brasileiro, com a adoção de mecanismos próprios do modelo “common law” dentro de uma tradicional dinâmica “civil law”, muito aproveita o debate acadêmico do assunto, com vistas ao seu bom exercício prático.

Os precedentes judiciais ganharão mais força e importância dentro da vida brasileira, emergindo do âmbito jurídico para os planos econômico e social.

O posicionamento ora adotado é em defesa da garantia constitucional fundamental da reparação civil ampla e integral, tendo-se por inoperante qualquer cláusula contratual ou, mesmo, norma convencional (legal) que tenham por escopo a aplicação da limitação de responsabilidade em favor do transportador aéreo de cargas que não cumpre fielmente a obrigação contratual de transporte.

Em verdade, mais do que inoperante, a cláusula contratual e/ou a norma que dispuser em favor da limitação é ilegal e inconstitucional aos olhos do sistema jurídico brasileiro, tendo-se como premissa inafastável que a reparação civil ampla e integral é garantia constitucional fundamental.

Vejamos:

Uma das fontes legais que tratam do contrato de transporte aéreo de carga e da responsabilidade civil do transportador aéreo é a Convenção de Montreal, fortemente influenciada pela antiga Convenção de Varsóvia.

A Convenção de Varsóvia, base da Convenção de Montreal, foi assinada pelo Brasil em 1929 e ratificada no dia 2 de maio de 1931, ingressando no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931. Durante muitos anos vigeu e foi argumentada nas lides forenses, gerando debates acalorados.

Essa Convenção, assim como todas as outras que tratam do transporte aéreo, cedeu lugar à Convenção de Montreal.

A Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal), assinada pelo Brasil em 28 de maio de 1999, ratificada pelo Congresso Nacional e inserida no Direito brasileiro pelo Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006, repetiu em muitos aspectos a Convenção de Varsóvia, reforçou o conceito de a responsabilidade civil do transportador aéreo ser de índole objetiva, mas, infelizmente, manteve em seu corpo de normas a figura da limitação de responsabilidade, ainda que em patamares menos indignos do que os sustentados pela Convenção de Varsóvia.

Talvez o hábito no uso freqüente da antiga Convenção de Varsóvia justifique a força que ela ainda goza em meio aos profissionais do Direito. Falamos isso porque, não raro, ainda hoje, decorridos muitos anos do ingresso da Convenção de Montreal, ainda se fala muito na Convenção de Varsóvia, sendo, inclusive, alvo de argumentos em peças forenses e de fundamentos de decisões judiciais.

A Convenção de Varsóvia sempre foi muito criticada porque ele apresentava muitas causas legais excludentes de responsabilidade e porque reconhecia a validade e a eficácia das chamadas cláusulas limitativas de responsabilidade.

Antes mesmo de prosseguir, vale lembrar que a referida Convenção foi levada à efeito com o intuito de proteger uma indústria – a do transporte aéreo – então em gestação, envolta em riscos e carente de especial proteção. Hoje, o cenário é outro, muito diverso. A indústria cresceu e se solidificou, é extremamente poderosa e os riscos pequenos.

Do mesmo modo, a Convenção de Montreal é criticada porque autoriza o dirigismo contratual, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro, e mantém em seu bojo o conceito de indenização tarifada, ou seja, limitação de responsabilidade, embora em patamares mais respeitáveis do que os da Convenção de Varsóvia.

A Convenção de Varsóvia, por ser do início do século passado, encontrava-se desatualizada em relação ao Direito Empresarial e as realidades poliédricas do mundo contemporâneo, as quais suscitaram e suscitam constantes respostas por parte do Direito. Melhor sorte, contudo, não ocorre relativamente à Convenção de Montreal, porquanto ainda injusta e promotora do desequilíbrio entre as partes envolvidas no contrato de transporte aéreo de carga, lembrando sempre que este é um contrato de adesão.

É bem verdade que a Convenção de Montreal consagrou a responsabilidade objetiva do transportador aéreo de carga, harmonizando seu conteúdo normativo com a maior parte dos ordenamentos jurídicos de todo o mundo, mas não é menos verdade que mesmo estabelecendo critérios e elementos mais equilibrados do que a Convenção de Varsóvia, ainda contém normas que são absolutamente contrárias ao sistema legal brasileiro como um todo.

Uma das críticas feitas à Convenção de Montreal, convém repetir, é que ela, apesar da mudança de cenários do início do século passado para os dias atuais, ainda prevê a limitação tarifada nos sinistros provocados pelo transportador aéreo, gerando desequilíbrio entre as partes envolvidas numa dada operação e promovendo a injustiça, de forma a premiar, por via reflexa, o inadimplemento contratual de obrigação de resultado.

Consta no artigo 22, item 3, da Convenção de Montreal, a seguinte estipulação em favor da limitação:

Artigo 22 – Limites de Responsabilidade Relativos ao Atraso da Bagagem e da Carga

3. No transporte de carga, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o transportador estará obrigado a pagar uma quantia que não excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.

O valor de cada Direito Especial de Saque é delineado por outra fonte normativa, passível de alterações regulares. De qualquer modo, é um valor baixo e que pode ser insignificante dependendo da carga avariada ou extraviada.

E em razão da previsão convencional, os conhecimentos aéreos de transportes de cargas, todos eles, contém cláusulas limitativas de responsabilidades.

A limitação de responsabilidade, seja de natureza convencional, seja por meio de cláusula contratual (cláusula limitativa de responsabilidade) é equiparada à cláusula de não indenizar, portanto, inoperante.

Ora, indenizar em valor insignificante – ao menos diante do dano causado e o prejuízo decorrente – é o mesmo, em termos práticos, que “não indenizar”, tendo-se por esvaziado a máxima geral de Direito do “neminem laedere”, que, grosso modo, dispõe que a ninguém é dado causar dano à outrem (sem o dever de reparação).

A cláusula de não indenizar – observa Rui Stoco[1] – sempre foi repudiada pelo nosso ordenamento jurídico.

Essa proibição de se impor uma regra que exonera por completo o transportador já constava de inúmeros diplomas legislativos, como se verifica no art. 247 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86 – transporte aéreo interno), art. 12 do Dec. 2681/12 e art. 1º do Dec. 19.473/30 (revogado), que trata do transporte dos Transportes e ora invocado por analogia.

A Convenção de Montreal (art. 26) também proíbe a cláusula de não indenizar, considerando-a nula. Ocorre que ela prevê, como a de Varsóvia previa (art. 23, I), a limitação de responsabilidade e, portanto, por via oblíqua, mesmo repudiando-a de um lado, abraçou-a paradoxalmente de outro, pois não indenizar é, nunca é demais repetir, em termos estritamente práticos, o mesmo que limitar (tendo-se em mira os valores pífios da limitação).

Por mais que Rui Stoco justifique e com razão que a cláusula limitativa de responsabilidade, albergada em parte pelo sistema legal brasileiro, não seja a mesma coisa que a cláusula de não indenizar, de tal modo que em tese aquela, ao contrário desta, é possível de ser aplicada (com ressalvas), temos que a natureza jurídica é menos relevante do que a verdade dos fatos e esta é no sentido de equiparar as duas cláusulas, porque são os mesmos os efeitos de ambas no mundo fenomênico.

A jurisprudência sempre palmilhou tal caminho, sustentando que, a rigor, não indenizar e limitar são coisas diferentes, mas que nos extremos de seus vértices, focando-se os efeitos concretos, se igualam. O então ministro do STJ, Waldemar Zveiter, num julgado anterior ao CDC e ao CC/2002, sobre transporte marítimo de carga (o modo marítimo de transporte é invocado por analogia), ao considerar a indenização irrisória pelo critério da limitação tarifada, decidiu: “Reputa-se não escrita qualquer cláusula limitativa da obrigação de indenizar, em contrato de transporte dos Transportes, o valor capaz de tornar irrisória a indenização relativa aos danos causados”. (REsp. j. 16.12.92, RT 696/235).

O julgado de 1992 foi ora destacado para demonstrar quão sólido é o entendimento do Poder Judiciário contrariamente à limitação de responsabilidade, sendo certo e o exemplo do transporte marítimo pode e deve ser aproveitado para o transporte aéreo porque mesmos os alicerces jurídicos dos dois modos de transporte de cargas.

Daí a segurança em afirmar que a limitação de responsabilidade não pode ser contemplada, especialmente nos dias correntes, dias que contam com diplomas legais que evidenciam o dever de restituição ampla e irrestrita dos danos e prejuízos causados à outrem, especialmente por quem assume obrigação de resultado. Logo, considerar a limitação de responsabilidade como sendo rigorosamente, no plano dos efeitos práticos, a mesma coisa que a exoneração é medida certa e com amparo jurisprudencial: “(...) não pode a transportadora furtar-se ao pagamento integral da indenização, ainda que do contrato de transporte conste cláusula limitativa do valor daquela”. (1º TACSP – 3ª C,. – Ap. Rel. Nelson Schiavi – j. 02.09.81 – RT 561/138).

O tema, limitação de responsabilidade segundo a Convenção de Montreal é controvertido e muito importante, merecendo especial atenção. Convém dizer, desde logo, que são muitos os que entendem que a Convenção não pode mais ser aplicada porque contrária à inteligência sistêmica do Direito brasileiro; igualmente, outros tantos defendem que ela até pode ser aplicada, mas com ressalvas em relação às disposições contrárias ao sistema legal pátrio, notadamente a parte que trata da limitação de responsabilidade. E há uma corrente que diz que a limitação é cabível apenas nos casos de grandes sinistros, os acidentes aéreos expressivos e que podem comprometer a saúde financeira do transportador (teoria da preservação da empresa), não sendo aplicável, contudo, nos casos de sinistros simples, casos de faltas e avarias vinculadas aos contratos de transportes, até porque a limitação não é aplicável em sendo constatada a culpa em sentido estrito e/ou culpa grave, como a própria Convenção também prevê.

Com efeito, existe uma espécie de “topói” jurídico, de lugar-comum, que faz com que as pessoas repitam ideias e as apliquem sem uma ampla reflexão. Os partidários da aplicação integral e plena da Convenção de Montreal – em detrimento da Constituição Federal e do sistema legal brasileiros – esquecem-se que a limitação de responsabilidade prevista no seu próprio conteúdo só tem efetivo cabimento nos casos de sinistros de navegação aérea, não nos simples, comuns, cotidianos, chancelados pela desídia operacional.

Assim, a limitação só se aplica num caso, por exemplo, de queda de aeronave, não de descumprimento de obrigação contratual de resultado, como um mero extravio de carga.

Por motivos desconhecidos – e aí o cabimento da ideia de “topói” jurídico -, essa disposição convencional é, não raro, ignorada, sublimada, misturando-se, literalmente, alhos com bugalhos. Outra coisa que costuma ser relegada pelos defensores e partidários da aplicação sem restrições da Convenção é o fato dela mesma prever que em sendo constatada a figura da culpa grave do transportador a limitação não ser aplicada, na medida em que o benefício convencional-econômico não se sustentar diante do ato ilícito que transcende o descumprimento de obrigação contratual de resultado (art. 22, 5)

De qualquer forma, o que se pode notar é que a defesa intransigente da incidência da limitação de responsabilidade cede espaço diante da obviedade e das limitações, com o perdão pelo trocadilho, do próprio sistema legal como um todo e da mesma convenção que a estabelece.

Daí a convicção que seja qual for o prisma de análise de um caso, seja qual for a fonte legal aplicável aos contratos de transportes aéreos de cargas, a responsabilidade civil do transportador será sempre objetiva, pautada na presunção legal de culpa e na inversão do ônus da prova, não se cogitando em limitação de responsabilidade e somente exonerável mediante prova expressa da existência de alguma causa legal excludente de responsabilidade.

A limitação de responsabilidade, prevista na Convenção de Montreal e que se estampa nos instrumentos de contratos de transportes aéreos de cargas, é algo que atenta contra o melhor Direito e, portanto, não pode ser de forma alguma contemplada pelos órgãos monocráticos e colegiados do Poder Judiciário brasileiro.

Aliás, além da Convenção de Montreal, a limitação costuma ser prevista nos próprios contratos de transportes aéreos, formatados por instrumentos de adesão, nos quais os transportadores impõem suas vontades, unilateralmente, sem qualquer tipo de ingerência dos embarcadores e consignatários de cargas.

Também por isso, a limitação é, de pleno direito, nula. Embora o foco principal de estudo seja a limitação convencional, muito aproveita ao propósito deste modesto trabalho a análise detalhada da figura legal em relação às disposições adesivas do contrato de transporte aéreo de carga.

Vejamos:

O contrato de transporte aéreo de carga, inspirado nas Convenções de Varsóvia e de Montreal, contém cláusulas limitativas de responsabilidade em favor do transportador, externando, de forma adesiva, repita-se, unilateral, um benefício em seu favor.

A cláusula limitativa de responsabilidade é em tudo equiparada à cláusula de não indenizar e, portanto, inoperante, segundo o Enunciado de Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal.

Cláusula abusiva e irregular, de sublinhar.

Como já se disse, limitar a valor pífio é o mesmo que não indenizar, donde se infere a perfeita justaposição do enunciado de súmula em destaque ao caso da limitação de responsabilidade contratual (eco simétrico da limitação convencional).

No caso do transporte aéreo de carga, tem-se também o Código Brasileiro de Aeronáutica, artigo 105, a vedar expressamente a exoneração de responsabilidade.[2]

Isso, sem falar no Código de Proteção e Defesa do Consumidor e no Código Civil, os quais sustentam que a reparação civil há de ser sempre a mais ampla possível, o que bate de frente com a exoneração e, mesmo, a limitação de responsabilidade.

Nunca é demais repetir e com bastante ênfase: não indenizar é, em termos práticos, a mesma coisa que indenizar valor vil, sobremodo reduzido por causa da limitação.

Assim, toda cláusula em tal sentido, presente no contrato de transporte de carga não pode ser considerada válida e eficaz.

Isso vale também para o contrato de transporte aéreo de carga, em que pesem as convenções internacionais de Varsóvia e de Montreal estatuir exatamente o contrário, prestigiando a limitação.

Além da comparação direta com a cláusula de não indenizar, repudia-se a cláusula limitativa de responsabilidade porque o contrato de transporte de carga, qualquer que seja o modal, é um contrato de adesão, com cláusulas impressas e unilateralmente impostas pelo transportador, razão pela qual injusta e, até mesmo, imoral sua aplicação em desfavor de quem foi obrigado a aderir aos termos contratuais.

Nem mesmo as convenções internacionais podem e devem ser aplicadas nos transportes internacionais, aéreos, ao menos relativamente à limitação de responsabilidade.

Tanto a Convenção de Varsóvia, como a de Montreal, das quais o Brasil é signatário, dispõem sobre a possibilidade de limitação tarifada, mas somente nos casos dos grandes sinistros aéreos, os acidentes de aviação, não os casos simples de faltas ou avarias de cargas, muito menos aqueles seriamente culposos.

Com efeito, nem mesmo a Convenção de Montreal, cuja aplicação refutamos porque contrária ao sistema legal brasileiro como um todo, reconhece a limitação para os casos marcados com o erro grave do transportador.

O mesmo artigo 22 da Convenção de Montreal prevê:

5. As disposições dos números 1 e 2 deste Artigo não se aplicarão se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de um preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções.

Embora o item 5 aborde somente os itens 1 e 2 do mesmo artigo, os quais tratam dos danos pessoais aos passageiros e as perdas, atrasos e avarias nas entregas das bagagens, a verdade é que não existe razão alguma para a exclusão do item 3, próprio das cargas, de tal modo que é perfeitamente possível, em nosso entender, por analogia e por ampliação jurisprudencial, tendo-se em conta a melhor interpretação do Direito, aplicar ao transporte de cargas.

Aliás, houve ausência de boa-fé da Convenção ao excluir no item 5, menção expressa ao item 3, pois a experiência autoriza entender que é muito mais comum a culpa em sentido estrito ou o objetivo de causar dano relativamente às cargas do que em relação aos passageiros e suas bagagens.

Atrasos e percalços com bagagens são comuns, mas danos propriamente ditos ocorrem, a rigor, é no transporte aéreo de carga, donde nos sentimentos autorizados a enfatizar que o item 3 se encontra implicitamente previsto no item 5.

Temos ainda que se eventualmente aplicável a limitação de responsabilidade, ela somente poderá ser reconhecida nos casos dos grandes sinistros aéreos, aqueles envolvendo, por exemplo, quedas das aeronaves, perdas muito substanciais.

Nesse sentido, há alguma razão moral na limitação de responsabilidade, pois nos sinistros envolvendo quedas de aeronaves, os interesses são muitos e os valores podem atingir níveis estratosféricos.

Assim, a limitação tem a função de mecanismo de calibragem e se mostra conectada à teoria da preservação da empresa.

Fora desse contexto, quer nos parecer, a limitação de responsabilidade enseja o abuso de Direito, premia o ato-ilícito e fere a dignidade de uma das partes do contrato de transporte.

Nos casos de faltas e avarias de cargas, isoladamente consideradas, baseadas em contratos de transportes, a aplicação da limitação é injusta, para não dizer imoral.

Por isso que sustentamos o entendimento que a Convenção de Montreal, a exemplo da Convenção de Varsóvia, não pode ser aplicada no Brasil, a despeito de o país a ter assinado, ratificado e convertido em lei, pois é flagrantemente contrária ao sistema jurídico brasileiro como um tudo e atinge visceralmente o postulado de a reparação do dano ser sempre a mais ampla possível.

E o mesmo vale para a limitação prevista no CBARr. Mesmo antes do advento do CDC e da promulgação do novo CC, diplomas legais que não admitem qualquer tipo de limitação de responsabilidade que, direta ou indiretamente, venha a mitigar o conceito de reparação civil mais ampla possível, a jurisprudência já era bastante sólida nesse sentido.

MERCADORIA – EXTRAVIO – Ação de seguradora contra transportadora – Indenização integral – Inaplicabilidade do Código Brasileiro do Ar – Declaração de voto – Aplicação dos arts. 159 e 1.056 do CC.

Se o extravio da mercadoria transportada por via aérea não guarda relação com os riscos do vôo, não há fundamento algum, de natureza legal ou moral, para ser estabelecida a responsabilidade limitada. Assim, a responsabilidade da transportadora desloca-se no campo do Direito comum, devendo indenizar o prejuízo causado, nos termos dos arts. 159 e 1056 do CC.

1º TACivSP – Ap. 314.358 – SP – j. 14.9.83 – rel. Laerte Nordi (RT 587/139)

Mas, se porventura ainda se houver por bem entender que ela vige e produz efeitos jurídicos, há de se considerar que ao menos as regras reservadas à limitação não têm validade e eficácia ou, tendo-as, somente produzem seus efeitos nos casos dos grandes desastres aéreos, os sinistros envolvendo quedas de aeronaves.

Validar a limitação de responsabilidade para casos de faltas e avarias é afrontar todos os princípios da responsabilidade civil, desprestigiar as regras que disciplinam o tema e, ainda que às avessas, ratificar o ilícito civil.

Ora, considerando tudo isso, considerando a tradição jurídica brasileira, sempre refratária ao reconhecimento e à aplicação de qualquer tipo de cláusula limitativa de responsabilidade, tem-se que não há sentido algum defender a validade e a eficácia dessa cláusula, frontalmente contrária à cláusula de incolumidade.

A limitação de responsabilidade é tema que periodicamente ganha destaque na literatura do Direito dos Transportes. Isso porque os transportadores costumam invocá-la nas disputas judiciais relativas aos contratos de transportes de cargas inadimplidos.

E o fazem, especialmente os transportadores aéreos, com amparo em incorretas interpretações das convenções internacionais de Varsóvia e de Montreal.

Apesar do destaque, a jurisprudência é, preponderantemente, contrária a validade e a eficácia de toda e qualquer cláusula que limita a responsabilidade do transportador de carga, incluindo o aéreo.

Aliás, no que tange à jurisprudência, tem-se aquilo que Francisco César Pinheiro Rodrigues e Ivan Francisco Pereira Agostinho selecionaram em seu livro sobre decisões colegiadas relativamente ao Direito dos Transportes, destacando-se decisão contrária a incidência da limitação de responsabilidade, mesmo antes da vigência do CDC e do atual CC, prolatada pela então 3ª Câmara de Direito Privado, do antigo 1º TACivSP, na Apelação 321.744, de 14.3.1984, sendo relator José Cesário, publicada a decisão na JTACSP-RT 88/36: “Quanto à limitação de responsabilidade, também não assiste razão à apelante. A r. Sentença baseou-se em precedente do STF (RTJ 47/681) demonstrando não caber, em caso semelhante, a alegada limitação. Cumpre salientar ainda que a limitação que beneficia as companhias de transporte aéreo decorre da conveniência em diminuir as conseqüências econômicas dos riscos inerentes a esse tipo de transporte. Ora, o prejuízo ocasionado pela ré nada tem a ver com os riscos do transporte aéreo propriamente dito. O dano originou-se de culpa grosseira, facilmente equiparável ao dolo civil, e decorrente de erro burocrático que fez com que a carga retornasse indevidamente ao México, e ainda sem documentação adequada, o que acarretaria fatalmente, como acarretou a perda total dos bens transportados. Princípios elementares do Direito impedem, no caso, a limitação de responsabilidade.” (in Jurisprudência do Transporte Aéreo, Dos Transportes e Terrestre, RT, São Paulo: 1988, p. 26).

Escolhemos uma citação de um julgado relativamente antigo para mostrar que é de longa data que a jurisprudência, fonte mediata do Direito, se orienta no sentido de se negar validade e eficácia à limitação de responsabilidade.

Do trecho acima reproduzido, muito aproveita sublinhar que o STF, à época competente para tratar desse tipo de assunto, se posicionou contrariamente à limitação de responsabilidade, exatamente por comparar seus efeitos aos da exoneração, figura expressamente vedada por conta da sua Súmula nº 161. Também é interessante destacar que a limitação de responsabilidade não pode ser reconhecida porque “o prejuízo ocasionado pela ré nada tem a ver com os riscos do transporte aéreo propriamente dito. O dano originou-se de culpa grosseira, facilmente equiparável ao dolo civil (...)”, ao tempo em que “Princípios elementares do Direito impedem, no caso, a limitação de responsabilidade”.

Pesa muito em favor desse entendimento o fato de a cláusula limitativa de responsabilidade encontrar-se inserida em um contrato de adesão, como é o de transporte aéreo, implicando dirigismo contratual e abusividade explícitos.

O contrato de adesão deve ser interpretado, em caso de divergência, sempre em favor de quem aderiu. Além disso, o instrumento contratual de adesão não pode ofender o sistema legal, submetendo-se em tudo ao Direito como um todo.

O Brasil, em especial, é um país que tradicionalmente se mostra contundente em relação ao dirigismo contratual e as cláusulas abusivas.

Por isso, toda e qualquer cláusula limitativa de responsabilidade estampada unilateralmente pelo transportador no conhecimento aéreo é inválida e ineficaz, senão nula de pleno Direito.

Tendo-se em consideração que limitar a responsabilidade é o mesmo que não indenizar, afirma-se que a cláusula limitativa de responsabilidade ajusta-se perfeitamente ao disposto no Enunciado de Súmula nº 161, do Supremo Tribunal Federal: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”.

Antes da Constituição Federal de 1988 e da criação do Superior Tribunal de Justiça, era o Supremo Tribunal Federal o órgão jurisdicional que dava a última palavra sobre o assunto, fincando posicionamento que até hoje e acertadamente é abraçado pelos órgãos monocráticos e colegiados do Estado-juiz.

No mesmo sentido, o Direito positivo, por meio de regra legal específica, o Decreto nº 19.473/30, liquidou a eficácia de cláusulas contratuais dessa natureza, ao impor: “(...) Reputa-se não escrita qualquer cláusula restritiva ou modificativa dessa prova ou obrigação”.

Embora dirigida ao transporte dos Transportes de carga, referida regra pode ser perfeitamente aplicável, por analogia, ao transporte aéreo.

Mas, com a introdução da lei consumerista no sistema legal brasileiro, o tema ganhou novo colorido, praticamente definitivo, no sentido de se premiar a proibição às cláusulas limitativas ou restritivas de responsabilidade, comuns nos contratos de transporte aéreo.

E a legislação consumerista é perfeitamente aplicável aos casos envolvendo obrigações de transportes de cargas, sem se falar em inteligência maximalista, porque a obrigação de transporte é modalidade de fornecimento de serviço e o transportador é um prestador de serviços em todos os sentidos. Para a incidência da lei consumerista é preciso ter em foco não o bem transportado, mas o serviço propriamente dito, o qual tem no contratante, no consignatário ou no segurador legalmente sub-rogado consumidores perfeitos, porque destinatários finais dos serviços fornecidos pelos transportadores, pouco importando os destinos finais dos bens confiados para os transportes.

Com a nova lei especial, o que antes era solucionado por meio da jusfilosofia, mediante cansativo processo de esgrima das normas vigentes no sistema legal e o uso de sofisticada hermenêutica jurídica, passou a ter tratamento melhor, normativo e expresso, fulminando qualquer dúvida a respeito. Com a promulgação do Código Civil em vigor, de 2002, o dirigismo contratual foi definitivamente vedado e ao sabor dele, ainda mais forte se tornou o repúdio às cláusulas de limitação de responsabilidade, compaginada no rol das cláusulas abusivas.

Toda cláusula que limita a responsabilidade é abusiva porque constitui ofensa ao equilíbrio contratual, mormente quando o contrato que a contém, como é o caso do contrato maritimista de transporte, é um típico contrato de adesão.

Sendo um contrato de adesão, suas cláusulas são impressas, não cabendo ao consumidor e/ou beneficiário do serviço contratado, diretamente ou por estipulação em favor de terceiro, qualquer deliberação a respeito. Sua vontade não é livre, mas orientada pela imposição do transportador, sempre unilateralmente.

O consumidor (credor da obrigação de transporte de carga) simplesmente adere às condições impostas pelo transportador aéreo, não se lhe conferida a oportunidade de efetivamente manifestar sua vontade, emprestando caráter verdadeiramente unilateral ao contrato.

E nem se diga em eventual liberdade de não contratar, pois se levando em conta que cerca de 90% do transporte global de cargas é feito por mar ou pelo ar, pouco liberdade têm os consumidores de tais serviços, uma vez que eles precisam contratar os transportes, submetendo-se, forçosamente, às disposições contidas nos instrumentos contratuais.

Assim colocada a questão, nada mais há para ser dito em sede de limitação de responsabilidade, tratando-se de mais um ponto superado, donde se estranha a insistência de os transportadores aéreos, em litígios judiciais, insistirem na tese da validade e da eficácia dessas cláusulas “hardship”, notadamente as de limitação de responsabilidade, na medida em que manifestamente contrárias ao Direito, repudiadas pela jurisprudência e eivadas de elementos negativos que atingem até mesmo o campo da moral.

Além de regras legais específicas contrárias ao dirigismo contratual, existem princípios fundamentais do Direito, uns de índole geral, outros de natureza constitucional, os quais devem ser sobremodo considerados quando da análise do tema, fulminando toda e qualquer tentativa de convalidar a abusividade intrínseca às cláusulas limitativas de responsabilidade.

Tais cláusulas ofendem fundamentos principiológicos como a eqüidade, a razoabilidade, a proporcionalidade e o bom-senso, compaginando essa ofensa mais um argumento a favor daqueles que as repudiam e as têm por nulas de pleno Direito.

A imposição de tais cláusulas, ao exclusivo alvedrio dos transportadores aéreo, faz letra morta qualquer alusão ao “pacta sunt servanda”, sendo curial notar que outro aforismo cabe na hipótese em questão: “pacta non possunt facere licita quae alias illicita sunt”.

Relevante observar que mesmo sem se remeter às regras do Código de Defesa do Consumidor, os princípios jurídicos que regem os contratos coíbem o abuso, principalmente ao se observar o dirigismo contratual decorrente da forma adesiva de contratação. E esses princípios foram definitivamente positivados e marmorizados nas letras do Código Civil de 2002, cujo conteúdo, considerando-se a melhor hermenêutica e a interpretação sistêmica de suas regras, veda a validade das referidas cláusulas, como de toda e qualquer cláusula “hardship”, combatendo o dirigismo contratual e fortalecendo a inteligência do comentado Enunciado de Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal.

Afinal, o Direito não se presta ao torto; e, em termos contratuais, poucas coisas são mais tortas e erradas do que as combatidas e abusivas cláusulas limitativas e/ou exonerativas de responsabilidade. Qualquer que seja a fonte legal aplicável num dado caso concreto, ou seja, Código Civil, Código de Defesa do Consumidor ou princípios gerais e fundamentais do Direito, tais cláusulas são ilegais e, mesmo, imorais, porque abusivas, cabendo ao Poder Judiciário, quando provocado, manifestar-se no sentido de se manter o entendimento vigente de tempos de antanho, hoje vitaminado por importantes ferramentas jurídicas, repudiando-se a validade e a eficácia de tais cláusulas ou, ainda mais importante, rotulando-as como nulas de pleno Direito.”.

Embora a jurisprudência continue pacífica no sentido de não se prestigiar a cláusula limitativa de responsabilidade, há em curso um movimento forte, patrocinado pelos transportadores aéreos em dizer que o que é errado é certo e, o que é certo, errado.

Por mais que se vistam de argumentos sedutores e aparentemente hábeis, a verdade que salta aos olhos é que a cláusula que limita a responsabilidade é, sim, uma cláusula de não indenizar.

E, nunca é demais enfatizar: a introdução da lei consumerista no sistema legal brasileiro fortaleceu, sobremodo, a vedação as cláusulas limitativas ou restritivas de responsabilidade, comuns nos contratos de transporte, qualquer que seja o modal, especialmente aéreo e aéreo. Concomitantemente, temos o Código Civil dispondo em sentido idêntico e tornando defesa a limitação de responsabilidade em contratos de adesão.

Com o novo sistema legal, o que antes era solucionado através da jusfilosofia, mediante cansativo processo de esgrima das normas vigentes no sistema legal como um todo, passou a ter tratamento melhor, normativo e expresso, fulminando qualquer dúvida a respeito.

Lista o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, os direitos básicos atribuídos ao consumidor figurando, dentre eles, os dos incisos IV e X, que o protege de práticas e cláusulas contratuais abusivas e lhe garante o direito a um eficaz serviço público[3], respectivamente, transcritos abaixo:

"Art. 6.º - São direitos do consumidor:

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços;

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral".    

Toda cláusula que limita a responsabilidade é abusiva porque constitui em ofensa ao equilíbrio contratual, mormente quando o contrato que a contém, como é o caso dos contratos maritimistas de transporte, é um típico contrato de adesão.

Antes da lei, existiam, como dissemos, outros argumentos utilizados para combater as ditas cláusulas.

Sendo o contrato de transporte aéreo (conhecimento aéreo) um contrato de adesão, as cláusulas são impressas, não cabendo ao consumidor do serviço contratado, diretamente ou por estipulação em favor de terceiro, qualquer deliberação a respeito.

O consumidor simplesmente adere às condições impostas, inicialmente, pelo fornecedor, diga-se, transportador aéreo.

Falar em limitação de responsabilidade é falar, também, em reconhecimento da incidência das normas morais nas obrigações civis e/ou consumeritas, uma vez que limitar a responsabilidade, não raro a valores ou percentuais aviltantes, é ato afrontoso à moral que, em nosso entendimento, não pode ser de forma alguma admitido, principalmente em sede judicial.

A limitação de responsabilidade é imoral e prejudicial à economia e a decência do Direito, uma vez que permite que o ato ilícito permaneça sem punição, quebrando a regra de que aquele que causa dano à outrem deve reparar os prejuízos decorrentes com seu próprio patrimônio.

Por tal e tanto é que doutrinadores de grosso calibre, muito antes do advento do Código do Consumidor, manifestavam repúdio às ditas cláusulas, como exposto na seleção abaixo:

Hugo Simas[4]: “Por modo tal os transportadores têm abusado das cláusulas de não responsabilidade, que não há excesso na afirmativa de Pipia de que os fretadores e armadores não têm responsabilidade nenhuma e os capitães muito pouca, pelo o que os carregadores podem dar graças a Deus e à nímia bondade daqueles, se chegar ao destino alguma cousa do que é remetido.”

José Aguiar Dias[5]: “Sem embargo de sua utilidade, pois estimula os negócios, mediante afastamento da incerteza sobre o quantum da reparação, a cláusula limitativa muitas vezes resulta em burla para o credor. Dificilmente se dá o caso de ser o dano real equivalente à reparação prefixada, esta última, por um simulacro de perdas e danos.” (..) “Praticamente, é a cláusula exonerativa, à qual acaba por servir de argumento. As cláusulas limitativas são de uso frequente nos transoportes. Consistem, comumente, na fixação “a forfait”, de determinada soma, para constituir a indenização, em caso de perda, extravio, avaria ou atraso. (...) não temos dúvida em sustentar a sua nulidade, quando a soma arbitrariamente fixada resulte em verdadeira lesão para o credor, principalmente quando se trate de transporte, cujo contrato geralmente é de natureza a excluir a liberdade de discussão por parte do interessado no serviço.”

E Pontes de Miranda[6], que sobre o tema “responsabilidade do transportador”, especialmente “cláusula de irresponsabilidade”, disse: “No Decreto n.º 19.473, de 10 de dezembro de 1930, art. 1.º, 1.ª alínea, que regulou os conhecimentos de transporte de mercadorias por terra, água ou ar, e deu outras providências, estatui-se: “O conhecimento de frete — leia-se conhecimento de transporte – original, emitido por empresas de transporte por água, terra ou ar, comprova o recebimento da mercadoria e a obrigação de entregá-la no lugar de destino.”. Na 2.ª alínea, acrescenta-se: “Reputa-se não escrita qualquer cláusula restritiva, ou modificativa dessa prova ou obrigação”. Tem-se querido insinuar a diferença entre restrição ou modificação da responsabilidade do transportador, o que é sem sendo. Transportar é receber o objeto e entregá-lo tal como foi recebido. A responsabilidade pelos danos que o objeto sofreu é inclusa no dever contratual de entrega.

É preciso que não se admitam cláusulas de irresponsabilidade que retirariam ao contrato de transporte sua estrutura. Por outro lado, o que importa é saber-se se, na espécie, a regra jurídica invocada é “ius cognes” ou “ius dispositium” ou “ius interpretarivem”. Se a regra jurídica é cogente, não há pensar-se em qualquer permissão de cláusula de irresponsabilidade.

De se ver que um dos maiores tratadistas do Direito, Pontes de Miranda, lastreado na interpretação sistêmica do Direito e, especificamente, no Decreto n.º 19.473/30, já manifestava, antes mesmo do advento do Código de Defesa do Consumidor, seu inconformismo quanto as cláusulas de irresponsabilidade, defendendo, com contundência e erudição, posicionamento relativo a invalidade absoluta das mesmas.[7]

Fazendo eco à doutrina selecionada no trabalho acima reproduzido, os Tribunais brasileiros, quase que majoritariamente, também fizeram consignar o repúdio a validação e eficácia das ditas cláusulas.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgando o Recurso de Apelação n.º 274.840-Santos, decidiu (embora o caso verse sobre a limitação no transporte dos Transportes, muito aproveita citá-lo em favor do transporte aéreo por conta de sua ótima fundamentação):

“Limitar a responsabilidade da transportadora a 100 (libras esterlinas) é, sem dúvida, infringir o artigo 1.º do Decreto n.º 19.473, de 10.12.1930, que reputa não escrita qualquer cláusula restritiva ou modificativa da prova do recebimento da mercadoria e da obrigação de entregá-la no destino, prova que o conhecimento de frete original faz a obrigação que por ela as empresas de transporte assumem. O legislador, certamente, teve em mente que: “illud nulla pactione effici potest ne dolus praestatus” (Dig. Lib. II, Tit.XIV, § 3.º). Pode ocorrer que o extravio da mercadoria faça render quantia superior à que o transportador tiver de pagar a título de indenização. Para eliminar estímulo de extravios dolosos, a lei fulmina cláusulas de irresponsabilidade e de não indenizar.” (...) “É enganosa a doutrina que condiciona a validade das cláusulas de limitação de responsabilidade “a uma rebaja del frete, segun opciones que previamente los transportadores dan a los cargadores” (FRANCIS FARINA, Derecho Comercial Martitimo, T. II, Ed. 1948, Madrid, p. 290, cfn. fls. 81). Haveria frete com determinada percentagem para os transportes sem declaração de valor das mercadorias e frete com “the rate increased” para o transporte com a declaração daquele valor. Dir-se-á que a opção pode advir uma vantagem, se o transporte for levado a bom termo, pois os mesmos riscos terão sido corrigidos, com um frete mais barato. A limitação de responsabilidade, porém, continua dando oportunidades de extravio doloso por parte do capitão ou da transportadora, eventualmente em conluio com o embarcador ou exportador. E aquela álea não poderá ser uma compensação a justificar a validez da cláusula restritiva.”

Também elaborado antes do surgimento da lei do consumidor (e do novo Código Civil), o posicionamento do Tribunal de Justiça paulista foi construído com muita lucidez, dando ênfase, como não poderia deixar de ser, ao Decreto n.º 19.473/30 e aos mais importantes e elementares princípios e postulados gerais do Direito.

Não se limitando ao Direito, o colégio paulista enveredou-se por outros ramos do conhecimento humano, porquanto observou, com precisão, que a limitação de responsabilidade é, ainda que às avessas, fator de incentivo à criminalidade, diga-se, extravios dolosos de cargas (“Para eliminar estímulo de extravios dolosos, a lei fulmina cláusulas de irresponsabilidade e de não indenizar”.).

Ora, ao preocupar-se com o implemento da criminalidade e, ainda, com as divisas nacionais (ordem econômica), o Tribunal paulista emprestou ao tema, repita-se: antes do surgimento da legislação especial consumerista, ares publicistas, sinalizando com o interesse social que tem a questão da não validade das cláusulas limitativas de responsabilidade.

Ditas cláusulas, qualquer que seja sua feição, limitação, restrição, exonerativa, enfim, negativa de responsabilidade, mesmo que parcialmente, é nula de pleno direito, não havendo que se falar em “pacta sunt servanda”, primeiro porque o princípio da supremacia prefere ao da livre manifestação de vontade das partes, depois porque a presença das mesmas é imposta, mediante cláusulas impressas em contratos de adesão, principalmente agora que o sistema legal brasileiro, pelo Novo Código Civil, expressamente adotou o princípio do fim social para os contratos, além da boa-fé dos negócios jurídicos em geral.

Nesse sentido, interessante decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n.º 107.361-6, votação unânime, dispõe que:

“Dentro do mesmo raciocínio, ao reduzir-se o valor de uma indenização a parte insignificante do prejuízo efetivamente verificado, parece ser a negação do próprio princípio que assegura a obrigação do pagamento dessa indenização. O Supremo Tribunal, com base em texto legal que reputa não escrita “qualquer cláusula” restritiva ou modificativa da obrigação do transportador (art. 1.º, do Decreto n.º 19.473/30), proclamou, na Súmula n.º 161, a inoperância da cláusula de não indenizar, não vejo como conciliar, com esse enunciado, a degradação de ressarcimento de uma importância mais de uma centena de vezes menor do que o prejuízo efetivo, a ponto de não chegar a compensar a antecipação dos encargos financeiros necessários ao ajuizamento da demanda.”

Igual entendimento teve o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n.º 644-89.0009917-5-SP:

“Direito comeracial – Transporte aéreo – Cláusula limitativa de responsabilidade do transportador – O Decreto n.º 19.473, de 10.12.30, em seu art. 1.º, reputa não escrita qualquer cláusula restritiva ou modificativa da obrigação e tanto equivale a limitação a valor irrisório do montante da indenização, precedente do STF.”

Limitar a responsabilidade, repita-se pela última vez, é o mesmo que não indenizar e, por via de conseqüência, ofender postulados e primados importantes do Direito pátrio.

Nas exatas palavras de um antigo julgado, já reproduzido neste trabalho e ora bisado, publicado na JTACSP-RT 88/36: “Princípios elementares do Direito impedem, no caso, a limitação de responsabilidade”.

Começando por princípios fundamentais do Direito, uns de índole geral, outros de natureza constitucional, todos, contudo, informadores de qualquer interpretação legal e, mais importante, aplicação do Direito.

Tais cláusulas ofendem fundamentos como a eqüidade, a razoabilidade, a proporcionalidade e o bom-senso.

Nos dias correntes, impossível eventual apego a literalidade das cláusulas contratuais, desrespeitando-se princípios maiores e regras legais abertas, como as que tratam da boa-fé objetiva (art. 422, Código Civil).

Como anota com invulgar precisão Orlando Gomes: “o direito moderno não mais admite os contratos de “direito estrito”, cuja interpretação é literal. As partes contratantes devem atuar com lealdade e inspirar recíproca confiança, subordinando-se ao interesse da sociedade quanto à segurança das relações jurídicas e do aperfeiçoamento da relação negocial.”.[8]

Ainda mais em sentido tem a inteligência jurídica acima em se tratando de um contrato de adesão, em que as disposição são, como já se disse, impostas unilateralmente pelo transportador aéreo, de forma coativa, sem qualquer disposição de vontade por parte do contratante, refém do arbítrio e do abuso da outra parte.

Rechaçar qualquer cláusula contratual que dispõe sobre limitação de responsabilidade e dar preferência à idéia de função social das obrigações e aos princípios (regras legais) da função social, probidade e boa-fé objetiva das obrigações.

Nesse sentido, especificamente sobre a função social dos contratos em geral, interessante o posicionamento de Ramon Mateo Junior[9], ao comentar o conteúdo do artigo 421 do Código Civil:

“Diante dessas disposições legais, verificamos uma mudança na mens legem do Código novo em relação ao atual. A lei opera um avanço na concepção da finalidade da relação jurídica contratual. De fato, até hoje adotamos, nos contratos em geral, o denominado modelo liberal como sendo um inabalável paradigma, estabelecendo-se um dogma entre os operadores do direito em torno dos princípios da autonomia da vontade e força obrigatória, desde que livremente formalizados e com observância da ordem pública e aos bons costumes.                                           

(...)

Em outras palavras, não somos tão livres para contratar como pensamos. Ao contrário, estamos direcionados para assumirmos obrigações em busca de uma vida melhor, como exigência de respeito e sucesso no meio social. Tudo programado pelo ideal consumerista que desde cedo ensinamos aos nossos filhos.”.

A boa-fé objetiva é um princípio geral, aplicável ao Direito das Obrigações, especialmente em relação a sua principal fonte: os contratos, e que agora, diga-se, com o advento do Código Civil de 2002, veste o manto de regra legal em sentido estrito, ainda que aberta.

Também se dá à aplicação de metido hermenêutico-integrativo, com vistas a interpretação da declaração de vontade, ajustando a relação jurídica à função social (e econômica) determinável no caso concreto.

Em outras palavras, segundo o ótimo e elucidativo entendimento de Cibele Pinheiro Marçal Cruz e Tucci[10]: “(...) conferem-se efeitos jurídicos à justa e razoável expectativa de produção dos resultados práticos que normalmente adviriam do negócio (o fim típico), tomadas as circunstâncias especiais de cada caso concreto, ainda que o rigor formal da lei ou a interpretação literal do contrato estabeleça a produção de efeitos diversos. Cuida-se de prestigiar a confiança do contratante na lealdade sugerida pelos costumes e, por isso mesmo, tornada exigível da contraparte.”.

A teoria da boa-fé objetiva ajusta-se melhor à idéia de que o contrato, muito mais do que uma relação jurídica bipolarizada, constitui um processo através do qual as partes buscam a consecução de fins previamente estabelecidos, mediante a reunião de esforços e cooperação mútua. O fim comum do contrato é a satisfação dos interesses contrapostos das partes.

Considerando a importância do tema, que a reboque expressa a figura da probidade, convém fazer nova menção ao mesmo trabalho de Ramon Mateo Junior[11]: “A boa-fé objetiva é concebida como uma regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados, antes mesmo de serem partes nos contratos. O contraente é pessoa e como tal deve ser respeitado. (...) Esse comportamento pode ter como paradigma o amor ao próximo pregado pelo Cristianismo. Sem dúvida, não há melhor parâmetro para se verificar a retidão de um comportamento.”                                              

Quem, por qualquer motivo, defende a eficácia de tais cláusulas, age imantado de má-fé e contrariamente aquilo que se tem como mais arejado e avançado em termos de Direito.

Mesmo antes de todas estas figuras legais acima reportadas, suficientemente hábeis para o espancamento de qualquer discussão a respeito do assunto, os operadores do Direito, com base na jusfilosofia inclusive, já comungavam de tal posicionamento, como atesta a Sentença, abaixo parcialmente reproduzida, da lavra do Magistrado Amable Lopes Soto, nos autos do Processo nº 1.867/97, tramitado pela Douta Décima Vara Cível de Santos (o julgado trata também do transporte dos Transportes, mas pode e deve ser aplicado ao transporte aéreo por saudável analogia):

“Vejamos agora a assertiva da cláusula de máximo de indenização.

Como bem afirmou a autora, a tese de limitação é, in casu, “ilegal, antipatriótica e amoral”.

O Supremo Tribunal Federal já firmou que é nula a cláusula de não indenizar (Súmula nº 161) e, pelas mesmas razões, nula também é a cláusula que restringir a indenização.

Toda mercadoria tem um preço e sobre este, aliado a outros fatores, tais como peso e volume, extrai-se o preço do frete.

Ora, não é dado ao importador influir no contrato de transporte, via de regra não tem o direito sequer de escolher o transportador, sendo pois a limitação da responsabilidade uma violência aos interesses do importador que causa tão-somente a incerteza de receber a mercadoria transportada e pré-paga.

À luz do Código do Consumidor, há flagrante abuso econômico, viciando a livre manifestação de vontade.

Sendo assim, devemos ter a cláusula como não escrita, por consequência, responde o transportador pelo dano causado, na sua integralidade.”

Especificamente sobre o transporte aéreo, mas sendo perfeitamente aplicável aos demais modais de transporte, especialmente o aéreo, até em razão da profunda intimidade entre todos, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já se manifestou expressamente, pondo derradeira pá de cal no tema limitação de responsabilidade:

RECURSO ESPECIAL Nº 224.554 - SP (1999/0067188-0)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Agravante: TAP AIR PORTUGAL

Agravada: BRADESCO SEGUROS S/A

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSOESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE MERCADORIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. PRESCRIÇÃO. PRAZO.

Aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor à reparação
por danos provenientes de extravio de mercadorias, ocorrido em transporte
aéreo internacional, e não a responsabilidade tarifada da Convenção de Varsóvia.

A prescrição da pretensão indenizatória por danos decorrentes do extravio de mercadoria, objeto de transporte aéreo, ocorre em 20 anos, de acordo com o Código Civil, e não em 30 dias, como na reclamação por vício de serviço amparado pelo CDC.

Agravo a que se nega provimento

(publicado DJU em 25.02.02)

RESPONSABILIDADE CIVIL - EXTRAVIO DE MERCADORIA - TRANSPORTE AÉREO -
APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS INSCULPIDOS PELO CDC - REPARAÇÃO INTEGRAL DOS DANOS CAUSADOS.

I - Os limites indenizatórios constantes da Convenção de Varsóvia não se aplicam à relações jurídicas de consumo, uma vez que, nas hipóteses como a dos autos, deverá haver, necessariamente, a reparação integral dos prejuízos sofridos.

II - Recurso Especial conhecido e provido.

Voto do Relator:

"Isso porque, este tipo de avença encontra-se sob o império da mencionada lei, eis que a empresa transportadora enquadra-se na definição de fornecedor do artigo 3º, bem como o serviço por ela prestado ajusta-se à noção de serviço constante do § 2º."

(STJ - Relator: Min. Waldemar Zveiter; Acórdão Unânime da 3ª Turma; julg.19.02.2001; Recurso Especial n.º 218.383-SP (1999/0050313-9)

Fecho aspas

Pois bem:

Os adversários do presente e sólido entendimento, fazem verdadeira ginástica jurídica para emprestar a cláusula limitativa de responsabilidade a moralidade que ela não tem, até por ser cláusula abusiva e que gera o desequilíbrio nas relações contratuais.

Contrariando o posicionamento sólido cós Tribunais brasileiros, incluindo os superiores, lançam luzes numa única decisão do STJ a favor da clausula, ignorando, maliciosamente, as particularidades do caso concreto que a ensejou e a sua não aplicação aos casos simples de descumprimentos obrigacionais.

Teses acerca de aplicação, por meio de sofisticada, mas vazia, interpretação sistêmica, de uma ou outra Convenção internacional, também são constantemente lançadas, tudo com o objetivo deliberado de se conquistar, num dado caso concreto, uma vantagem supostamente legal, mas que em essência é antijurídica, ilegal e imoral.

Nenhuma Convenção Internacional de qualquer natureza pode limitar a responsabilidade do transportador aéreo porque as Convenções que a autorizam e a faz presente no contrato de transporte aéreo são contrárias ao Direito brasileiro como um todo, devendo, portanto, serem afastadas ou aplicadas com ressalvas, ignorando-se o tema limitação de responsabilidade.

Se a parte que litiga contra o transportador aéreo for seguradora da carga, legalmente sub-rogada após o pagamento da indenização ao segurado, o consumidor original, o credor primitivo, da obrigação de transporte, ainda mais sem sentido se torna a alegação da limitação contratual.

Isso porque a seguradora não foi parte, nem mesmo por estipulação, do contrato de transporte (com termos impostos pelo transportador aéreo, unilateralmente) e a discussão do pagamento do suposto frete “ad valorem”, cai por terra, vê-se ferido de morte.

Não pode o direito ser acutilado de forma tão traumática por uma disposição contratual, especialmente uma da qual a seguradora não foi parte efetiva.

Se a discussão em torno do chamado frete “ad valorem” já não tem sentido relativamente ao consignatário da carga – na medida em que a suposta liberdade de escolha é uma forma de coação às avessas, com oneração excessiva e inviável do custo de transporte -, ainda mais sem sentido e até mesmo imoral, além de ilegal, a imposição ao segurador sub-rogado.

Prevalecendo tal entendimento, a sub-rogação seria atingida visceralmente e, com ela, o Enunciado de Súmula 188 do STF que diz: O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato de seguro.

Ora, em termos práticos, o segurador não conseguiria o ressarcimento do valor integral que pagou ao segurado e isso geraria a afronta do seu direito e da Súmula em destaque.

O reflexo seria imediato no campo do direito securitário e, por sua vez, na economia como um todo, com desdobramentos sérios e complexos.

A limitação de responsabilidade, é preciso que se diga, facilitaria e facilitará, se reconhecida pelo Poder Judiciário, a vida dos transportares eivados de má-fé. Cargas de elevados valores agregados seriam extraviadas e aos transportadores bastaria pagar as indenizações tarifadas, de tal maneira que, para eles, a máxima de que o crime não compensa não seria verdadeira. O crime seria e será algo compensador, ao menos aos transportadores inidôneos e que não zelam por seu bom nome empresarial.

E não é sem sentido a preocupação com a criminalidade, especialmente num meio volátil como o maritimista em que poucos são os armadores verdadeiramente sérios e absolutamente idôneos.

Tal preocupação e outras menos graves diz respeito a racionalização dos contratos de adesão e da preocupação de se coibir as cláusulas abusivas.

Nunca é demais enfatizar que a rigor, a cláusula que limita a responsabilidade, em tudo equiparada à cláusula de não indenizar, é uma cláusula abusiva por excelência.

A verdade é que a cláusula limitativa de responsabilidade, à luz do caso concreto, deve ser interpretada sempre “contra proferente”, ou seja, contra quem a proferiu, uma vez que redigida exclusivamente pelo transportador, pelo fornecedor do serviço.

Exatamente o que afirma Wanderley Fernandes: “Nos contratos de adesão, essa regra de interpretação tem sido plenamente admitida pela doutrina e pela jurisprudência. No Brasil, a regra da interpretatio contra proferentem alçou condição de regra legal de interpretação, nos termos do artigo 423 do Código Civil” (Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade, Saraiva, São Paulo: 2013).

Ora, ainda que se queira aceitar a validade e a eficácia da cláusula limitativa de responsabilidade, não se poderia deixar de ter em alça de mira tal e inafastável critério de interpretação.

Em sendo assim, aos olhos do Direito brasileiro, somente uma hipótese poderia contemplar, eventualmente, em caráter extraordinário, muito especial, a aplicação (e mesmo assim calibrada) da limitação: um grande sinistro com a perda total do navio e de todas as cargas, desde que não houvesse prova de conduta manifestamente culposa do navio e, ainda, o perdimento das cargas fosse de tal envergadura econômica, de tal impacto, que a sobrevivência da empresa restasse comprometida (tudo segundo os ditames da teoria da preservação da empresa e conforme singularidades do sinistro).

Vê-se, portanto, o caráter essencialmente excepcional de aplicação da limitação.

Nos sinistros cotidianos, caracterizados por faltas e avarias, com ou sem a presença, num caso concreto, de avaria grossa, o fato é que não se aplica a cláusula limitativa de responsabilidade, tendo-se em conta o mosaico vasto de vícios legais que ela contém.

A limitação é um benefício que, a despeito de sua abusividade, impertinência e antijuridicidade, só pode ser aplicado e restritivamente em casos extremamente pontuais e extraordinários, tendo-se por objetivo a defesa de bens maiores e, ainda assim, sem prejuízos acentuados às vítimas diretas do caso, os donos de cargas ou seu seguradores.

Tudo dentro de uma dinâmica de equilíbrio e busca da justiça, observando-se o arquétipo da função social da obrigação contratual.

Nada disso, porém, se harmoniza com o sinistro simples, grave ou não, contornado ou não por avaria grossa, muito menos a idéia de culpa em sentido estrito. A inexecução da obrigação de resultado assumida deve, a rigor, propiciar a reparação civil mais ampla possível, compensando-se a parte credora e punindo-se, a devedora.

Há componente de justiça em tal concepção do Direito e quando se defende a Justiça, defende-se a moral, experiência que a defesa da limitação de responsabilidade insiste em deixar de lado.

O transportador que não cumpre fielmente sua obrigação contratual, não pode ser contemplado com a limitação do seu dever jurídico de indenizar, especialmente por conta de disposição contratual abusiva.

Aliás, impressionante a insistência dos transportadores, em lides forenses, no sentido de buscarem, mesmo após reiteradas derrotas nos casos concretos, arrastarem os processos com recursos especiais, buscando eventuais divergências jurisprudenciais.

Tais recursos morrem nos juízos de delibações, pois o STJ não pode rediscutir provas e a limitação de responsabilidade, ao menos no transporte aéreo, é contratual, não convencional. Logo, impedido o STJ de analisar o contrato novamente e, portanto, a tese da limitação.

Mesmo assim, sem constrangimento algum, as alegações são feitas e os processos atrasam sobremodo, mais pela má-fé dos transportadores do que por culpa de qualquer outro fator.

Daí a importância dos juros moratórios de 1% ao mês de litígio, um mecanismo de calibragem capaz de conferir justiça pela demorada na solução de uma lide. A verdade é que o transportador assume uma obrigação de resultado e tem o dever de cumpri-la fielmente.

Não pode mitigar, quando da inexecução, os seus deveres, por conta de limitações tarifadas, especialmente quando estas são inseridas num contexto de flagrante abusividade.

Defender o contrário é, a um só tempo, desprestigiar a tradição jurídica brasileira, afrontar a lei e virar às costas à moral.

Abaixo, reproduzimos extratos de algumas decisões colegiadas contrárias à limitação de responsabilidade prevista na Convenção de Varsóvia e na de Montreal, ajudando a melhor Inteligência do que ora se sustenta:

CONTRATO DE TRANSPORTE. Ação regressiva ajuizada por seguradora contra transportadora. Sinistro (desaparecimento de mercadorias produtos químicos) ocorrido após o embarque em Miami EUA. Desembarque no Rio de Janeiro onde foi constatada a ausência da carga. Ação julgada procedente.DANOS. Responsabilidade objetiva. A transportadora apelante não se desincumbiu do ônus da prova quanto à existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, nos termos do inc. II, do art. 333 do CPC CONVENÇÃO DE VARSÓRVIA. Aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor à reparação por danos provenientes de extravio de mercadorias, ocorrido em transporte aéreo internacional. Precedentes do STJ.Recurso improvido.

(TJ-SP - APL: 9140185912007826 SP 9140185-91.2007.8.26.0000, Relator: Jurandir de Sousa Oliveira, Data de Julgamento: 11/01/2012, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2012)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO.CARGA EXTRAVIADA. ACÓRDÃO RECORRIDO: CULPA GRAVE DA TRANSPORTADORA.INDENIZAÇÃO PLENA. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE. REEXAME DE PROVAS. 1. O Tribunal de origem afastou a indenização tarifada e aplicou aindenização plena sob o entendimento de que ficou comprovada a culpagrave da transportadora, equiparando-a ao dolo. Conclusão em sentidodiverso demandaria o reexame do suporte fático-probatório.Incidência da Súmula nº 7/STJ. 2. Agravo regimental não provido.

(STJ   , Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 21/03/2013, T3 - TERCEIRA TURMA)

Os presentes autos versam sobre Recurso de Apelação Cível interposto por Vasp - Viação Aérea São Paulo S/A, da Sentença de fls. 145/155, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2.ª Vara Cível de Vitória, que julgou procedente a Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada pelo 2.º Apelado, em razão do extravio de sua bagagem. Em suas razões recursais de fls. 163/171, a Apelante sustenta, em síntese, o seguinte: I) não pode prevalecer a condenação fixada na Sentença recorrida, pois há de se aplicar o art. 262 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que prevê a indenização de três OTN's por quilo da bagagem extraviada, a não ser em caso de declaração especial de conteúdo; II) não há prova nos autos de qualquer abalo de ordem moral; III) deve ser julgada procedente a denunciação da lide, pois a Apelante mantém com a 1.ª Apelada contrato de seguro. Em sua contra-minuta de fls. 178/182, a 1.ª Apelada pugna pela manutenção da Sentença recorrida, alegando que não há prova nos autos de que a apólice de seguros apresentada pela Apelante cobriria o pagamento de indenização por danos materiais e morais em razão de extravio de bagagem. Em sua contra-minuta de fls. 184/195, o 2.º Apelado sustenta a tese de que se aplica o Código de Defesa do Consumidor à hipótese dos autos, devendo a Apelante indenizar por falha de serviço, conforme previsto no art. 14 do CDC. É o Relatório. Passo a decidir. O 2.º Apelado ingressou com a presente Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais, alegando que ele e sua família fizeram uma viagem ao Rio de Janeiro, servindo-se do serviço de transporte aéreo prestado pela Apelante. Ao retornar a Vitória, o Apelante percebeu que faltava uma bagagem, que foi dada como extraviada. Alega que na bagagem havia roupas, sapatos, objetos de uso pessoal e uma colcha especial de família. Pleiteou, em razão disso, indenização por danos materiais e por danos morais, sendo estes em decorrência da perda de seus objetos pessoais, especialmente a tal colcha de família. Em sua contestação, a Apelante denunciou a lide à 1.ª Apelada e, no mérito, pugnou pela aplicação da indenização tarifada prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica, alegando, ainda, a inocorrência de danos morais. O pleito autoral foi julgado procedente com a condenação da Apelante ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). A denunciação da lide foi julgada improcedente em razão da falta de prova quanto ao objeto da cobertura do seguro, em razão da ausência das condições gerais da apólice. Em suas razões recursais, a Apelante sustenta, em síntese, o seguinte: I) não pode prevalecer a condenação fixada na Sentença recorrida, pois há de se aplicar o art. 262 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que prevê a indenização de três OTN's por quilo da bagagem extraviada, a não ser em caso de declaração especial de conteúdo; II) não há prova nos autos de qualquer abalo de ordem moral; III) deve ser julgada procedente a denunciação da lide, pois a Apelante mantém com a 1.ª Apelada contrato de seguro. Em primeiro lugar, devo ressaltar que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias já assentaram o entendimento de que, em caso de extravio de bagagem, a indenização deve ser integral, conforme dispõe o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, e não tarifada, prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsórvia. Essa é a orientação pacífica do STJ, senão vejamos: TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL EXTRAVIO DE CARGA INDENIZAÇAO INTEGRAL CDC. I - A responsabilidade civil do transportador aéreo pelo extravio de bagagem ou de carga rege-se pelo Código de Defesa do Consumidor, se o evento se deu em sua vigência, afastando-se a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia. II - Não cabem embargos dde divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado (Súmula 168/STJ). Não conheço dos embargos. (EREsp 269353/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇAO, julgado em 24.04.2002, DJ 17.06.2002 p. 184)    AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. VÔO INTERNACIONAL. ATRASO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. APLICAÇAO DO CDC. PROBLEMA TÉCNICO. FATO PREVISÍVEL. DANO MORAL. CABIMENTO. ARGUMENTAÇAO INOVADORA. VEDADO. - Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, as hipóteses de indenização por atraso de vôo não se restringem àquelas descritas na Convenção de Varsóvia, o que afasta a limitação tarifada. - A ocorrência de problema técnico é fato previsível, não caracterizando hipótese de caso fortuito ou de força maior. - Em vôo internacional, se não foram tomadas todas as medidas necessárias para que não se produzisse o dano, justifica-se a obrigação de indenizar. - Cabe indenização a título de dano moral pelo atraso de vôo e extravio de bagagem. O dano decorre da demora, desconforto, aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro, não se exigindo prova de tais fatores. - Vedado no regimental desenvolver argumento inovador não ventilado no especial. (AgRg no Ag 442.487/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 25.09.2006, DJ 09.10.2006 p. 284)    CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. CARGA. MERCADORIA. EXTRAVIO. T RANSPORTADOR.INDENIZAÇAO INTEGRAL. CDC. APLICAÇAO. CONVENÇAO DE VARSÓVIA. AFASTAMENTO. 1 - A jurisprudência pacífica da Segunda Seção é no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde (indenização integral) pelo extravio de bagagens e cargas, ainda que ausente acidente aéreo, mediante aplicação do Código de Defesa do Consumidor, desde que o evento tenha ocorrido na sua vigência, conforme sucede na espécie. Fica, portanto, afastada a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a indenização tarifada. 2 - Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença.   (REsp 552.553/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 12.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 561)    RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAVIO DE MERCADORIA. INDENIZAÇAO TARIFADA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE. CONVENÇAO DE VARSÓVIA. INAPLICABILIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VIGÊNCIA. I - Inadmissível na via do especial a apreciação de insurgência com fundamento constitucional, ainda que com intuito de prequestionamento. II - Consoante reiterados julgados das turmas que integram a Segunda Seção, a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia não é de observância obrigatória para fatos ocorridos após a edição do Código de Defesa do Consumidor, podendo ser considerada como mero parâmetro. Agravo interno improvido.   (AgRg no REsp 222.657/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03.05.2005, DJ 23.05.2005 p. 265) Assim, andou bem o Juízo a quo ao fixar a indenização por danos materiais com base no conteúdo da bagagem extraviada, declarado por ocasião da sua constatação perante o posto de atendimento da Apelante, conforme se vê do documento de fl. 15, o qual não foi impugnado pela Apelante, tornando-se incontroverso. Ressalto que o valor fixado na Sentença recorrida também não foi objeto de impugnação, razão por que o mantenho. Quanto à ocorrência dos danos morais, entendo que assiste razão à Apelante. No caso dos autos, a bagagem do Apelante extraviou-se quando este e sua família regressavam de viagem. É óbvio, portanto, que a perda da bagagem, que continha roupas, sapatos e acessórios de uso pessoal não produziu mais que simples desconforto e aborrecimento. É muito diferente de se perder uma mala de roupas quando se chega ao destino da viagem, situação em que o passageiro, estando longe de sua residência, tem de comprar novas roupas com certa urgência, sobretudo quando a companhia aérea não se dispõe a pagá-las. Nesse sentido, em leading case , assim decidiu o STJ:    Transporte aéreo. Código Brasileiro da Aeronáutica. Código de Defesa do Consumidor. Extravio de bagagem. Aplicam-se as normas que regulam as relações de consumo e não aquelas, limitadoras da responsabilidade, próprias do transporte aéreo, quando a espécie não envolva o chamado risco do ar. Não se justifica, entretanto, reparação por dano moral apenas porque a passageira, que viajara para a cidade em que reside, teve o incômodo de adquirir roupas e objetos perdidos . Hipótese que não se equipara à julgada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 172.720.   in JBCC vol. 185 p. 346; RJADCOAS vol. 20 p. 104) (grifei) Ressalto trecho do voto do Min. Eduardo Ribeiro, perfeitamente aplicável à presente hipótese, senão vejamos:    No caso em exame, a autora retornava à cidade em que reside e nessa viagem deu-se a perda da bagagem. A hipótese não se equipara a outras, como a apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 172.720), em que se tratava de viagem para o exterior, acarretando o fato uma série de aborrecimento para o passageiro. [...] No caso, reparado o dano material, restou apenas o incômodo para a autora de diligenciar a reposição do que fora perdido, fazendo as compras necessárias. Se estendermos a tais hipóteses o direito a reparação, as demandas a esse título alcançarão número astronômico. Assim, por exemplo, quem tivesse um carro danificado, haveria de ser indenizado também pelo incômodo de providenciar o conserto. Queixa-se a autora da resistência da ré em efetuar o pagamento. É outro tema que faria multiplicar de modo fantástico os pedidos de indenização. Não cumprida pontualmente a obrigação, algum aborrecimento resultaria para o credor e haveria dano moral a ressarcir.   Ainda nesse sentido:    Responsabilidade civil. Extravio de bagagem . Danos materiais e morais. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Retorno ao local de residência . Precedente da Terceira Turma. 1. Já está assentado na Seção de Direito Privado que o Código de Defesa do Consumidor incide em caso de indenização decorrente de extravio de bagagem. 2. O fato de as notas fiscais das compras perdidas em razão do extravio estarem em língua estrangeira, não desqualifica a indenização, considerando a existência de documento nacional de reclamação com a indicação dos artigos perdidos ou danificados que menciona os valores respectivos, cabendo à empresa provar em sentido contrário, não combatida a inversão do ônus da prova acolhida na sentença. 3. Precedente da Terceira Turma decidiu que não se justifica a    reparação por dano moral apenas porque a passageira, que viajara para a cidade em que reside, teve o incômodo de adquirir roupas e objetos perdidos   (REsp nº 158.535/PB, Relator para o acórdão o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 09/10/2000). 4. Recurso especial conhecido e provido, em parte.   (REsp 488.087/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18.09.2003, DJ 17.11.2003 p. 322)    PROCESSO CIVIL. CIVIL RECURSO ESPECIAL. AÇAO DE INDENIZAÇAO. DANOS MATERIAIS. INDENIZAÇAO. DANOS MORAIS . INOCORRÊNCIA . TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM . 1. No pleito em questão, a autora obteve indenização pelos danos materiais, postulando na ação somente ressarcimento por danos morais, decorrentes do extravio de sua bagagem ao retornar de viagem Lisboa-Recife . 2. As instâncias ordinárias, com base nas circunstâncias fáticas trazidas aos autos, consideraram que os danos cingiram-se, apenas, à esfera patrimonial, não comprovando a autora os alegados danos morais: "o abalo da autora efetivamente deveu-se a não ter obtido o visto de ingresso na Inglaterra, todavia tal não contratou a ré, não logrou demonstrar que os prejuízos advindos com sua bagagem, na volta para casa, tivessem sido de monta a provocar sofrimento ou abalo indenizável" (fls. 154). 3. Concluir-se de forma diversa, demandaria o revolvimento dos elementos fático-probatórios analisados nas instâncias a quo, procedimento vedado nesta Corte, à luz do enunciado sumular nº 07/STJ. 4. Recurso improvido.   (REsp 708.833/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 15.12.2005, DJ 06.03.2006 p. 405) No segundo Acórdão supra transcrito, tem-se a seguinte manifestação do Min. Relator Jorge Scartezzini, cuja menção também se revela oportuna: Os sentimentos de abatimento e tristeza da recorrente não estariam, então, associados ao fato do extravio da bagagem (já estava em sua casa, sem nenhum contratempo profissional ou pessoal) mas, sim, por ver seus planos frustrados ao não obter visto de ingresso na Inglaterra, objetivo de sua viagem. Tal fato mostra-se, evidentemente, alheio a qualquer responsabilidade da empresa aérea. (grifei) Registro que a tal colcha especial de família mencionada na inicial, que estaria na bagagem extraviada, não foi sequer relacionada no documento de fl. 15 , no espaço reservado para o conteúdo da bagagem. A meu ver, configura um paradoxo insustentável o Apelante alegar que o referido objeto possui, nas suas palavras, imensa preciosidade , razão pela qual sua perda teria causado    grande frustração em toda a família , mas sequer foi mencionado na declaração de extravio da bagagem. Reputo, portanto, não comprovada a perda da colcha de família. Por fim, quanto à denunciação da lide à Seguradora 1.º Apelada, entendo que não há direito de regresso a ser resguardado, pois a apólice de fl. 45 não menciona o objeto do contrato de seguro, além de não vir acompanhada das respectivas condições gerais de contratação. Assim, não havendo prova quanto ao objeto do contrato de seguro (art. 333, I, CPC), deve ser julgada improcedente o pleito de ressarcimento formulado na denunciação da lide, razão pela qual é manifestamente improcedente o Recurso nesse particular. Assim, desnecessário maior dispêndio de fundamentação para se concluir que: I) o Recurso interposto colide-se com jurisprudência remansosa do STJ quanto à obrigatoriedade de pagamento de indenização integral com base no Código de Defesa do Consumidor; II) o Recurso é manifestamente improcedente no que pertine à denunciação da lide; III) a Sentença recorrida confronta-se com a jurisprudência do STJ relativamente à indenização por danos morais. Em razão disso, incide a regra do art. 557, 1.º-A , do Código de Processo Civil, que autoriza o relator do recurso a decidir mente, senão vejamos:    Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente , prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior . 1º-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso .   (grifei). Ante o exposto, nos termos do art. 557, caput , do CPC, NEGO SEGUIMENTO (rectius    provimento   ) ao Recurso quanto aos pedidos de reforma para reduzir a indenização aos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica e para julgar procedente a denunciação da lide. No entanto, a teor do art. 557, 1.º-A, do CPC, DOU PROVIMENTO ao Recurso interposto, para reformar a Sentença recorrida, julgando improcedente o pedido de indenização por danos morais. Em razão disso, considero a ocorrência de sucumbência recíproca, devendo as despesas processuais e honorários advocatícios serem proporcional e reciprocamente compensados, nos termos do art. 21, caput, do CPC. Cumpra-se . Intimem-se . Publique-se integralmente esta Decisão . Vitória (ES), 14 de março de 2007. Des.ª Catharina Maria Novaes Barcellos Relatora

(TJ-ES, Relator: CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, Data de Julgamento: 19/03/2007, QUARTA CÂMARA CÍVEL)

Diante disso tudo, negamos validade e eficácia, até mesmo vigência, a qualquer tipo de cláusula limitativa de responsabilidade.

Para nós, a cláusula limitativa de responsabilidade, mesmo legalmente prevista, mesmo decorrente de convenção ou, ainda, contratual, é nula, porque agride a inteligência sistêmica do Direito, ao tempo em que afronta princípios fundamentais.

Nada pode acutilar a idéia de reparação civil mais ampla possível.

Mas, considerando a dialética do Direito, observamos que aqueles que insistem em dar às ditas cláusulas validade e eficácia, não pode deslembrar que elas somente são cabíveis nos casos envolvendo riscos do vôo.

Com efeito, tanto o CBAr como a Convenção de Varsóvia, substituída pela de Montreal, delimitam a abrangência da incidência da limitação de responsabilidade, de tal forma que elas somente incidem nos danos e prejuízos derivados de sinistros aéreos, vinculados ao contexto de riscos dos vôos.

Para os casos de transportes de cargas, avarias e extravios, todos chancelados pela culpa em sentido estrito e, às vezes, culpa grave, a limitação de responsabilidade não se justifica e não pode ser aplicada.

Nem o CBAr, nem as ditas convenções internacionais dispõem noutro sentido, sendo absolutamente erradas as interpretações em sentido oposto.

Trata-se, pois, de grave erro jurídico estampar a limitação de responsabilidade num caso de avaria simples de carga, caracterizado pela desídia operacional.

Nesse sentido, outro precioso julgado, antigo, do antigo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul: “Não se tratando de dano resultante de acidente aeronáutico, incabível a limitação prevista no Código Brasileiro do Ar ou na Convenção de Varsóvia. Permanece total a responsabilidade da transportadora pelo pagamento do valor das mercadorias extraviadas, eis que resultante o dano de ato ilícito. (TARS – Ap. 26.265 – Porto Alegre – j. 15.12.81 – rel. Elias Elmyr Manssour).

Assim, se admitida a limitação de responsabilidade, somente terá cabimento em casos especiais e excepcionais, casos de acidentes aeronáuticos, envolvendo os riscos dos vôos, pois a limitação passa a ter algum sentido quando cotejada com a teoria da preservação da empresa, assumindo um colorido minimamente moral.

Vê-se, pois, que este contexto é desassociado completamente do transporte aéreo de carga, de falta ou de avaria.

Além de tudo o que foi exposto, especialmente em termos de jurisprudência, muitos e ótimos trabalhos acadêmicos também comungam no mesmo sentido que ora sustentamos com convicção.

Destacamos, pois, o trabalho do Professor André Tunc, da renomada Universidade de Paris, na sua obra La Responsabilité Civile, Paris, 1981, p. 108/9, expressamente citado no V. acórdão da apelação 358.886-4, 7ª Câmara, j. 10.02.1987, relator Luiz de Azevedo, do antigo 1º TACivSP (RT 623/101) que ressaltou os deveres do juiz, instando-o à proteção da sociedade como um todo ao tratar de temas ligados às responsabilidade penal e civil, sendo que nesta última, deve ele se preocupar, principalmente, com a indenização que a vítima tem direito.

Logo, salvo casos especiais, de grandes e catastróficos sinistros, diretamente ligados aos riscos do vôo e sem a figura da culpa grave por parte do transportador (pois nestes casos, a incidência da limitação encontra algum eco na ordem moral), a limitação de responsabilidade, convencional e/ou contratual, não pode ser aplicada, sob pena de se prejudicar irremediavelmente o direito de indenização da vítima.

Ora, considerando tudo o que dispõe a Constituição Federal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, reconhecidamente aplicável nos contratos de transportes aéreos de cargas, conforme ampla jurisprudência do STJ, temos que a limitação é figura anacrônica e sem sentido, verdadeiramente antagônica ao Direito como um todo.

Reverberamos, pois, as fortes e contundentes palavras de Pizzaro: “limitar a reparação é imputar à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados. No mundo atual, a tendência é justamente de socializar os danos, alocar os custos, dividindo-os entre todos na sociedade e não somente sobre os ombros da vítima. A tendência é do ressarcimento amplo, incluindo mesmo os danos extrapatrimoniais, é do ressarcimento efetivo, quando não ressarcimento integral”. (Cláudia Lima Marques, in “A Responsabilidade do Transportador Aéreo pelo Fato do Serviço e o Código de Defesa do Consumidor – Antinomia entre norma do CDC e leis especiais”, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, set/dez de 1992, Ed. RT, Revista do Direito do Consumidor nº 3, p. 156).

Não podemos deslembrar que o direito à indenização encontra-se previsto no inciso V, do artigo 5º da CF que garante a indenização ampla e integral por danos materiais, morais e à imagem. Inciso, aliás, a ser aplicado em conjunto com o inciso X do mesmo artigo, presente no rol exemplificativo dos direitos e garantias fundamentais. Rol este, segundo estudiosos, que é o mais importante de todo o Direito brasileiro.

Por isso, nenhuma regra, mesmo convenção internacional, pode desprestigiar o conceito legal de reparação ampla e integral, pois não se trata de apenas de um direito de índole civil, mas garantia constitucional, portanto, algo com inegável primazia.

Até mesmo porque a Convenção internacional, mesmo que assinada e ratificada, não pode ser ombreada à CF, em que pesem vozes contrárias, algumas de grande peso, favoráveis à inteligência ampla do Direito das Gentes, mesmo em detrimento do sistema legal pátrio.

O Ministro Francisco Resek, em sua prestigiosa obra Direito dos Tratados (Forense, São Paulo: 1984) foi muito claro ao dispor que somente existe prevalência do tratado quando o conflito diz respeito à lei editada pelo Congresso Nacional (logo, jamais quanto à Constituição). E, ousando interpretar e amplificar as palavras do Ministro, prevalência em relação as leis desde que suas disposições não acutilem direitos fundamentais, nem se oponham à interpretação sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro.

Na mesma linha, o STF afirmou ser “inadimissível a prevalência de Tratados e Convenções Internacionais contra texto expresso na Lei Magna” (RE 0109173/87). Muito importante atentar que a referida afirmação é anterior à atual Constituição, o que só faz reforçar a idéia de solidez do entendimento a respeito do assunto.

Indenização ampla e integral é um direito público subjetivo da vítima (ou de quem lhe fizer legalmente às vezes) com fundamento constitucional, expressamente previsto na Carta Magna e, portanto, não pode ser diminuído, desprezado, limitado, por qualquer outro meio, incluindo Convenção.

E vale a pena insistir que a regra constitucional se espraiou por todo o sistema legal, de tal modo que é possível afirmar que a indenização ampla e integral é um valor do direito brasileiro, um princípio-norma, extremamente poderoso porque de viés constitucional direto.

Por isso, é certo dizer, valendo-nos da melhor hermenêutica jurídica, que a regra, em verdade, regra-conceito, que trata da reparação civil (indenização) ampla e integral, é de natureza eminentemente constitucional e, portanto, goza de prevalência na ordem jurídica, até porque sua gênese é alinhada ao rol de direitos e garantias fundamentais.

Assim, além da norma convencional ser normalmente interpretada de forma errada (pois, como vimos, a limitação não é aplicável aos casos de inadimplementos contratuais simples, mas apenas aos sinistros derivados de riscos de vôos), a Convenção de Varsóvia e a Convenção de Montreal não são aplicáveis relativamente à limitação de responsabilidade porque contrárias, neste item em especial, à Constituição e ao que dele emerge diretamente.

Temos por certo, portanto, que “a Constituição Federal de 1988 não prestou maiores homenagens ao Direito Internacional Público a não ser àquelas que ele realmente merece, isto porque as regras do cenário internacional não estão totalmente fixadas e dependem ainda muito do poder econômico e da importância política de cada país, assim, não é pelo simples fato de ter sido uma norma inserida em um ato internacional que assegura que a ela o fato de ser uma norma justa ou que sua aplicação seja sempre conveniente ao Brasil”, como afirmou o mesmo e brilhante Francisco Resek em obra coordenada pelo maior constitucionalista do Brasil, Ives Gandra da Silva Martins (Interpretações da Constituição Federal de 1988, FUB, Brasília, 1988, p. 7).

Assim, seja por conta da correta interpretação do Direito Brasileiro, observando-se a hierarquia entre as normas, seja por conta da falta de justiça que a limitação de responsabilidade encerra, não há mesmo que se falar na sua aplicação à luz do sistema legal brasileiro, sendo, portanto, de se interpretar e de se aplicar com o peso da relatividade a Convenção de Varsóvia e/ou a de Montreal.

Mesmo em se tratando de aplicação da limitação apenas para os casos de sinistros derivados dos riscos de vôo é preciso muita atenção quanto aos fatos particulares de um caso concreto, pois a Convenção de Varsóvia (bisada pela de Montreal) foi redigida nos primeiros tempos da aviação comercial, quando as tecnologias de vôo e de construção de aeronaves eram muito inferiores, embrionárias e, portanto, maiores os riscos.

Havia no passado um sentido maior na limitação de responsabilidade, repita-se, mesmo nos casos de riscos de vôo, do que há hoje, pois as aeronaves são construídas segundo os rigorosos padrões de engenharia entabulados como “riscos zero”.

De certo modo, no passado, a limitação era uma forma de contrabalancear a força da presunção de responsabilidade, tudo dentro de processos de busca de equilíbrio entre as partes de um dado negócio de transporte aéreo de carga.

Os riscos do transporte aéreo, ao menos como antes, como no início do século passado, já não existem mais, ao passo que as cargas confiadas para transportes aéreos possuem valores agregados muito maiores do que os dos bens do passado, razão pela qual (ou melhor, também pela qual) não se justifica mais e escancarada e escandalosa limitação, figura convencional que afronta os mais comezinhos princípios do Direito.

Como ensina Oscar Tenório, “a vida das normas jurídicas não é eterna; elaboradas para as relações dos homens em sociedade, têm o seu destino condicionado ao substratum social que eles disciplinam e ordenam” (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Borsói, 1955, p. 64), de tal modo que as mudanças sociais devem refletir na aplicação do Direito, no melhor estilo da teoria tridimensional do professor Miguel Reale. Assim, mesmo que se queira aplicar as convenções de Montreal e de Varsóvia, é imperioso se observar tudo o que gira em torno da aviação comercial contemporânea, à obrigação de transporte de carga, aos princípios fundamentais ligados à reparação civil ampla e integral e, assim, esgrimindo-se tudo isso, não se reconhecer a aplicação e a validade das normas e cláusulas limitativas de responsabilidade, equiparando-as em tudo as de não indenizar.

Aguiar Dias, grande civilista, sempre viu com maus olhos a limitação de responsabilidade, dispondo: “o problema se prende intimamente ao da causa. Para apreciar a contraprestação, rejeita-se o valor irrisório. Não convém exigir equivalência, palavra que se presta a equívocos. O que se procura é o mínimo capaz de tornar a injustiça por demais violenta”. (Cláusula de Não Indenizar, 4ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 129/130).

De tudo isso, a conclusão imperativa é de que a indenização tarifada, ou seja, a limitação de responsabilidade, não pode mais ser aplicada em qualquer caso concreto relativo a inexecução de obrigação de transporte de carga, qualquer que seja o modal de transporte, porque a ordem jurídica em vigor, destacadamente a Constituição Federal, dispõe o dever de reparação atrelado ao conceito de indenização ampla e integral, máxime em se tratando de relação negocial caracterizada por dever objetivo de resultado e, ainda, gravada com o selo de consumerista, de relação de consumo (fornecimento de serviço).

Aliás, sempre é bom rememorar que a incidência do CDC, braço armado do texto Constitucional, diploma legal principiológico e que é mais um item na luta contra a limitação de responsabilidade, é amplamente aceito em relação aos transportes aéreos, de pessoas e de coisas, conforme jurisprudência dominante, incluindo o STJ, como se pode conferir no REsp 65.837-SP, 4ª Turma, j. 26-6-2001, relator: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e no REsp 257,833-SP, da mesma turma, j. 10-10-2000, Min. Waldemar Zveiter, entre outros muitos julgados.

Não nos sobra dúvidas quanto a não aplicação da limitação de responsabilidade, sendo muitos, formais e substanciais, os argumentos e os fundamentos em tal sentido.


[1] Idem, ibidem

[2] NA: é bem verdade que o CBARr prevê limitação, mas o faz com parcimônia e muitas ressalvas, de tal sorte que a limitação nele prevista, em termos práticos, não subsiste. Demais, a limitação nunca tem cabimento nos casos envolvendo a culpa em sentido estrito do transportador.

[3] O serviço prestado pela ré é um serviço privado imantado de interesse público, tanto que se encontra subordinado à rigorosas regras de direito público, donde se fala em aplicação da teoria do munus público.

[4] Compendio de Direito Marítimo Brasileiro, São Paulo: editora Saraiva, 1938, p. 200

[5] Cláusula de Não Indenizar, Edição Forense: 1980, p. 112 e 128

[6] Tratado de Direito Privado, Tomo XLV, Ed. Borsoi: Rio de janeiro, 1972, § 4884, n.º 2, p. 143/4

[8] in Contratos, 5ª ed., Forense, Rio, p. 49

[9] O Novo Código Civil Discutido Por Juristas Brasileiros, Aparecido Hernani Ferreira e outros, Bookseller, São Paulo: 2002, p. 95/97

[10] Revista do Advogado, Novo Código Civil: Aspectos Relevantes, nº 68, Dez/2002, AASP, Teoria Geral da Boa Fé Objetiva, São Paulo: p. 101/102

[11] Op. Cit. P. 100