Paulo Henrique Cremoneze

Paulo Henrique Cremoneze

Advogado, Especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade Católica de Santos, acadêmico da Academia Brasileira de Seguros e Previdência, diretor jurídico do Clube Internacional de Seguros de Transportes, membro efetivo da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguro, do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da IUS CIVILE SALMANTICENSE (Universidade de Salamanca), presidente do IDT – Instituto de Direito dos Transportes, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros, associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), autor de livros de Direito do Seguro, Direito Marítimo e Direito dos Transportes, pós-graduado em Formação Teológica pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (Ipiranga), hoje vinculada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos. Laureado pela OAB-SANTOS pelo exercício ético e exemplar da advocacia. Coordenador da Cátedra de Transportes da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

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Breve comentário sobre a cláusula de dispensa do direito de regresso

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Como advogado especializado em Direito do Seguro e atuante no ressarcimento em regresso do seguro de transporte, não sou propriamente simpático à cláusula de dispensa do direito de regresso. Contudo, sei que o negócio de seguro é mais amplo que o ressarcimento e que a cláusula tem certa importância comercial. Enxergar as coisas sob outras perspectivas é importante, principalmente no Direito.

E ao falar sobre a cláusula sensibilizou-me especialmente o que disse Odair Negretti, um dos maiores conhecedores do negócio de seguro no Brasil, na edição nº 33, julho/agosto de 2019, da Revista CistNews: “Dentro do princípio solidário, harmonioso, livre e, extremamente comercial e operacional, fazíamos mostrar aos proprietários das cargas transportadas e aos seus transportadores, que a unificação de interesses de ambos traria benefícios comuns e evitaria desgastes na eventualidade de sinistro que envolvessem o bem transportado, deixando de lado disputas judiciais demoradas e custosas para as partes, com a solução dos litígios via solução (ressarcimento/recuperação) administrativa”. [Declaração especial de dispensa do direito de regresso, pp. 30-33]

Sua colocação é perfeitamente razoável. Não me resta senão concordar com o mestre.

Antes, mais por cálculo do que por índole, julgava eu que a cláusula de dispensa do direito de regresso era um mal necessário, e nascia de interesses comerciais mais ou menos justificáveis. Hoje, mais por índole do que por cálculo, vejo-a como um instrumento de calibragem das relações negociais, e mesmo boa se bem aplicada.

Para além da matemática financeira, partindo já da presunção de que seja positivo o saldo entre a arrecadação das seguradoras com a cláusula e o que por causa dela deixam de reembolsar, compreendo o benefício que dela pode vir a transportadores, segurados, seguradores e sociedade. Mudo assim minha posição em litígios judiciais contra transportador rodoviário em defesa de seguradora sub-rogada?

Não exatamente.

O meu ponto é outro: a cláusula de dispensa de direito de regresso jamais pode ser salvo-conduto para a desídia operacional e a incúria administrativa. E isso não deixa de ser uma forma de protegê-la. Porque, opondo-me à deformação de seu conteúdo, o que acaba por entortá-lo e por demover a legitimidade de sua aplicação, qual um socorro oferecido à incompetência, acabo por reafirmar a existência de algum uso reto e legítimo, de modo a reestabelecer a ordem de coisas. Por essa razão, no plano negocial o que me cabe é abdicar de criticar-lhe a existência.

Negretti apontou um texto muito bem elaborado, com nuances jurídicas expressivas, e com base nele sugeriu ao mercado que cada vez mais adote a cláusula DDR. Concordo com a leitura e replico a sugestão.

Há na cláusula uma admirável simetria de interesses e uma justa salvaguarda dos direitos das seguradoras, sem onerar segurados nem desfigurar os propósitos da dispensa do direito de regresso. Beneficiam-se os transportadores, é verdade, mas não se livram do dever de rigor e de cuidado na condução das atividades que operam. A inteligência na redação da cláusula derruba as chances de algum transportador nela enxergar uma chancela para a incompetência.

Por mais que eu defenda com vigor os princípios da responsabilidade civil objetiva e a influência da Escola Jurídica Civilista de Salamanca nas questões de dano sem culpa, e por isso me atenha um tanto mais à assunção e ao manejo de riscos como condição para reparação de prejuízos, acredito que seja satisfatório o conteúdo das cláusulas que tratam de gerenciamento de risco e das causas reintegradoras do direito de regresso.

O texto clausular sugerido por Negretti, de que já fazem uso algumas seguradoras, prevê a nulidade do benefício para o transportador que aja com grave culpa ou dolo, junto a outras considerações relevantes. Não há exatamente uma novidade; nota-se na redação, porém, certa integridade e clareza na substância, um detalhamento adequado, com respeito aos princípios da boa-fé objetiva, da transparência, da proporcionalidade e da isonomia, capaz de oferecer segurança a seguradores sem prejudicar segurados e transportadores.

Posso ainda dizer que o conteúdo da cláusula, conscientemente ou não, premiou a doutrina contemporânea da responsabilidade civil contratual, separando bem as hipóteses de fortuito externo e fortuito interno. O professor catedrático de Direito Civil da Universidade de Salamanca, Eugenio Llamas Pombo, em aulas ou artigos, gosta de citar um ditado popular espanhol: “al pan, pan; al vino, vino”.

Algo óbvio; e que, no entanto, precisa ser lembrado o tempo todo, distinguindo bem as particularidades de um ente e de outro. A inversão de valores tem se tornado bastante comum, com o errado a se passar pelo certo e o certo pelo errado. No ambiente jurídico, mais ainda, em razão da própria natureza dialética do Direito.

Por isso tanto a subscrição do risco como os termos contratuais devem ter clareza no excesso, riqueza em escrúpulos, precisão nos detalhes. Não se trata de um apego exagerado às formalidades, o formalismo pelo formalismo, muito menos daquele tecnicismo mais pernicioso e artificial. Falo apenas do zelo com o essencial, traduzido em linguajar compreensível e insuscetível de ambiguidades.

Um contrato de seguro bem celebrado, investido de cláusulas especiais bem particularizadas, só pode ser bom, justo e necessário. Ninguém se prejudica. O direito de regresso é precioso demais para ser retirado de qualquer jeito. Sua dispensa exige um rol pormenorizado de condições prévias, alvo de máxima atenção por parte daqueles que dele se beneficiarão.