Vantagens da adesão automática a plano de previdência complementar
Mariana Monte Alegre de Paiva
Ana Luisa Rabello Santos
Sócia e estagiária de Pinheiro Neto Advogados
O Regime Previdenciário Complementar (RPC), previsto no artigo 202 da Constituição Federal, apresenta-se como um dos três pilares previdenciários brasileiros. Contudo, diferentemente do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), a previdência complementar possui caráter privado, contratual e facultativo. Em outras palavras, a previdência privada figura-se como um suplemento aos programas previdenciários de cunho oficial e obrigatório e, por esta razão, recaí ao indivíduo a decisão de aderir ou não a algum plano do regime complementar, seja ele do segmento aberto ou fechado.
No Brasil, cerca de 17 milhões de pessoas integram a população total do RPC, segundo o Relatório Gerencial de Previdência Complementar publicado no primeiro trimestre de 2023. No entanto, desse total, apenas 6,9 milhões de indivíduos aderiram ao regime, seja por meio das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), ou pelos contratos coletivos ofertados pelas Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC). Os dados disponibilizados pela PREVIC e FENAPREVI[1], respectivamente, revelam, portanto, que poucos são os empregados que aderem aos planos de previdência privada ofertados pelos seus empregadores na cesta de benefícios. A pergunta que se faz é: mas por quê?
A economia comportamental ajuda a entender este fenômeno. As descobertas empíricas do economista e pesquisador Daniel Kahneman evidenciam que muitos indivíduos agem com irracionalidade na hora de tomar decisões financeiras[2]. Isto é: apesar de racionalmente reconhecer a importância de poupar para o futuro, o ser humano tende a adiar ou mesmo evitar a adesão a um plano de previdência complementar devido a preocupações financeiras imediatas ou à crença de que a aposentadoria está muito distante para ser uma prioridade no presente. Além da procrastinação e do imediatismo, o baixo nível de alfabetização financeira da população também influencia na tomada de decisão.
A partir das premissas de que nem sempre o ser humano é racional e de que fatores subjetivos e culturais interferem em sua decisão, os economistas Richard Thaler e Cass Sustein introduzem a ideia do “nudge”, definido como o “empurrão” ou gatilho necessário para influenciar a decisão do indivíduo[3]. Valendo-se desse conceito, o Projeto de Lei nº 286/2016 e as propostas previstas pela SUSEP[4] para o segundo semestre de 2023 visam a estimular os trabalhadores a aderirem ao regime de previdência complementar no Brasil.
Dentre as medidas idealizadas, tem-se a inscrição automática do empregado ao plano de previdência privada ofertado pelo empregador no momento de sua contratação. Em outras palavras, ao invés de buscar pela vontade expressa do funcionário ao regime de previdência complementar, a proposta busca tornar o empregado automaticamente membro do plano de previdência privada tão logo seja formalizado seu vínculo empregatício com a empresa. Caso o indivíduo deseje cancelar sua inscrição no plano de benefícios, após determinado prazo de carência, ele deverá manifestar-se pela negativa da adesão ao patrocinador.
O mecanismo, portanto, inverte o ônus da decisão: ao invés de deliberar sobre a adesão ao plano, o indivíduo passa a decidir pela sua exclusão. No entanto, movido pela procrastinação, a tendência é de que o colaborador permanecerá inscrito no regime de previdência complementar sem que qualquer manifestação contrária seja feita.
O nudge promove, também, a educação previdenciária e a noção de poupança no cidadão, pois, quanto antes o trabalhador passar a contribuir para um plano de previdência complementar, maior será o potencial de crescimento de seus investimentos ao longo do tempo. Assim, a adesão automática ao RPC incentiva o empregado a percorrer o “caminho certo” desde o início da carreira, bem como desmistifica o estigma sobre poupança e investimentos no país.
Essa abordagem tem sido adotada em vários países ao redor do mundo como forma de reduzir a parcela de pessoas sem cobertura previdenciária e possibilitar o equilíbrio das contas públicas aos Estados. Países como Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido já mensuram os resultados positivos da implementação da adesão automática ao regime de previdência complementar, como, por exemplo, o fomento das economias nacionais por meio da poupança interna e a ampliação do benefício para milhões de trabalhadores.
No Brasil, contudo, a implementação do incentivo ao RPC ainda encontra alguns impasses interpretativos das normas. Isso porque, o artigo 202 da Constituição Federal, bem como a Lei Complementar 109/2021, atribuem ao regime de previdência privada o caráter complementar e facultativo. Partindo de uma interpretação estritamente literal dos dispositivos, os referidos termos conferem ao indivíduo o direito de aderir ou não ao regime previdenciário complementar, de modo que o cidadão não poderia ser compelido a integrar o regime sem sua expressa manifestação.
No entanto, a partir de uma interpretação lógica dos dispositivos mencionados, a nosso ver, a inscrição automática não violaria o direito de escolha do trabalhador, muito menos sua autonomia quanto a decisão de aderir ou não ao regime complementar de previdência.
Pelo contrário, com base no mencionado Projeto de Lei nº 286/2016, a permanência no plano não é obrigatória e o empregado tem 90 dias após a data da inscrição para desistir da adesão ao regime, com direito a ressarcimento integral dos valores pagos e correção monetária. Durante esse período, no entanto, ele faz jus à paridade do patrocinador e à proteção dos benefícios previdenciários não programados como pensão por morte, aposentadoria por invalidez e por longevidade.
Na nossa visão, portanto, as iniciativas que buscam implementar a adesão automática dos empregados ao regime previdenciário complementar não encontram óbices nos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, uma vez que respeitam o caráter complementar e facultativo da previdência privada. Além disso, o mecanismo tem o potencial de incentivar novos comportamentos, muito positivos no nosso ponto de vista, na sociedade brasileira, quais sejam: a educação previdenciária, o planejamento da aposentadoria e a busca por um futuro financeiramente estável, como já observado em outros países.
[1] DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS E DIRETRIZES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – DERPC. Relatório Gerencial de Previdência Complementar. 2023. Página 11. Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-complementar/mais-informacoes/arquivos/rgpc_supl_2023.pdf
[2] SUBSECRETARIA DO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR - SURPC. O Instituto da Inscrição Automática no âmbito do Regime da Previdência Complementar: o caso do segmento das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. 2018. Página 7. Disponível em: http://sa.previdencia.gov.br/site/2018/12/ESTUDO-INSCRICAO-AUTOMATICA-20-12_1_Publicacao.pdf
[3] SUBSECRETARIA DO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR - SURPC. O Instituto da Inscrição Automática no âmbito do Regime da Previdência Complementar: o caso do segmento das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. 2018. Página 8. Disponível em: http://sa.previdencia.gov.br/site/2018/12/ESTUDO-INSCRICAO-AUTOMATICA-20-12_1_Publicacao.pdf
[4]https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/previdencia-privada-planos-empresariais-podem-ter-adesao-automatica-ainda-em-2023/.