Operações de M&A: o que fazer com os planos de previdência complementar?
Mariana Monte Alegre de Paiva
Ana Luisa Rabello Santos
Manuela Pessanha Marques
Sócia e associadas de Pinheiro Neto Advogados
Pode não parecer, mas tão importante quanto discutir ativos, passivos, contingências ocultas, condições precedentes, cláusulas contratuais e valuation no âmbito de um M&A é endereçar planos de previdência complementar existentes nas empresas objeto da transação, podendo ser esta questão, inclusive, um deal breaker, especialmente quando envolvem planos fechados administrados por Entidades Fechadas de Previdência Complementar (“EFPC”).
Muitas dúvidas a respeito da interrupção ou da continuidade dos planos surgem, em particular quando o comprador pretende adquirir a participação societária de empresa patrocinadora de plano fechado.Apesar de a administração dos recursos e o pagamento dos benefícios estar nas mãos da EFPC, há muitos pontos a serem discutidos. O comprador automaticamente assume o dever de contribuir ao plano? O comprador pode se recusar a ofertar esse plano? Pode ofertar outro plano? Os recursos até então investidos poderão ser resgatados pelos empregados? E quem já se aposentou e está na condição de assistido?
A legislação, contudo, traz respostas a todas essas indagações e prevê diversos caminhos que podem ser seguidos com segurança jurídica, como por exemplo: (i) o comprador pode eventualmente assumir o patrocínio e manter o plano; (ii) é possível optar pela retirada do patrocínio; (iii) é factível ofertar outro plano de previdência, inclusive um PGBL ou VGBL, aos empregados; (iv) é também factível considerar a cisão do plano, dentre outras opções. Para qualquer um dos casos, além da legislação vigente, é imprescindível verificar condições, requisitos e prazos de carência previstos nos documentos que regem a relação contratual (como estatuto da EFPC, convênios de adesão, regulamentos dos planos etc.).
Esses caminhos vão depender também da relação empregatícia envolvendo os participantes do plano diante do M&A. Dependendo da estrutura societária, os empregados podem ser mantidos na empresa, com alteração apenas do controle societário. Mas é relativamente comum que os empregados sejam transferidos para outra empresa, detida pelo comprador, ou mesmo que tenham contrato rescindido e sejam contratados por outra empresa do comprador.
Há casos em que o comprador, por meio de nova empresa ou pela empresa adquirida, decide pelo patrocínio do plano existente. É preciso verificar se, uma vez mantida a personalidade jurídica da patrocinadora atual, é possível mantê-la na condição de patrocinadora. Note-se que há muitas situações em que podem figurar como patrocinadoras de uma EFPC apenas empresas do mesmo grupo econômico. Se for o caso de admissão de uma nova patrocinadora, é necessário verificar as condições para sua entrada, sendo que, em geral, o ingresso da nova patrocinadora deverá ser apreciado e expressamente aprovado pelos órgãos deliberativos da EFPC, compostos por representantes das patrocinadoras e dos participantes/assistidos, além da posterior chancela da PREVIC.
No entanto, em várias situações, o comprador não se interessa pelo patrocínio por uma série de fatores. Por exemplo, tem receio quanto à saúde financeira da EFPC e de possíveis impactos em caso de déficit atuarial, ou mesmo há preocupação em relação à eventual solidariedade por passivos de outras patrocinadoras do plano.
Se o caminho for a retirada de patrocínio, frise-se que a Lei Complementar nº 109/2001, a Resolução CNPC nº 59/2023 e aResolução PREVIC nº 25/2024, dentre outras regras, regulamentam os procedimentos necessários para esta operação. Segundo a legislação vigente, a entidade patrocinadora deve apresentar o motivo do pleito da retirada e declaração que ateste que todas as obrigações financeiras referente a sua participação na EFPC foram cumpridas. Em seguida, os órgãos estatutários e os patrocinadores remanescentes, bem como os participantes e assistidos, devem ser notificados do teor de sua saída. Os documentos devem ser enviados à PREVIC, que tem a responsabilidade de analisá-los e de decidir se o procedimento adotado para a retirada do patrocínio está de acordo com a sua regulamentação. Em caso positivo, a empresa deve operacionalizar o plano de retirada. Essa alternativa envolve certa burocracia e leva tempo, exigindo que, até a retirada oficial, deveres e direitos envolvidos sejam endereçados contratualmente no caso de um M&A.
No que tange à cisão do plano, é possível cindir parte do plano da EFPC e direcioná-la a outro fundo de pensão, novo ou já existente. Para isso, é necessário disponibilizar a proposta de cisão aos participantes e assistidos, com todos os documentos pertinentes, e comunicar os patrocinadores e EFPC sobre a proposta. Os documentos devem ser enviados para análise pela PREVIC, para que se posicione e decida se aprova ou não a cisão. Caso haja decisão favorável, a EFPC deve operacionalizar a cisão do plano e comprovar a finalização de sua participação. Essa situação também implica certa burocracia e tempo, havendo igual necessidade de prever, contratualmente, regras aplicáveis enquanto não finalizada a cisão no contexto de um M&A.
É importante destacar que o plano de previdência complementar não integra o contrato de trabalho, conforme jurisprudência consolidada, de modo que eventual modificação ou supressão do benefício do plano de previdência não seria indevido, embora tenha grande repercussão para os empregados na condição de participantes / assistidos do plano até então ofertado pelo empregador, podendo gerar até litígios judiciais.
Em razão disso, o artigo 14 da Lei Complementar nº 109/2001 faz algumas ressalvas em favor dos participantes / assistidos. Dentre elas, a lei impõe que os planos tenham previsões quanto: (i) ao benefício proporcional em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador; (ii) à portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano, seja aberto ou fechado; (iii) ao resgate da totalidade das contribuições investidas pelo participante; e (iv) ao autopatrocínio do plano no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida.
Certamente essas são decisões extremamente importantes na fase negocial do M&A, que impactam diretamente todos os envolvidos. Por isso, é fundamental que haja comunicação transparente entre todas as partes, que todos os cenários sejam cuidadosamente analisados e que todos os procedimentos sejam seguidos rigorosamente, evitando futuros questionamentos, seja em âmbito contratual ou mesmo judicial.
(Em abril de 2025)