Paulo Henrique Cremoneze

Paulo Henrique Cremoneze

Advogado, Especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade Católica de Santos, acadêmico da Academia Brasileira de Seguros e Previdência, diretor jurídico do Clube Internacional de Seguros de Transportes, membro efetivo da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguro, do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da IUS CIVILE SALMANTICENSE (Universidade de Salamanca), presidente do IDT – Instituto de Direito dos Transportes, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros, associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), autor de livros de Direito do Seguro, Direito Marítimo e Direito dos Transportes, pós-graduado em Formação Teológica pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (Ipiranga), hoje vinculada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos. Laureado pela OAB-SANTOS pelo exercício ético e exemplar da advocacia. Coordenador da Cátedra de Transportes da Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP).

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A ilegalidade e a nulidade da cláusula abusiva de imposição de foro no contrato internacional de transporte marítimo de carga: a proteção do contratante débil, da vítima do dano ou do segurador sub-rogado

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(*) texto originalmente publicado no site Conjur

Abstrato: O presente estudo (trabalho de conclusão de curso) trata da defesa do contratante débil no contrato internacional de transporte marítimo de carga, expondo sua hipossuficiência e o dirigismo contratual do armador. Referido contrato – que é de adesão – contém muitas cláusulas abusivas, como as que dispõem sobre a limitação tarifada de responsabilidade e imposição de foro. O objetivo será discutir a de imposição de foro, defendendo o foro do lugar de cumprimento da obrigação de transporte ou o que melhor convém ao credor insatisfeito, vítima do dano contratual (ou, ainda, o segurador sub-rogado). Em se tratando de contrato de adesão, é inválida e ineficaz a cláusula em que o armador impõe o foro de sua vontade ao consignatário da carga, o credor insatisfeito. A perspectiva deste estudo é a experiência brasileira. O ordenamento jurídico brasileiro nega vigência à cláusula de eleição de foro pelo armador porque enxerga em seu conteúdo não uma eleição verdadeira, mas imposição de sua vontade, ato típico de absurdo dirigismo contratual. Não se pode admitir renúncia forçada à própria jurisdição, como o armador faz, por meio desta cláusula, ao consignatário de carga. A situação é ainda mais grave quando se tenta impor a mesma cláusula ao segurador sub-rogado, que sequer é parte no contrato. A imposição de foro contraria o espírito do Direito Contratual atual e é forma inaceitável de protecionismo, algo que prejudica o exercício do Direito do credor insatisfeito e que caracteriza grande desequilíbrio de forças. Ao se discorrer sobre esta cláusula, também se comenta a de imposição de arbitragem, talvez ainda mais abusiva, eis que não se concebe a realização de procedimento arbitral sem a voluntariedade expressa, prévia e formal. Pode-se ainda dizer que os obstáculos formais intentados pelos armadores a que as vítimas de danos contratuais exerçam seus direitos é uma das formas pelas quais tentam escapar de suas responsabilidades e do princípio da reparação civil integral. Toda tentativa de proteção abusiva do causador do dano implica esvaziamento da dignidade da vítima e do próprio Direito, para não dizer da Ordem Moral.

Palavras chaves: Seguro de Transporte Internacional. Jurisdição Nacional. Direito do Seguro. Direito Marítimo. Direito de Danos. Transporte Marítimo de Carga. Responsabilidade Civil. Equilíbrio Contratual. Defesa do Credor Insatisfeito ou do Segurador Sub-rogado. Tutela do Contratante Débil Anacronismo Legal. Cláusulas Abusivas.

Abstract: (en español y inglês)

El presente estudio (trabajo de finalización del curso) se ocupa de la defensa del contratista débil en el contrato internacional de transporte de carga marítima, exponiendo su insuficiencia y la dirección contractual del propietario del buque. Este contrato, que es un contrato de adhesión, contiene muchos términos injustos, como los relativos a la limitación arancelaria de responsabilidad y la imposición de jurisdicción. El objetivo será discutir la imposición de jurisdicción, defender la jurisdicción del lugar de cumplimiento de la obligación de transporte o lo que mejor se adapte al acreedor insatisfecho, víctima del daño contractual (o, aún, la aseguradora subrogada). En el caso de un contrato de adhesión, la cláusula en la que el propietario del buque impone la jurisdicción de su voluntad al destinatario de la carga, el acreedor insatisfecho, es inválida e ineficaz. La perspectiva de este estudio es la experiencia brasileña. El sistema legal brasileño niega la cláusula de elección del foro por parte del armador porque ve en su contenido no una elección verdadera, sino la imposición de su voluntad, un acto típico de liderazgo contractual absurdo. No es posible admitir la renuncia forzada a la jurisdicción misma, como lo hace el armador, por medio de esta cláusula, al destinatario de la carga. La situación es aún más grave cuando se trata de imponer la misma cláusula a la aseguradora subrogada, que ni siquiera es parte en el contrato. La imposición de un foro es contraria al espíritu de la Ley contractual actual y es una forma inaceptable de proteccionismo, algo que perjudica el ejercicio del derecho del acreedor insatisfecho y que caracteriza un gran desequilibrio de fuerzas. Al discutir esta cláusula, también se hace un comentario sobre la imposición de un arbitraje, quizás aún más abusivo, ya que no existe la concepción de llevar a cabo un procedimiento de arbitraje sin la voluntaria, expresa y previa voluntariedad. También se puede decir que los obstáculos formales traídos por los armadores para que las víctimas de daños contractuales ejerzan sus derechos es una de las formas en que intentan escapar de sus responsabilidades y el principio de la reparación civil completa. Cualquier intento de proteger abusivamente a la persona que causa el daño resulta en un vaciamiento de la dignidad de la víctima y de la Ley en sí misma, sin mencionar la Orden Moral.

The present study (course completion work) deals with the defense of the weak contractor in the international maritime cargo transport contract, exposing its insufficiency and the contractual direction of the ship owner. This contract, which is an adhesion contract, contains many unfair terms, such as those relating to the tariff limitation of liability and the imposition of jurisdiction. The objective will be to discuss the imposition of jurisdiction, defend the jurisdiction of the place of fulfillment of the transport obligation or what best suits the unsatisfied creditor, victim of the contractual damage (or, even, the subrogated insurer). In the case of an adhesion contract, the clause in which the owner of the ship imposes the jurisdiction of his will to the recipient of the cargo, the unsatisfied creditor, is invalid and ineffective. The perspective of this study is the Brazilian experience. The Brazilian legal system denies the clause of choice of the forum by the shipowner because it sees in its content not a true choice, but the imposition of its will, a typical act of absurd contractual leadership. It is not possible to admit the forced resignation to the jurisdiction itself, as the shipowner does, through this clause, to the recipient of the cargo. The situation is even more serious when it comes to imposing the same clause on the subrogated insurer, which is not even party to the contract. The imposition of a forum is contrary to the spirit of the current Contract Law and is an unacceptable form of protectionism, something that harms the exercise of the right of the unsatisfied creditor and that characterizes a great imbalance of forces. In discussing this clause, a comment is also made on the imposition of an arbitration, perhaps even more abusive, since there is no conception of carrying out an arbitration procedure without the voluntary, express and prior voluntariness. It can also be said that the formal obstacles brought by shipowners for victims of contractual damages to exercise their rights is one of the ways in which they try to escape their responsibilities and the principle of complete civil reparation. Any attempt to abusively protect the person causing the damage results in an emptying of the victim's dignity and the Law itself, without mentioning the Moral Order.

Keywords: (en español y inglês)

Seguro de transporte internacional. Jurisdicción nacional. Ley de Seguros Derecho Maritimo. Ley de daños. Transporte Marítimo de Carga. Responsabilidad civil. Balance Contractual. Defensa del acreedor insatisfecho o asegurador subrogado. Tutela del contratista débil Anacronismo legal. Cláusulas abusivas.

International Transport Insurance. National Jurisdiction. Insurance Law. Maritime Law. Damage Law. Maritime Cargo Transport. Civil responsability. Contractual Balance. Defense of the dissatisfied creditor or subrogated insurer. Guardianship of the Weak Contractor Legal Anachronism. Abusive Clauses.

I. INTRODUÇÃO

Neste artigo nosso objetivo é tratar das cláusulas abusivas do contrato internacional de transporte marítimo de carga, notadamente a de imposição de foro. O assunto faz parte do cotidiano profissional. É um dos mais polêmicos nos litígios judiciais de Direito Marítimo, especialmente naquilo que diz respeito ao Direito das Obrigações e ao Direito do Seguro. A proposta é mostrar a experiência brasileira e compará-la, ainda que com pretensões modestas, à de outros países da América Latina e da Europa, especialmente Espanha, Portugal, Itália e Reino Unido.

O tema nos é caro. E não só por sua relação com o nosso exercício profissional da advocacia, mas por seu fundo moral. A ordem moral integra o Direito, e em muitos sistemas constitucionais, como o do Reino da Espanha, tem natureza constitucional. Estamos convictos de que no mundo atual não há mais espaço para o dirigismo contratual, especialmente do modo com que se apresenta em contratos de adesão, feito o contrato de transporte internacional marítimo de carga.

Acreditamos que a apresentação feita no Taller 3 do 46º Curso de Especialización em Derecho da Universidad de Salamanca, matéria Contratos y Daños, cabe como luva à mão à presente introdução e mostra bem o ânimo que marca este trabalho.

O Taller em destaque foi uma das atividades de que participei ativamente durante o segundo curso de pós-graduação em Direito na Universidade de Salamanca, Espanha. O primeiro curso foi o de especialização em Direito do Seguro. Uma disciplina se ajusta bem à outra e ambas expõem algo importantíssimo para a carteira de seguro de transporte (internacional)

Abrimos aspas

Taller 3: Sociedad del risgo, nuevas amenazas y derechos fundamentales

Título de la comunicación: Em uma sociedade de riscos não se pode mais admitir normas de limitação de responsabilidade dos causadores de danos.

Resumen:        Responsabilidade Civil – Sociedade de Riscos – Primazia do Princípio da reparação civil ampla e integral – Anacronismo e ilegalidade das espécies normativas com objetivo de limitar responsabilidade do causador do dano – Defesa da vítima.

Vivemos tempos de grandes mudanças e de enormes desafios, tempos da Quarta Revolução Industrial.

A cada dia, o engenho humano se desenvolve e as atividades econômicas se fortalecem. Por mais que as tecnologias busquem a excelência, os ricos aumentam.

Tanto que o Direito também evoluiu substancialmente e hoje já se tem por certo, como um direito fundamental, o de ninguém ser vítima de um dano, algo muito maior e mais profundo do que o antigo neminem laedere.

O Direito atual trabalha até mesmo com a ideia de responsabilidade civil pela expectativa de dano potencial.

Para muito além da responsabilidade civil objetiva, essa ideia dispõe que o potencial de dano que alguém pode causar à outrem é, dependendo das particularidades do caso concreto, o bastante para se cogitar em dever de reparação.

Algo fantástico e, talvez, essencial para o desenvolvimento da cidadania.

Já não se trata de se aceitar ou não os chamados punitive damages, mas de tentar assegurar, de um modo ou de outro, o direito que todo o mundo tem de não ser vítima de dano.

Vanguardista? Sem dúvida, mas algo que tem que estar presente em toda e qualquer discussão séria a respeito da responsabilidade civil, seus desdobramentos e sua invulgar dimensão social.

Muito aproveita atentar que antes mesmo dessa visão mais recente e inovadora, o anseio pela necessidade de compensação justa do dano sofrido pela vítima e punição exemplar do seu causador já se fazia notar pelo princípio da reparação civil integral, presente em quase todos os ordenamentos jurídicos do mundo.

No caso específico do Brasil, o princípio se encontra taxativamente previsto no art. 944 do Código Civil e implicitamente presente no inciso V do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a reparação civil ampla e integral.

Considerando que o art. 5º trata dos direitos e garantias fundamentais e é marcado com o selo de cláusula pétrea, pode-se dizer que no Brasil a reparação civil integral é, mais do que um princípio de natureza civil, um direito fundamental constitucional, ancorado na cidadania.

Por isso, inaceitável a existência, nos dias de hoje, salvo em casos muito específicos, absolutamente especiais e extraordinários, normas, regras, cláusulas, enfim, qualquer espécie normativa, que tenha por objetivo a limitação de responsabilidade do causador do dano.

Toda limitação de responsabilidade do causador de um dano é o esvaziamento da direito da vítima, do ofendido.

Acrescento, com fundamento no Direito Natural e na própria ordem moral, que a limitação de responsabilidade aplicada em benefício do autor do ato ilícito ofende a dignidade da vítima e do Direito como um todo.

Não há superposição do conceito de Justiça ao de Direito se este é usado para beneficiar quem causa dano indevido à outrem. O Direito se torna claudicante, deformado, inimigo da Justiça.

Isso porque quem causa dano tem que arcar integralmente com os resultados e efeitos de sua conduta inidônea, nada aquém, talvez tudo além.

Por isso, a insurgência, quase com ares de uma Cruzada Santa, às normas legais e/ou contratuais limitadoras de responsabilidade.

Veja-se o caso da Convenção de Montreal, que bisou a de Varsóvia. Prevê a limitação de responsabilidade do transportador aéreo internacional de cargas em casos de faltas e avarias.

A norma é injusta e intolerável, para dizer o certo, e anacrônica, para dizer o mínimo!

Quando do nascimento da Convenção de Montreal – início do século passado -, da qual a de Montreal se valeu substancialmente, a indústria da navegação aérea se encontrava em gestação, os riscos eram demasiadamente elevados e mecanismos jurídicos de proteção se faziam necessários.

Hoje, a indústria é forte e saudável, tanto que as principais construtoras de aviões, Boeing e Airbus, trabalham com o chamado “risco zero” e a navegação aérea cada vez mais segura. Ora, em sendo assim, qual a razão de ser da antiga proteção legal, da limitação de responsabilidade?

Justamente por conta das atuais tecnologias, as faltas e avarias apuradas nas cargas confiadas para transportes nada mais são do que vulgares desídias operacionais, incúrias administrativas, falhas empresariais inescusáveis das transportadoras aéreas. Merecem, então, benefícios normativos como os de limitações de suas responsabilidades? Isso é justo e moralmente ordenado em relação aos donos das cargas ou seus seguradores?

Afirma-se, aqui, com categórica convicção: não, não é justo nem mesmo tolerável aos olhos da moral!

A preocupação da renomada Universidade de Salamanca em estudar “Sociedad del risgo, nuevas amenazas y derechos fundamentales” há que passar necessariamente pelo princípio da reparação integral e o repúdio ao conceito de limitação de responsabilidade, mesmo a de natureza tarifada.

É bem verdade que talvez em alguns poucos casos, quando confrontada com outros importantes postulados do Direito, como o da teoria da preservação da empresa, talvez a limitação possa ser admitida, mas sempre em caráter excepcional e diante de forte justificativa.

Mas, feita a exceção das exceções, o Direito tem que primar pela reparação civil integral sob pena de intolerável grau de injustiça, de acentuado formalismo e de gravíssimo prejuízo à vítima.

Aliás, é a vítima que tem que ser o alvo de todas atenções da hodierna responsabilidade civil, não o causador do dano. Na proteção máxima da vítima que reside o bem social e as funções restauradora, reequilibradora, principiológica e edificante do Direito, braço concreto da Justiça.[1]

Fechamos aspas

No apresentação do Taller 3 abordamos o assunto de modo mais amplo do que pretendemos aqui; lá havia uma inclinação particular ao transporte aéreo internacional de carga, com as devidas críticas ao anacronismo da Convenção de Montreal. Neste trabalho, o foco repousará no transporte marítimo e, dentro dele, alcançará a chamada cláusula de eleição de foro[2], imposta pelos dedos unilaterais do armador em contrato de adesão.

Quando do trabalho de conclusão da Especialização em Direito do Seguro, por ocasião do 45º. Curso de pós-graduação em Direito, dessa mesma Universidade de Salamanca, sob orientação do Professor Eugenio Llamas Pombo, tratamos da cláusula de limitação de responsabilidade, demonstrando sua natureza abusiva e sua ilegalidade diante do princípio da reparação civil integral.

Neste momento atacaremos as cláusulas de imposição de foro, ou de arbitragem (esta meramente a reboque), enfatizando sua nocividade, o veneno que destila no Direito Contratual, a incompatibilidade que guarda com a dinâmica atual e com os princípios que informam o Direito das Obrigações, auxiliares do Direito de Danos, ordenador da Responsabilidade Civil.

Não se pode admitir, e o dissemos em oportunidade anterior, qualquer cláusula contratual que queira limitar a responsabilidade do causador de danos e, deste modo, trazer prejuízo ao efetivo exercício do Direito pelo credor não satisfeito. Obstando à vítima do dano o acesso à jurisdição que melhor lhe convier, prejudica-se, e gravemente, a busca por reparação civil integral, o pleno exercício do direito.

Os armadores se valem de mecanismos contratuais incompatíveis com o espírito do Direito contemporâneo, inimigos da realidade fenomênica. Mostra-se especialmente presente, no contrato internacional de transporte marítimo de carga, a figura do contratante débil; ela que há de ser o centro das atenções, materializada na pessoa do segurador sub-rogado[3]. Sem ser parte no contrato, o segurador surge como o grande protagonista dos litígios de Direito Marítimo, especificamente de responsabilidade civil do armador por dano contratual.

No Brasil, assim como no México e no Panamá, tais cláusulas são nulas de pleno de Direito. Na Inglaterra (Reino Unido), aceitas e defendidas. No sul da Europa, parcialmente respeitadas por causa das Convenções Internacionais de Direito Marítimo, descompassadas porém com outras fontes normativas presentes nos ordenamentos jurídicos nacionais e da União Europeia, como as que tratam do Direito do Consumidor, da defesa do contratante débil e da responsabilidade civil dos que manejam riscos.

Se não for excesso de pretensão de nossa parte, instigados pela flama do ideal, pretendemos ao menos a inspirar discussões em torno de possíveis ajustes nos ordenamentos jurídicos europeus. As cláusulas abusivas em contratos marítimos internacionais, sobretudo os de transportes de cargas, não podem ser mais aceitas; e caso o sejam, devem buscar um alinhamento melhor com as novas perspectivas do Direito.

Em um cenário no qual muito se fala da satisfação dos credores, na imputação objetiva de responsabilidade dos causadores de danos que atuam sob o signo dos riscos, não cabe aceitar clausulados contratuais casuísticos, assimétricos, desarrazoadamente protetivos, que por essa razão acabam por destruir direitos e deveres.

O repúdio ao dirigismo contratual se põe às portas da necessidade. E o auxílio por que muitos no mundo esperem talvez venha do lugar menos esperado: a experiência brasileira, positiva e harmônica com o que há de melhor em termos de construção doutrinária contemporânea, especialmente na comunidade europeia.

Cláusulas abusivas é uma tema que vai muito além do Direito das Obrigações e repousa, solene, na Ordem Pública. Com efeito, ao tratar da cláusula-solo, no artigo La nulidade de las clásulas suelo, o grande civilista espanhol Eugenio Llamas Pombo concluiu: “Más bien sucede lo contrato, diríamos: la nulidade si es uma custión de orden público, y por tanto su régimen jurídico no puedo acomodarse a consideraciones absolutamente ajenas al contrato. ?O es que el pago por un ciudadano, durante años, de un tipo de interés que la propria resolución declara abusivo (puesto que la clausula que lo estabelece lo és) no há afectado, y de qué manera, al orden público económico?”[4]

O pensamento acima se ajusta bem ao estudo, eis que a ordem pública se vê com mais razão reclamando defesa. Pela cláusula de imposição de foro do armador fere-se a própria garantia constitucional fundamental de acesso à jurisdição da vítima do dano, do credor insatisfeito e/ou do segurador sub-rogado.

Em muitos litígios de Direito Marítimo, os ataques à ordem pública chegam também ao campo do Direito do Seguro. Com isso muito sofrem os princípios da sub-rogação e do mutualismo, essencialmente social, pois o segurador sub-rogado, que age em nome do mútuo, tem seu direito de regresso devastado por imposição contratual com que jamais anuiu formal e expressamente. A injustiça da hipótese nos parece bastante clara.

Como dizia José Ortega y Gasset: “teria sido bom se o homem se encontrasse para sempre reduzido aos valores superiores descobertos até aqui: ciência e justiça, arte e religião”.

Porque tempos há em que o homem se deixa verdadeiramente levar pelo esquecimento, e algumas noções tão claras a épocas de outrora, a justiça é um exemplo, se vão deformando pela vulgarização do uso, se obscurecendo pela referência imprecisa; e então, envelhecidos, caducos, amarelecidos pelo tempo, passam a exigir um novo sopro de vida, uma nova fôrma expressiva, o chamado inaudito e ao mesmo tempo nostálgico da eternidade ideal.

Considerando ainda o tema de nosso trabalho anterior, de Direito do Seguro, e o fato de compor nosso cotidiano profissional há muito tempo, remetemo-nos ao lema da Universidade de Salamanca, já incorporados ao pensamento e ao coração: “decíamos ayer, diremos mañana”.

II. O CONTRATO INTERNACIONAL DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE CARGAS E AS CLÁUSULAS ABUSIVAS

A ilegalidade da cláusula de imposição de foro do armador

Cláusulas abusivas é tema dos mais debatidos do Direito Contratual. Seguiu-se às grandes mudanças sociais depois da Segunda Guerra Mundial, vibrando um tanto mais ao advento do Direito do Consumidor. Assim é na Espanha, na Europa, no Brasil e nas Américas. Sua amplitude permite uma riqueza de abordagens notável. Certamente, um rio de tintas já correu sobre sua superfície, preenchendo-lhe as formas e, não raro, descolorindo-lhe os contornos. Sobre ele discutiram com notável ardor acadêmico alguns dos melhores doutrinadores do mundo.

E não temos dúvidas que assim continuará a ocorrer por muito tempo.

Sobre as cláusulas abusivas, disse bem Nelson Nery Junior[5]: “(...) são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas”.

Sim, são cláusulas que oprimem uma das partes contratantes, porque impõem ônus excessivos, assimétricos e, portanto, são muito vexatórias ao Direito, já que ferem seu espírito fundamental: a busca incessante de dar a cada um o que é seu, a constante e perpétua vontade que se confunde com a Justiça[6].

Vamos além, eis que não nos limitamos aos contratos com o selo de consumo e lembramos dos contratos em geral, a ponto de falarmos não apenas na hipossuficiência inerente ao consumidor, mas no conceito de debilidade, na figura do contratante débil, presente em muitos negócios de Direito Civil.

Reconhecemos. Nosso objetivo porém é mais modesto, talvez até confortável. Com a abusividade clausular no contrato de transporte marítimo internacional de carga, mantivemos uma saudável proximidade com os hábitos da profissão. O que evita duas consequências terríveis para o estudioso: o abstracionismo alheio à prática do direito vivente e o desinteresse mortal que por vezes dedicamos a assuntos chatíssimos dos quais somos obrigados a falar.

Sim, o objetivo é o de tornar mais particular o discurso, mas não se enfatizar em que base fundamental se assenta, isto é, o mal das cláusulas abusivas em geral, conforme bem exposto por Hélio Zagheto Gama[7]: “As cláusulas abusivas são aquelas que, inseridas num contrato, possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte a quem desfavoreçam”.

Pois bem.

Tornar particular o estudo é tratar do assunto, por si só grave, sob a perspectiva do contrato internacional de transporte marítimo de carga, que é de adesão e cujas cláusulas são impostas unilateralmente ao embarcador e ao consignatário da carga. E, em tal específico contexto, ainda lembrar da situação do segurador sub-rogado que litiga em busca do ressarcimento em regresso contra o armador e não pode de modo algum ser submetido aos termos de um contrato do qual não é parte, nem mesmo por adesão.

Quando falamos em cláusulas abusivas nessa modalidade contratual, referimo-nos mais especificamente à que impõe ao dono da carga brasileiro, ou ao segurador que por ele responde, a exclusividade do foro estrangeiro (ou procedimento arbitral), sempre muito agradável aos interesses do armador.

O ponto de partida é o sistema legal brasileiro, a partir do qual, com destaque a jurisprudência, se buscará compará-la ao que se passa em outros países, notadamente os da Europa com destaque, e, é claro, a Espanha.

Não é a primeira vez que tratamos dele. Fizemo-lo antes, na conclusão do 45º Curso de Especialização em Direito da Universidade de Salamanca, disciplina de Direito do Seguro. Na oportunidade, abordamos a limitação de responsabilidade, a ilegalidade da cláusulas que a prevê e sua não oponibilidade ao segurador sub-rogado.

Manteremos a atenção no tema e o ampliaremos, tratando diretamente da cláusula de imposição de foro e, reflexamente, a de arbitragem.

Continuaremos, de certo modo, o trabalho anterior, concentrado na limitação de responsabilidade. Porque, para fugir do dever de reparação civil integral, o danador usa e abusa de expedientes formais, artificialmente criados sob manto clausular, inibidores do pleno exercício do Direito, inimigos da garantia fundamental de acesso à Jurisdição, presente em quase todos os ordenamentos jurídicos anteriores.

Usaremos recortes do trabalho anterior, dada a pertinência, a relação de continuidade, a paternidade que mantém com este, com ênfase na ilegalidade de cada uma das cláusulas, exibindo seus problemas e sua contraposição ao Direito contemporâneo. O dirigismo, o abuso, o despotismo contratual exercido de uma parte sobre a outra, afronta a ordem moral, o Direito das Obrigações e o Direito em sua integralidade. Trata-se, no dizer de Eugenio Llamas Pombo, de uma questão de Ordem Pública, que em muito ultrapassa as fronteiras do Direito Contratual.

A respeito do tema de fundo deste trabalho e ao tratarem dos negócios jurídicos contratuais em geral, Ximena Raquel Calderón Rojas, Doris Valdez Paredes e Marco Obando Fernandez[8], ao escreverem artigo intitulado Las Cláusulas Abusivas, reportam-se incialmente ao exposto pela Comisión de Publicaciones:

"El mercado moderno ha supuesto nuevas formas de intercambio económico que ponen de relieve las implicancias de las características de los nuevos actores, Jo cual ha significado un desafío para la teoria contractual tradicional. En este contexto, la institución de las cláusulas abusivas constituye un capítulo emblemático y actual en el proceso de delineamiento de adecuadas formas de tutela al consumidor. En el presente trabajo se realiza una aproximación a los contornos teóricos de esta figura, se analiza el desarrollo a nivel comparado, y por último, se revisa su configuración en el Anteproyecto del Código de Consumo, presentando propuestas para su adecuado funcionamiento en países como el nuestro, donde la Protección al Consumidor siempre estará en debate".

Diante dessas breves considerações iniciais, passemos desde logo ao que efetivamente importa: o contrato internacional de transporte marítimo de carga e seus clausulados abusivos, os holofotes voltados à figura do segurador sub-rogado.

O contrato de transporte marítimo de cargas é um contrato diferenciado. Envolve um contratante, o embarcador, e um contratado, a parte forte dessa mesma relação, o transportador (normalmente, o armador do navio), e ainda outro participante, o consignatário da carga transportada, em favor de quem a obrigação de transporte se estipula, o contratante débil por excelência, o maior credor. Um contrato de adesão, com cláusulas impressas, unilaterais, dispostas exclusivamente pelo armador, segundo sua autocentrada vontade.

As demais partes, embarcador e consignatário, não externam sua vontade. Aderem ao pacote contratual, recebendo de prontos cláusulas manifestamente abusivas aos olhos do Direito Contratual no Brasil e de outros ordenamento jurídicos.

Uma das cláusulas cuja abusividade se mostra de modo mais imperioso é aquela por meio da qual o armador impõe seu foro (ou procedimento arbitral) em detrimento daqueles de escolha das outras partes. Dito de outro modo: é a cláusula com que as obriga a renunciar a suas próprias jurisdições.

Tanto no Brasil como em outros países existe a possibilidade de as partes optarem, em contrato internacional, por um determinado foro ou pelo procedimento arbitral. Isso, aliás, não se põe em dúvida. Para tanto, porém, há que se observar o princípio da autonomia da vontade e o conceito de voluntariedade.

Isso não ocorre no contrato internacional de transporte marítimo de carga. O foro não é eleito por dois iguais, olhando-se frente a frente, os braços cruzados numa mesa negocial. Na prática e na teoria, ele é simplesmente imposto de cima a baixo.

A cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro no contrato internacional porém só será efetivamente reconhecida e aplicada se o seu conteúdo corresponder perfeitamente aos pressupostos de validade do negócio jurídico, autorizada pela voluntariedade inequívoca.

Qualquer ofensa ou mitigação do princípio da autonomia da vontade tornará a referida cláusula inaplicável perante a nova ordem jurídico-processual.

Dentro desse contexto, portanto, nenhuma cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro no contrato internacional imposta unilateralmente em contrato de adesão será objeto de convalidação. As características dessa forma de contratação são expostas de maneira admirável por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[9]:

“De fato, um dos contratantes não possui a liberdade de estipulação do conteúdo das cláusulas, restando-lhe apenas a liberdade de aceitar ou não a contratação (take it or leave it). A qualificação de um contrato como paritário ou de adesão dependerá, portanto, da perquirição se o conteúdo das cláusulas pode ser atribuído a ambas as partes ou se nasceu de uma prévia imposição inegociável de um dos contraentes. Isto evidencia que os contratos de adesão não se distinguem dos modelos clássicos de contrato pelo seu tipo, mas pela sua forma.”

Considerando que todo contrato internacional de transporte marítimo de carga é um contrato de adesão, formatado exclusivamente pelo transportador, sem qualquer espécie de anuência do consignatário da carga, muito menos do seu segurador, não há que se falar no reconhecimento da cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro nele presente, e há muito a jurisprudência rotulou esse tipo de disposição contratual como manifestamente abusiva e ilegal.

Outra coisa que não pode ser ignorada: a primazia da Justiça sempre que reclamada sua participação, conforme garantia fundamental constitucional expressa.

Logo, mesmo uma cláusula eventualmente válida, plenamente voluntária, poderá ser deixada de lado quando houver concreta lesão ou ameaça de lesão com o afastamento do acesso à jurisdição.

No caso específico do Brasil, o art. 25, caput, do novo Código de Processo Civil, em vigor desde 18 de março de 2016, ao tratar dos limites da jurisdição nacional, dispõe: “Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação”.

Essa regra não se deixa alcançar pelo contrato internacional de transporte marítimo de carga, porque de adesão, nem é oponível ao segurador sub-rogado, porque não é parte na relação contratual em destaque.

A aplicação da regra legal brasileira em destaque, ou a de suas correspondentes pelo mundo afora, só tem cabimento quando no contrato internacional a voluntariedade for fielmente observada, até porque condição sine qua non para que a eleição de foro exclusivo estrangeiro seja efetivamente válida e eficaz.

Tal questão, pois, não existe no contrato internacional de transporte marítimo de carga, informado por cláusulas impressas, unilaterais, consideradas manifestamente abusivas pelo ordenamento jurídico brasileiro e de outros países.

Importando da Física a ideia do dos vasos comunicantes, o que se infere dessa condição é que, sem a voluntariedade plena, não há possibilidade de eleger a exclusividade do foro estrangeiro. A vontade autônoma é imprescindível para o aperfeiçoamento do negócio jurídico. Isso porque a validade e a eficácia da norma legal não são passíveis de discussão, mas as da cláusula que forma sua hipótese de incidência, sim. Para que a regra do art. 25, caput, possa se subsumir a um dado negócio jurídico, sobre este deve pairar a mais absoluta legalidade.

Em razão disso, trazemos aqui um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo[10]:

“Trata-se de contrato de adesão. E não há afastar, a estipulação de cláusula de eleição de foro, por não conter foro exclusivo, não desce à norma do “caput” do artigo 25 do Código de Processo Civil, como mesmo, em função do artigo 423 do CC (“Quando houver no contrato de adesão cláusula ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”), conforme a doutrina de Gustavo Tepedino e outros (“Código Civil Interpretado”, Vol. II, 2ª edição revista, Renovar, págs. 23/28), em caso concreto, “Torna-se necessário, pois, à luz deste art. 423 do CC, que se verifique ambiguidade ou contraditoriedade nas cláusulas de um contrato para que tal patologia seja sanada por meio do remédio prescrito pelo legislador, qual seja, a interpretação contra o estipulante. As noções são quase intuitivas: enquanto a ambiguidade pressupõe duas interpretações possíveis no âmbito de uma mesma cláusula, a contraditoriedade é suscitada pela multiplicidade de interpretações decorrente de cláusulas distintas”.

Além do mais, sem a participação e vontade do contratante na elaboração do foro de eleição, a estipulação, como posta, de multiplicidade na escolha do foro de eleição, e a critério único da vontade do transportador, traz ínsita a sua ilicitude e a nulidade. A cláusula de foro de eleição em contrato de adesão seria válida em situação distinta à dos autos, conforme a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, Confira-se: “A cláusula que estipula a eleição de foro em contrato de adesão é, em princípio, válida, desde que verificadas, a necessária liberdade para contratar (ausência de hipossuficiência) e a não inviabilização do acesso ao Poder Judiciário....”. (STJ, REsp 1.072.911/SC, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., j. 16.12.2008).“No julgamento do REsp 379949/PR, reiterou-se que a declaração de nulidade da cláusula de eleição de foro em contrato de adesão, mesmo em se tratando de relação de consumo, depende do reconhecimento da hipossuficiência da parte prejudicada, e que a eleição de foro seja 'capaz de dificultar seu acesso ao Judiciário'”.(3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi). No caso concreto, a nulidade da cláusula de eleição de foro é aferível de plano, porquanto prejudica a defesa da apelante, além de tudo o que esta relatoria já se permitiu pontuar a respeito.”

Assim, a cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro somente será alvo de pleno alcance da regra do artigo 25 se a sua forma e o seu conteúdo se ajustarem perfeitamente ao ordenamento jurídico brasileiro, sem qualquer vício ou abusividade.

Isso é especialmente relevante para o caso específico do Direito Marítimo, ramo que guarda muitos pontos de contato com o Direito Internacional e que é preponderantemente informado por relações jurídicas negociais instrumentalizadas por contratos de adesão.

Por isso enfatizamos, com base em convicções jusfilosóficas e na jurisprudência brasileira, anterior e posterior ao novo Código, que o instrumento contratual internacional de transporte marítimo de carga, o Bill of Lading, especialmente sua cláusula de imposição do foro de escolha exclusiva do armador, não se ajusta às regras que permitem eleição de foro e ao espírito do Direito Contratual atual.

E não se ajusta porque é contrato: 1) de adesão; 2) com vício da plena autonomia da vontade de uma das partes da relação jurídica; 3) baseado em normas e convenções internacionais não reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro; 4) com cláusulas manifestamente abusivas; e 5) sem simetria entre as partes.

No conhecimento marítimo de transporte, o instrumento do contrato internacional de transporte marítimo de carga, a cláusula de eleição de foro não é aquela que merece a chancela da cabeça do artigo 25 do novo Código de Processo Civil, mas a que abraça, e o aperta com carinho familiar, o conceito de cláusula hardship.

Exatamente por isso a jurisprudência jamais as reconheceu. Neste sentido, os transportadores marítimos amargam uma derrota contínua, quase tradicional. Os tribunais brasileiros sempre enxergaram nessas cláusulas formas abusivas e incompatíveis com o Direito brasileiro, afrontosas à soberania da jurisdição nacional.

Eis como as define Paulo Lôbo[11]:

“Consideram-se abusivas as cláusulas de contrato de consumo ou as condições gerais dos contratos que atribuem vantagens excessivas ao fornecedor ou predisponente, acarretando em contrapartida demasiada onerosidade ao consumidor ou aderente e desarrazoado desequilíbrio contratual. Por meio delas, o fornecedor ou o predisponente, abusando da atividade que exercem e da debilidade jurídica do aderente ou consumidor, estabelece conteúdo contratual iníquo, com sacrifício do razoável equilíbrio das prestações.”

Em síntese, é possível afirmar que uma cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro somente será válida e eficaz se: 1) respeitar o princípio da autonomia da vontade; 2) não se inserir em contrato de adesão; 3) respeitar todos os pressupostos essenciais do negócio jurídico perfeito; 4) não tiver abusividade de qualquer tipo; e 5) carecer de qualquer ilicitude, ainda que apenas segundo a ordem moral.

Certo é, pois, que o contrato internacional de transporte marítimo de carga não pode ver como válida e eficaz sua cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro. Ela está tomada, da cabeça aos pés, pelo desdém à vontade alheia, pela patologia do abuso jurídico, pelo véu da nulidade perfeita.

A cláusula de imposição de foro pelo armador, talvez por ironia chamada de eleição, é considerada abusiva e ilegal em relação ao credor insatisfeito, ao dono da carga, respeitando-se aí o conceito de contratante débil.

Conceito que pode e deve ser empregado em favor de quem, mesmo não sendo o contratante, exerce o direito de regresso por força do contrato de seguro de transporte de carga. Se há abuso e injustiça em relação ao dono da carga, muito mais haverá em relação ao segurador sub-rogado.

De fato, a situação se torna ainda mais complexa quando se leva em consideração a realidade prática do Direito Marítimo no âmbito judicial.

A maior parte das ações envolvendo os contratos internacionais de transportes marítimos de cargas é demandada por seguradoras, e não pelos consignatários de cargas, segurados.

A dinâmica é mais ou menos esta: o consignatário de carga (às vezes, o embarcador e exportador) contrata seguro do ramo de transporte internacional para cobrir os riscos de uma viagem marítimo. Diante de um sinistro, falta ou avaria, parcial ou total da carga, o segurador indeniza o segurado, proprietário da carga sinistrada, e sub-roga-se então na pretensão original deste contra o transportador marítimo, que não cumpriu fielmente a obrigação contratual de resultado. Por conta da sub-rogação e o direito de regresso, o segurador veste-se com o manto da legitimidade ativa ad causam e, mediante em provocação ao Estado-juiz, deflagra a disputa judicial.

A cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro no corpo do conhecimento marítimo é considerada abusiva, portanto, nula, relativamente ao segurado, embarcador e/ou consignatário da carga; e em sendo assim, é igualmente nula relativamente ao segurador. Se é nula para o mais próximo da relação negocial, também o será para aquele que dela guarda uma distância considerável.

Não pode o segurador legalmente sub-rogado na pretensão do segurado ser obrigado a obedecer à disposição de um negócio jurídico do qual não foi parte, em sentido estrito, e com o qual nunca anuiu. A ilegalidade, abusividade flagrante em relação ao aderente do contrato, revela-se ainda mais perniciosa e indevida ao segurador.

E nem se diga que a sub-rogação seja via de dupla mão. Ledo engano. A sub-rogação transmite legal e legitimamente direitos, mas não todos os deveres, sobretudo aqueles chancelados com os signos do vício, do defeito jurídico e da ilicitude.

Sobre a não oponibilidade ao segurador sub-rogado, também é antigo e tradicional o posicionamento jurisprudencial brasileiro: “A cláusula de eleição de foro constante de contrato de transporte ou do conhecimento de embarque é ineficaz quanto à seguradora sub-rogada no crédito da remetente, pois não está a seguradora na posição contratual da remetente segurada, detendo apenas o crédito desta.” [12]

Num dado litígio forense, na ação em cuja autoria esteja seguradora legalmente sub-rogada na pretensão do segurado (embarcador ou consignatário da carga), a eventual aplicação da cláusula, em prejuízo a seu ressarcimento, é tão apenas errada, daí a precisa e justa resposta jurisprudência, uniforme e muito consistente, bem representada no julgado abaixo destacado[13]:

Agravo de instrumento contra decisão que rejeitou exceção de incompetência apresentada pela Agravante na ação regressiva de ressarcimento que lhe move a Agravada perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital. Agravante que pretende o reconhecimento da competência de Cingapura, ou, caso assim não se entenda, das Comarcas de Contagem ou de Santos. Seguradora que busca o ressarcimento do valor de cobertura securitária paga em razão de inadimplemento de contrato de transporte marítimo internacional, sub-rogando-se no direito da segurada. Sub-rogação que não abrange a cláusula de eleição de foro pactuada em contrato do qual não participou. Precedentes do TJRJ. Competência que deve observar a regra geral do foro do domicílio do réu, tendo a Agravante filial na Comarca do Rio de Janeiro. Inexistência de prevenção do Juízo no qual tramitou o protesto interruptivo da prescrição. Desprovimento do agravo de instrumento.

A sub-rogação altera a situação fático-jurídica, exige tratamento diferenciado. Assim, ainda que tal cláusula contratual não fosse abusiva e, portanto, ilegal, jamais poderia projetar efeitos jurídicos contra o segurador sub-rogado, sob pena de ofensa do próprio negócio de seguro.

Sobre a importância da sub-rogação repete-se aqui os dizeres de Abel B. Veiga Copo[14], renomado jurista espanhol:

“La subrogación presenta, además, uma finalidad indirecta, a saber, evitar que el terceiro causante del daño pueda sustraerse a las consuecuencias jurídico económicas de su responsabilidade si al pagar o abonar la asseguradora el sinistro, este no tuviere la obligación de reparar el daño causado ante el imperio del principio indemnizatorio y el no enriquecimento del asegurado. La subrogatoria mitiga la liberación del responsable que de otro modo se esconderia en el contrato para no tener que reparar el daño infligido. Y el princípio indemnizatorio impede, mitiga a su vez que, em caso de que el danado asegurado decida reclamar directamente al terceiro reponsable, uma vez satisfecho o percebida la indemnización por parte del responsable, adolece de sentido la posibilidad de exigir a su vez la indemnización al assegurador al buscar uma transgresión del principio indemnitario y con él, um lucro o doble satisfación reparadpra por encima del daño real causado y efectivo.”

Ensina Veiga Copo[15] que: “El terceiro tiene la obligación de reparar um daño que causa pero es resarcido en primeira instancia por la asseguradora del assegurado. Repara porque es responsable civilmente de la producción del sinistro. La asseguradora indemniza porque está obligada contractualmente a harcelo dentro de los perímetros del riesgo asumido.”

Em respeito ao contrato de seguro de carga, a seguradora indeniza ao dono da carga a integralidade dos danos que nela surgiram durante o transporte. Por sua vez, armado pelo princípio indenizatório, passa a ter direito à busca por ressarcimento em regresso contra o transportador desidioso, exigindo dele não outra coisa senão o valor que pagou ao segurado. Eis o contorno universal da sub-rogação[16]:

“Los contornos de la subrogación

El derecho de subrogación de la entidade asseguradora en los derechos que a priori y al menos ex ante de percibir la indemnización o resarcimiento corresponden al asegurado por los daños causados por la acción u omisión de un terceiro responsable, es el corolario lógico a la efectividad del principio indemnizatório que rige, cuando menos, en los seguros contra daños.

(...)

Y dos son las finalidades de la subrogatio, de um lado, evitar la indemnidad del causante del daño si la asseguradora no pudiere regresar frente a él subrogándese en los derechos de la víctima assegurado y, de outro lado, evitar la duplicidade indemnizatória que podría percibir el assegurado se actuase indistinta y cumulativamente frente uno y outro.”

Quando uma seguradora busca o ressarcimento em regresso contra o causador do dano, defende não apenas o seu direito, mas a legitimidade dos interesses do colégio de segurados. Tendo-se em conta a função social que informa o negócio de seguro, defende também, ainda que reflexamente, os interesses de toda a sociedade, já que o êxito do ressarcimento impacta positivamente na saúde do seguro, e esta impacta positivamente na saúde dos negócios que nele se amparam.

Embora não seja a função principal do ressarcimento em regresso, nem mesmo a da própria responsabilidade civil, é possível dizer que a luta da seguradora alimenta a teoria do desestímulo. Induz possível boas práticas negociais, já que, punido o danador, o protagonista do prejuízo, não haverá para ele um meio de se beneficiar às custas da previdência alheia.

Sobre os efeitos da indenização decorrente da responsabilidade civil e a punição do danador, algo que também se vê na importância do ressarcimento em regresso, convém destacar o ensinamento de Eugênio Llamas Pombo[17]:

“Quienes propugnan aquella teoria continúan atribuyendo explicitamente a la indemnización una triple misión: 1) sancionar al dañador; 2) prevenir sucesos lesivos similares; y 3) eliminar los beneficios injustamente obtenidos a través de la actividad danosa. Pues bien, hay que señalar que la segunda no es propriamente una finalidade punitiva, sino más bien preventiva; y la terceira bien pudiera encuadrarse dentro de la teoría del enriquecimiento sin causa. (...)”

Há ainda mais importância no ressarcimento em regresso – e por isso inaceitável qualquer cláusula que de algum modo o prejudique – quando levada em consideração sua característica, bem observado por Llamas Pombo, de “eliminar los benefícios injustamente obtenidos a través de la actividad danosa”.

            E dilatamos um tanto mais o sentido das palavras do civilista espanhol para consignar que a eliminação dos benefícios injustamente obtidos pela atividade danosa também passa pelo não reconhecimento de cláusulas contratuais que objetivem diminuir a responsabilidade do danador ou inibir, por parte da vítima, o acesso à jurisdição conveniente.

            Por isso é que o ressarcimento em regresso, antes de ser um direito, é talvez mais um dever do segurador, seu gesto de lealdade para com os segurados em geral, por força do princípio do mutualismo, e para com a sociedade, haja vista a função social da atividade de seguro, junto da necessidade de se punir o danador.

            A sub-rogação e o ressarcimento em regresso unem-se como mecanismos jurídicos de proteção ao mutualismo, como bem sintetizou Marcos Alberto Lopes Antunes[18]: “A sub-rogação, então, marca o equilíbrio no contrato de seguro, pois garante o ressarcimento a seguradora, reduz a sinistralidade, labora em favor do fundo mútuo e, por conseguinte, diminui, significativamente os valores dos prêmios.”.

            Diante disso, a cláusula em estudo, abusiva em relação ao dono da carga, se mostra ainda mais ao segurador, não lhe sendo oponível de maneira alguma.

É possível então afirmar os seis pontos seguintes:

  1. A regra do artigo 25, caput, do novo Código de Processo Civil só atinge a cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro que constar de contrato harmônico com o sistema legal brasileiro, isento de vício ou abusividade; o que vale para o sistema legal brasileiro, vale para os de outros países. Mesmo antes dessa regra processual, o Direito brasileiro não reconhecia o foro unilateralmente imposto no contrato de transporte marítimo internacional de carga;
  2. Deve-se cobrar, antes de mais nada, o irrestrito respeito ao princípio da autonomia privada, um dos mais importantes pressupostos contratuais. A ausência da voluntariedade de uma das partes fere mortalmente a cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro, tornando-a ineficaz;
  3. Nula de pleno direito, ou no mínimo sem validade e eficácia, a cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro disposta em contrato de adesão, sobretudo em relação à parte obrigada a lhe aderir;
  4. No caso do conhecimento marítimo (instrumento do contrato internacional de transporte marítimo de carga), corpo de um contrato de adesão, formado por cláusulas impressas e dispostas unilateralmente pelo transportador marítimo (armador), a cláusula de eleição exclusiva de foro estrangeiro é abusiva, praticamente pacífico entendimento jurisprudencial que o reconhece, não sendo de se cogitar qualquer mudança de orientação por terem passado a vigorar o novo Código de Processo Civil e seu artigo 25 em especial. O que há de se cogitar é a ampliação da mentalidade jurisprudencial brasileira, que se repete no México e no Panamá, países americanos com destaque no Direito Marítimo, para os países europeus que tutelam bem o contratante débil, respeitam os direitos do credor insatisfeito, defendem princípios civis ou constitucionais como da reparação civil integral e do acesso à jurisdição, mas por conta de Convenções Internacionais de Direito Marítimo valorizam um contrato que em essência afronta seus sistemas legais em termos gerais.
  5. Além da inteligência sistêmica do Direito brasileiro, o próprio artigo 25, no seu § 2º, faz remissão a poderoso antídoto contra a abusividade, ou seja, o § 3º, do artigo 63; embora orientado ao réu, esse artigo pode e deve ser também aplicado ao autor de ação envolvendo questão relativa ao descumprimento do contrato internacional de transporte marítimo de carga. Nisso reside a eficácia do combate ao dirigismo contratual, às cláusulas abusivas, e da proteção do contratante débil, especialmente presente em sede de contrato de adesão.
  6. De qualquer modo, válida ou não, eficaz ou não, abusiva ou não, a cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional de transporte marítimo de carga não atinge o segurador que se sub-rogou na pretensão original do embarcador ou do consignatário de carga (segurado), vítima de conduta danosa do transportador e emitente do instrumento contratual, uma vez que não é parte da relação negocial, não sendo possível a atribuição de um ônus completamente estranho à formação de sua livre vontade.

Diante de tudo isso é que se defende a inutilidade da cláusula de eleição de foro no contrato internacional de transporte marítimo de carga, desde há muito tida como abusiva, e, portanto, ausente da hipótese do artigo 25, caput do novo Código de Processo Civil brasileiro, de uma forma ou de outra repetido em muitos outros sistemas legais, como os da Espanha, da Itália, de Portugal e da Alemanha, considerados alicerces dos sistemas dos países latino-americanos.

Nada deve mudar na parte que trata da jurisdição nacional, primaz e aplicável, sob pena de ofensa à garantia constitucional de acesso à Justiça e de eventual prejuízo à própria economia nacional. Isso em relação ao Brasil e aos países em geral. A maior parte dos ordenamentos jurídicos do mundo prevê o acesso à jurisdição como garantia fundamental constitucional; um foro que não seja o de preferência da vítima do dano só por ser validado por cláusula contratual se verdadeiramente eleito, se nascido da vontade desimpedida das partes contratantes.

Tudo o que se disse sobre o transporte marítimo cabe perfeitamente ao transporte aéreo. Seus arquétipos são muito similares.

Ademais, o que vale para a cláusula de eleição de foro, vale até com mais razão para a cláusula compromissória de arbitragem, cuja imposição se opera de maneira particularmente incômoda ao aderente. A arbitragem prevê como condição necessária a voluntariedade plena. Sem aquiescência formal da parte, não há senão uma deformação arbitral. Ao segurador sub-rogado, principalmente, por não lhe ser oponível a arbitragem de tal forma instituída. Não pode ele cumprir o que não prometeu. Mesmo se não disposta em cláusula adesiva, e formalmente aceita pelo segurado, impossível projetar-lhe os efeitos jurídicos ao segurador. Impedem-no razões de lógica jurídica, ordenança moral, e, no caso específico do Brasil, por conta do §2º, do art. 786 do Código Civil.

Eis um julgado recente do Tribunal de Justiça de São Paulo que afasta a arbitragem, demovendo-a do contexto segurador-transportador, conforme excelente decisão judicial colegiada do principal Tribunal brasileiro, relatada pelo eminente Desembargador e doutrinador de Direito Empresarial, Carlos Henrique Abrão[19]:

“Inaplicável, vale dizer, a convenção arbitral e previsões arguidas de legislação alienígena, isto porque a empresa estrangeira está sendo demandada por intermédio do representante e parceiro no Brasil para reembolso de indenização paga à segurada, sendo a cláusula de arbitragem instituída com esta, obrigando apenas as partes contratantes, a propósito do entendimento consubstanciado na Apelação Cível nº 0030807-20.2010.8.26.0562, sob relatoria do Desembargador J. B. Franco de Godoi.”

Sobre os temas da preferência da jurisdição nacional e da possibilidade de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, nada efetivamente mudou. E em razão disso nos vem à famosa frase de Il Gattopardo, romance de Tomasi di Lampedusa: “(...) se nós queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude (...)”.

O artigo 25 inovou, trouxe coisas boas ao Direito brasileiro, é verdade. Todavia, deixou intocadas as lides de Direito Marítimo, informadas em sua intimidade por relações contratuais de âmbito internacional. O que é ótimo. A jurisprudência já supriu muito bem as lacunas que a lei deixara, e com isso promoveu a Justiça, o melhor Direito, o bem comum. A manutenção do que há de melhor é, precisamente, o que sustenta a segurança jurídica e, sob ela, permite à Justiça consagrar-se. Traz-se aqui a experiência brasileira para o diálogo com outros ordenamentos jurídicos e, assim, evitar a abusividade clausular onde quer que apareça, em proteção ao dever de reparação civil integral, face à participação do transportador que causa danos, ou que inibe ao contratante débil o devido acesso à jurisdição de sua conveniência, algo que em quase todo o mundo é garantia fundamental constitucional, portanto muito acima de disposições contratuais e, mesmo, convenções internacionais.

III. CONCLUSÃO

Chegamos ao desfecho deste escrito, e há que se pôr ao papel algumas palavras que a ocasião exige, ainda que nos voltem à memória, com doce insistência, as palavras do grande Miguel de Unamuno[20], em A Agonia do Cristianismo: “Chego à conclusão deste escrito, porque tudo tem de concluir-se neste mundo, e talvez no outro. Porém isto conclui? Dependerá do que se entenda por concluir. Se concluir, no sentido de acabar, isto é começa ao mesmo tempo que conclui; se for no sentido lógico, não, não concluir”,

Terminamos; ainda que o tema siga em aberto, como quase tudo. Estamos certos de que ele ainda trará bastante discussão doutrinária e jurisprudencial, em que pese, a nossos olhos, quando voltados com atenção ao Conhecimento Marítimo, denunciem a abusividade que tão claramente ostenta. Tudo tem que ter uma conclusão, disse-o bem o eterno Reitor; assim, compete-nos concluir este trabalho. Não sem antes, todavia, lembrar dois detalhes de importância singular:

  1. Temos que este estudo é uma espécie de continuação do outro, exposto no trabalho de conclusão de especialização em Derecho del Seguro, do 45º. Curso de Pós-graduação em Direito da Universidade de Salamanca, quando tratamos da cláusula (abusiva) – no mesmo contrato internacional de transporte marítimo de carga – de limitação de responsabilidade (ou limitação tarifada), típica de dirigismo negocial. Naquela oportunidade também defendemos seu caráter ilícito e, portanto, sua invalidade e ineficácia, quando não absoluta nulidade. Tal remissão é importante porque entendemos, com muita segurança, que toda cláusula que impede o acesso à jurisdição é um mecanismo artificialmente jurídico com objetivo de esvaziar o direito da vítima do dano e destruir o dever de reparação civil integral.
  2. A exposição sobre os foros sem eleição adapta-se muito bem à discussão sobre a sua irmã, a arbitragem sem compromisso. Ambos os temas materializados por cláusulas em contrato de adesão, e, em especial, neste em estudo. Igualmente, o procedimento arbitral tem por pressuposto de validade a voluntariedade. Nenhum deles pode ser realizado sem a expressa, prévia e formal aquiescência da parte interessada. Arbitragem não se impõe: escolhe-se, sem forçá-la contra a parte relutante, num gesto de violência contratual. O dono da carga, contratante débil, não pode ser obrigado a participar de arbitragem, se não a houver escolhido antes. Nem o segurador sub-rogado, contra quem não cabe a arbitragem, mesmo se fosse querida pelo segurado em sua relação jurídica com um outro.

Não precisamos nos alongar muito. A condução do trabalho ao menos fez crer que é perfeitamente razoável e justo o repúdio às cláusulas de imposição de foro (e de arbitragem) em contratos internacionais de transporte marítimo de carga.

Apontamos, com base na experiência brasileira, o casuísmo contratual dos armadores, e como isso prejudica os direitos e interesses de donos de cargas, contratantes débeis, credores insatisfeitos; apontamos ainda como os seguradores sub-rogados podem se valer dos menos benefícios legais dos contratantes débeis, mesmo não sendo parte dos contratos de transporte, haja vista que diretamente prejudicados na busca dos ressarcimento pelas cláusulas em comento.

Ancorados nas experiências legal, doutrinária e jurisprudencial brasileiras, enfatizamos que essas cláusulas são abusivas e, portanto, manifestamente ilegais, inválidas, ineficazes, enfim, nulas de pleno Direito.

No exercício profissional da advocacia, sempre postulando em defesa dos legítimos direitos e interesses dos seguradores sub-rogados contra os armadores, este autor não se lembra de ter jamais perdido, em definitivo, um litígio em razão de limitação de responsabilidade ou imposição de foro estrangeiro; muito menos por arbitragem.

Nesse sentido, não são poucas as decisões judiciais no Brasil, monocráticas e colegiadas, que chegam à mesma conclusão deste trabalho.

Com efeito, há uma mudança de enquadramento jurídico quando um segurador sub-rogado pleiteia o ressarcimento em regresso contra o causador do dano que gerou indenização de seguro ao segurado, vítima. O Direito Marítimo passa a ser bem menos importante do que o Direito do Seguro. Mantém-se a primazia do Direito das Obrigações, evidentemente, mas sob outra roupagem.

O segurador sub-rogado tem direito de dispor, não pela natureza ontológica, mas por ficção legal, aliás bastante correta, das mesmas prerrogativas e dos mesmos interesses do contratante débil, da vítima do dano. Afinal, sempre que busca em Juízo o ressarcimento em regresso, defende mais do que apenas os seus direitos e interesses; por força do princípio do mutualismo, age como a espada e o escudo do colégio de segurados, diretamente, e da sociedade como um todo, indiretamente.

Isso é uma realidade jurídica tradicional no Brasil, a qual, porém, assume um colorido mais intenso com a nova visão do Direito de Danos, da Responsabilidade Civil, do Direito das Obrigações, do próprio Direito Civil, fortemente influenciado pelo Direito do Consumidor, nos quais são os elementos mais importantes a tutela do credor insatisfeito e a necessidade de se punir, com rigor, o causador de dano que maneja fonte de riscos.

O contrato de transporte internacional de transporte marítimo de carga implica obrigação de resultado, além de tratar de inegável fonte de riscos (como o famoso sinistro do navio Prestige nos faz lembrar o tempo todo), de tal modo que todo esse conjuntos de proteções é, antes de tudo fecundado no solo da Moral, e que melhor se ajusta ao Direito Natural.

Proteger o contratante débil também é permitir que use a jurisdição que melhor lhe aprouver, sem forçá-lo a renunciar à luta por seu direito. Proteger a vítima do dano é garantir a reparação civil integral do prejuízo. Proteger a dignidade do Direito, em sua mais pura essência, é punir com rigor o causador do dano.

Há, no caso específico do Brasil, em se tratando propriamente da sub-rogação, um elemento constitucional na equação, ditado pelo já comentado enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal, alterando consideravelmente a dinâmica do ressarcimento em regresso. Com isso, a responsabilidade civil do transportador marítimo de carga não é apenas disposta pelo Direito Civil, pelo Direito Comercial e pelo Direito Marítimo, mas também pelo Direito do Seguro e pelo Direito Constitucional.

Ora, no sistema legal brasileiro vigora o princípio da reparação civil integral, previsto no art. 944 do Código Civil, com ancoragem nos princípios e garantias fundamentais constitucionais, conforme o rol exemplificativo do art. 5º da Constituição Federal.

Como então admitir que uma mera cláusula de contrato, e ainda mais de contrato de adesão, tenha força para mitigar o dever de reparação civil ampla e integral, agindo em patente desfavor de um segurador sub-rogado?

O mesmo sistema diz que nenhuma norma, ainda que convencionada pelo segurado, pode importar redução desse Direito (art. 786, §2º, do Código Civil). Assim sendo, a cláusula que prejudica o exercício do direito na jurisdição do contratante débil, direto ou por ampliação lógica, é pura e simplesmente inaceitável.

O desafio atual é não permitir investidas legislativas na mudança do quadro geral do Direito no Brasil. Ou evitar distorções por novos paradigmas jurisprudenciais.

Outro desafio, mais ambicioso, é mostrar que o que se passa no Brasil, no México, no Panamá, bem como em outros sistemas legais e ordenamentos jurídicos, pode se passar no mundo todo, especialmente na Europa.

Alguns ordenamentos jurídicos como o do Reino Unido não gostam dessa visão. Preferem um contratualismo mais formal, literal, old fashion no que tange ao Direito Marítimo. Mas isso porque lhes interessa defender seus armadores. É uma visão quase estratégica. Por isso a resistência na adoção de mecanismos de proteção dos usuários dos serviços de transportes de cargas. Além disso, a quantidade de negócios que celebraram permite certa calibragem de interesses; isto é, sobrepõe a Economia ao Direito.

A realidade mundial é outra. A proteção dos donos de cargas e seus seguradores se mostra então importantíssima, senão imprescindível. Daí a necessidade de reconhecimento da natureza abusiva de parte substancial do clausulado do contrato internacional de transporte marítimo de carga.

Fruto da vontade unilateral do armador, e, afirmamos convictos, praticamente uniforme entre os players do setor, é um contrato com cláusulas que ferem profundamente os conceitos mais hodiernos de proteção do credor insatisfeito e do contratante débil. Em seu dirigismo, fere a visão contemporânea de Direito de Danos e de Responsabilidade Civil.

Em um tempo em que o Direito se aproxima da velha máxima do Codex do Imperador Justiniano que o definia como a “eterna e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu”, abandonada com o tempo pelo injustificado apego ao formalismo e a um conceito de imputação de responsabilidade com base na culpa, avoluma-se bastante o corpo de adeptos da responsabilidade pelo manejo de riscos, uma nova perspectiva sobre a responsabilidade objetiva.

Gostamos muito da frase usada por Eugenio Llamas Pombo, presente em seus livros, aulas e conferências, que em sua sabedoria e simplicidade, muito diz: al pan, pan; al vino, vino! A sentença se harmoniza com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Permite repensar o Direito em todo o mundo com base no que já ocorre em alguns países, como o Brasil. Um repensar que tem o objetivo de não mais aceitar no Direito Marítimo as cláusulas contratuais que limitem, a qualquer título, a responsabilidade do transportador protagonista de danos ou que dificultem o exercício do Direito por parte da vítima, obrigando ao uso de jurisdição menos favorável ou, mesmo, à perigosa arbitragem.

Quem causa dano tem dever de repará-lo integralmente. Quem é vítima tem o direito de lutar por seus interesses sem obstáculos de formalismo indevido, indesejado, jamais aceitos pela vontade. Nisso consiste um ideal de Justiça maior que o Direito Contratual, ao qual deve servir de fundamento de validade e vetor quase absoluto.

Quando da nossa conclusão do trabalho de habilitação ao título de especialista em Direito do Seguro, escrevemos sobre a cláusula limitativa de responsabilidade algo que cabe perfeitamente ao estudo da cláusula de imposição de foro, pois o eventual reconhecimento desta, em um caso concreto, pode e certamente gerará grande prejuízo à vítima do dano e, por outro lado, benefício injustificado ao seu causador. O que escrevemos tem certa carga de emoção, reconhecemos, talvez excessiva. Mas repetimos tais dizeres porque os consideramos perfeitamente adequados também a este contexto:

O Direito Canônico nos ensina: não basta ao fiel se arrepender sinceramente do seu pecado e dizer “mea culpa” para ver aperfeiçoado o sacramento da reconciliação. É preciso uma conduta efetiva de reparação, uma contrição de fato. E então, por mais que a responsabilidade civil tenha mudado de perfil e o conceito de culpa variado no tempo, a verdade é que nunca se deixou de punir eficazmente o causador do dano; seja para compensar de alguma forma a vítima, seja para o desestímulo de erros similares por parte dele e da sociedade em geral.

Pregado na cruz, Jesus Cristo viu no ladrão a seu lado um arrependimento sincero; o criminoso, acometido por uma intensa metanoia, havia sido capaz de ver, na figura macerada de um homem, a inefável majestade de um Deus. Ainda assim, Cristo não o isentou da pena — cruenta o quanto queira, mas justa segundo o sistema legal romano. Abriu a porta dos céus ao criminoso, que por reconhecimento do divino julgador acabava de fazer jus ao eterno idílio. Mas sua punição terrena não foi abonada; e, mesmo salvo, teve de pagar pelo mal que causou.

Reiteramos tais palavras e, com as justas particularidades, endereçamo-las aos clausulados de imposição de foro, ou de arbitragem, neste caso uma renúncia violenta de jurisdição. Se a vítima do dano (o credor insatisfeito, o contratante débil ou o segurador sub-rogado) não puder acessar sua jurisdição, exercendo nela a garantia constitucional que merece, como não ver nisso o cintilante triunfo do erro, a investida contra sua dignidade em benefício do ilícito?

As cláusulas são, todas, ilegais, inconstitucionais e até mesmo moralmente duvidosas, porque não respeitam a condição de contratante débil do consignatário de carga e, menos ainda, o mutualismo que informa o negócio de seguro, quando o reclamante não é mais o dono da carga, mas o segurador sub-rogado.

Nossa posição, reafirmamos, é fortemente embasada em positiva experiência profissional e nossa proposta é de que outros países, especialmente os mais importantes no cenário jurídico mundial, como Espanha, Itália, Alemanha, entre outros, não mais reconheçam a validade de tais cláusulas nem a incidência de normas de Convenções Internacionais de Direito Marítimo que as referendem, incompatíveis com as visões que os Direitos internos desses Estados e a da própria União Europeia têm sobre a nulidade das cláusulas abusivas, a proteção do contratante débil, a defesa do credor insatisfeito e a imputação de responsabilidade rigorosa ao que maneja fonte de riscos.

O Direito dos Transportes (Direito Marítimo) e sua relação com o Direito do Seguro reclamam novos tratamentos e harmonização com o Direito das Obrigações, o Direito Contratual e o Direito de Danos. Enxergamos um forte descompasso entre uns e outros em muitos sistemas legais, de tal modo que normas contratuais de proteção indevida ao armadores ainda subsistem.

O repúdio aos clausulados abusivos dos contratos internacionais de transportes marítimos de carga vai muito além das questões jurídicas e econômico-financeiras, mas abarca princípios e valores fundamentais, todos de enorme anseio social, os quais sulcam o Direito contemporâneo, cada vez mais íntimo do conceito de Justiça.

Para nossa incomensurável alegria, o entendimento que aqui defendemos ganhou força quando reverberado pelo renomado jurisconsulto Ives Gandra da Silva Martins, um dos maiores constitucionalistas do Brasil de todos os tempos, que em opinião legal solicitada por nós, elaborada para usos acadêmico e profissional, fez as seguintes e importantes afirmações, ora dispostas na forma de tópicos:

  1. “O segurador subrogado não integra o contrato de transporte, desconhece a cláusula de eleição de foro, que só lhe será comunicada, se e quando houver o sinistro por si reparado, gerando, daí, seu direito de regresso. Não lhe pode ser imposta cláusula de eleição de foro que não contou com sua anuência, sob pena de ofensa do direito individual fundamental de acesso à jurisdição.“(fl. 27)
  2. “A cláusula de eleição de foro é inválida também com relação ao segurado (tomador do serviço de transporte marítimo internacional de carga) pelos fundamentos supra aduzidos; O segurador sub-roga-se no crédito do segurado, mas não na sua posição jurídica no contrato firmado com o prestado do serviço internacional de transporte marítimo, especialmente no que toca a restrições processuais.” (fl. 27)
  3. “Sim, a cláusula de eleição de foro, nos contratos internacionais de transporte marítimo de carga, é abusiva porque imposta pela parte que detém posição comercialmente privilegiada em relação ao tomador do serviço, o hipossuficiente nessa relação. São poucos os armadores no mundo e atuam em mercado no qual não se pode falar em liberdade de escolha pelo dono da carga. Ademais, impor ao dono da carga foro alienígena é onerar, desproporcionalmente, o direito fundamental de acesso à jurisdição, prejudicando a prestação jurisdicional.” (fl.51)
  4. “Todas as considerações do presente trabalho relativas à cláusula de eleição de foro são ainda mais agudas, quando a hipótese versar sobre de compromisso arbitral. A doutrina ressalta “que a filosofia da arbitragem se relaciona exclusivamente com a questão da autonomia da vontade, sendo correto dizer-se que a Lei da Arbitragem teve apenas o propósito de regular uma forma de manifestação da vontade, ...”. Pretender impor procedimento arbitral sem formal, prévia e expressa aceitação é violar o direito fundamental de acesso ao Judiciário e a soberania nacionais.” (fl. 52)

E a conclusão do famoso jurisconsulto é uma espécie de resumo qualificado do nosso presente trabalho e um diadema a ser usado doravante em todas as nossas peças forenses em defesa do mercado segurador:

“Clara está, pois, a invalidade da cláusula de eleição de foro, nos contratos internacionais de transporte marítimo de cargas em face das seguradoras sub-rogadas, uma vez que:

  1. Trata-se de contrato de adesão, sem liberdade na pactuação da cláusula;
  2. O foro adotado nos conhecimentos internacionais de transporte implica não só inconveniente para aquele que precisar demandar judicialmente o armador, mas em verdadeiro impeditivo à jurisdição, afetando esse direito fundamental e, também, a soberania nacional;
  3. O segurador não é parte no contrato de transporte, não anuiu com a cláusula de eleição de foro;
  4. A sub-rogação da seguradora se limita aos aspectos materiais do crédito e não, aos aspectos procedimentais do contrato firmado entre o transportador e o tomador do serviço.” (fl. 36)

Terminamos esta conclusão, com o perdão pelo pleonasmo, este artigo, exatamente como findamos a introdução, lembrando que já tratamos em parte deste assunto em oportunidade anterior, por ser algo que nos acompanha profissionalmente, aproveitando deste dístico que já faz parte de nós: decíamos ayer, diremos mañana.

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[1] NA: reprodução do trabalho apresentado à Universidade de Salamanca, 46º. Curso de Pós-graduação em Direito, especialização em Contratos y Daños, TALLER 3, Sociedade de Riscos.

[2] Não à toa colocamos entre aspas a palavra eleição, pois o que existe é verdadeira imposição pelo armador, fazendo-o por meio de mecanismo adesivo e unilateral com abusiva e inconstitucional renúncia involuntária de jurisdição à vítima do dano contratual. Muito importante dizer, desde logo, que o que cabe para a suposta “eleição de foro (estrangeiro)” cabe também ao chamado “compromisso arbitral”, talvez até com maior gravidade, eis que ferida a voluntariedade, condição de admissibilidade, inafastável, da arbitragem.

[3] No mundo do Law in Action, os seguradores são autores da maior parte das ações civis contra os armadores por danos contratuais. Donos de cargas normalmente são titulares de apólices de seguro de transporte. Diante do dano, então, acionam seus seguros. Seguradores os indenizam e, a partir daí, buscam o ressarcimento. Surge neste momento uma outra dinâmica. E aos seguradores sub-rogados, não sendo partes do contrato, não se pode opor as normas contratuais do Conhecimento Marítimo (Bill of Lading), abusivas ou não. A equiparação ao contratante débil tem sentido, portanto, para coibir abusos e garantir, em homenagem ao princípio do mutualismo e da função social do seguro, a justiça no ressarcimento.

[4] POMBO, Eugenio Llamas, La nulidade de las cláusulas suelo, Ars Iuris Salmanticensis, Tribuna de Actualidade, Vol. 1, 11-17, Diciembre 2013, eISSN: 2440-5155

[5] Código de Processo Civil Comentado, p. 1379

[6] NA: nunca é demais nos reportarmos ao Direito Romano e ao Código Justiniano, com sua insuperável definição de Direito, quem se confunde com a de Justiça, ou seja: a perpétua e constante vontade de dar a cada um o que é seu.

[7] Curso de Direito do Consumidor, p.108

[8] Las Cláusulas Abusivas, Derecho & Sociedad, edición 34, Associación Civil, p. 151-164

[9] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. 2º ed. rev., atual., e ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p. 52

[10]Ap. nº 1009760-89.2018.8.26.0562 – TJSP – j. 22.11.18 – rel. Des. Hélio Nogueira

[11] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Contratos. 1º ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.135

[12] UJ 356.311 – TP – j. 7.5.87 – rel. Juiz Araújo Cintra

[13] 0031172-14.2007.8.19.0000 (2007.002.17947) - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. ANA MARIA OLIVEIRA - Julgamento: 28/08/2007 - OITAVA CAMARA CIVEL

[14] COPO, Abel B. Veiga, “Tratado del Contrato de Seguro”, 5ª. Edição, Tomo I, Cizur Menor (Navarra): Civitas, 2017, p. 1070

[15] Idem, ibidem

[16] COPO, Abel B. Veiga, Op. Cit., p. 1069)

[17]POMBO, Eugenio Llamas, “Reflexiones sobre Derecho de Daños: casos y opiniones”, Madrid: La Ley, p. 38

[18]ANTUNES, Marcos Alberto Lopes, A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DE COMPROMISSO ARBITRAL NA SUB-ROGAÇÃO LEGAL DA SEGURADORA, Trabalho de conclusão de curso (TFM) da 45ª. edição dos cursos de especialização em Direito da Universidade de Salamanca: Direito do Seguro.

[19] TJSP - Ap. n°1005569-68.2019.8.26.0011 - TJSP - j. 29/01/20 - Rel. Des. Carlos Abrão

[20] UNAMUNO, Miguel de, A Agonia do Cristianismo, Editora Danubio, Coleção Cultura Espanhola, Curitiba: 2017, p. 129