Mariana Paiva1

Mariana Monte Alegre de Paiva

Mariana Monte Alegre Paiva: Sócia de Pinheiro Neto Advogados, atua na área tributária e previdenciária com ênfase em consultivo e contencioso administrativo e judicial, pincipalmente em questões relacionadas à previdência complementar aberta e fechada. Formada em Direito pela FGV DIREITO SP em 2009. Pós-graduada em Economia pela FGV-EESP em 2013. Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP em 2018. Indicada no Análise 500 de 2017 como advogada tributarista no setor de máquinas e equipamentos. Shortlisted na categoria “Rising Star in Tax” na Women in Business Law Americas Awards 2020. Premiada pela Análise Advocacia 2021 – Edição Mulheres Mais Admiradas como advogada previdenciária. Indicada como “Best Employee Benefits Lawyer” no The Best Lawyers in Brazil – 2022.

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Como a tributação de planos de previdência complementar ao redor do mundo pode inspirar o Brasil?

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Mariana Monte Alegre de Paiva
Selton Laurenti Preto
Sócia e associado de Pinheiro Neto Advogados

No Congresso Nacional atualmente tramita o Projeto de Lei nº 5503/2019, de autoria do Senador Paulo Paim (PT-RS). Após aprovação pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT), o Projeto agora aguarda parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Esse Projeto de Lei propõe alterar a legislação do Imposto de Renda para possibilitar que participantes e assistidos de planos de previdência complementar possam optar pelo regime progressivo ou regressivo apenas quando da obtenção do benefício ou do primeiro resgate dos valores acumulados.

Vale lembrar que hoje a legislação prevê que a escolha pelo regime deve ser feita até o último dia útil do mês subsequente ao momento de adesão ao plano, não havendo possibilidade de modificação da escolha feita. A diferença entre os regimes é que (i) no progressivo, a alíquota é definida conforme as faixas de rendimentos, variando entre 0 a 27,5%, enquanto que (ii) no regressivo, a alíquota inicia-se em 35% e decresce conforme aumenta o tempo, podendo chegar ao mínimo de 10% para os valores acumulados ao longo de 10 anos.

Nesse sentido, o PL se mostra como uma tentativa exemplar de estimular e valorizar a cultura previdenciária de investimento de longo prazo e acumulação de poupança, princípios basilares que norteiam a lógica do mercado de previdência complementar. Afinal, diferir a escolha do regime tributário para um momento em que o participante ou assistido tenha maturidade suficiente e possa ponderar qual o melhor regime no seu caso específico se mostra muito mais razoável.

O Projeto de Lei em questão ainda propõe a criação de 2 novas faixas de alíquotas, quais sejam: 5% para recursos com prazo de acumulação acima de 12 anos até 14 anos e 0% para recursos com prazo de acumulação superior a 14 anos.

Incentivar por meio da progressividade de alíquotas que os recursos sejam mantidos para formação de poupança de longo prazo, ao reduzir as alíquotas conforme o maior prazo de acumulação, também nos parece bastante louvável.

O PL ainda deve passar pela aprovação da CCJC e, posteriormente, deve retornar ao Senado, dadas as alterações sofridas para inserção das novas alíquotas, para somente após aprovação passar pela sanção do Presidente da República.

Nesse contexto, vale um breve exercício de comparação: como os demais países tratam a tributação do Imposto de Renda?

De acordo com Edward Whitehouse, em seu artigo “The Tax Treatment of Funded Pensions”[1] , há quatro diferentes modelos de tributação possíveis, decorrentes da tributação integral (tax – T) ou isenção (exempt – E) em três momentos, a saber (i) nos aportes feitos pelos participantes; (ii) nos rendimentos de investimentos geridos pelas entidades de previdência complementar e (iii) nas retiradas dos valores a título de benefícios.

A importância das definições de Whitehouse está no fato de que a escolha pela tributação ou isenção nas diferentes etapas define um maior incentivo ou não à adesão a planos de previdência complementar. Por exemplo, em um sistema com isenção somente nos aportes, mas com tributação sobre os rendimentos, o estímulo à adesão será possivelmente menor, já que indica que os benefícios sofrerão redução futura de valor.

Com esses conceitos em mente, vale analisar brevemente as diferentes metodologias tributárias empregadas ao redor do mundo.

Segundo relatório da OCDE de 2021 (“Financial incentives for funded private pension plans”)[2] , a parcela majoritária dos países integrantes da organização utiliza o modelo exempt-exempt-tax (“EET”), ou seja, com tributação apenas na última etapa, em que há o gozo dos benefícios. Um exemplo é o Reino Unido, em que só ocorre a tributação no momento de retirada dos recursos acumulados. Ademais, além de introduzir um sistema atrativo à população, ao analisar mais a fundo, percebe-se a introdução de mecanismos auxiliares, desviando de um modelo EET “puro”, com a presença de uma quantia livre de tributação (25% dos aportes), e o favorecimento ao empregador nas contribuições patronais devidas ao Seguro Nacional (NCI).

Sendo o segundo maior mercado de previdência complementar do mundo, a alta adesão aos planos no Reino Unido é altamente benéfica à economia, sendo utilizada até mesmo para o combate à inflação, como visto com recente compromisso firmado entre Jeremy Hunt, Ministro das Finanças britânico, e entidades de previdência complementar para investimentos em empresas nacionais de alto crescimento[3].

Nos Estados Unidos, que possui um dos maiores e mais complexos sistemas de previdência privada, há inúmeros benefícios fiscais concedidos, como a previsão de créditos tributários não-reembolsáveis (Saver’s Credit) aos indivíduos que realizam aportes, com valores do crédito variando entre de 50%, 20% ou 10% dos valores, até um máximo de USD 2.000 (USD 4.000 se declarado como casal), dependendo da renda bruta ajustada do indivíduo.

Na Espanha, em junho de 2022, foi aprovada a Lei nº 12 como mecanismo de facilitação da adesão e impulsionamento dos planos de previdência complementar, adotando, entre outras medidas, a elaboração de um novo incentivo fiscal, que beneficia especialmente a poupança de rendas médias e baixas e incorpora os jovens de forma mais eficaz, visando ainda ampliar os limites fiscais do Imposto de Renda para os aportes em planos de previdência[4].

Por fim, cumpre citar o caso da China, o país com o maior crescimento econômico na última década. De acordo com análise feita por Lewis Lu, da KPMG China[5], há uma forte tendência de investimento e desenvolvimento do setor de previdência privada chinês, principalmente com a adoção de atrativos e benefícios tributários. Em 2022, por exemplo, o Ministério de Recursos Humanos e Seguridade Social, a Administração de Tributação do Estado (STA) e o Ministério das Finanças (MOF) adotaram medidas importantes, como a possibilidade de dedução do Imposto de Renda Individual para pensões privadas e dentre outros pontos, (i) a isenção do Imposto de Renda sobre o investimento acumulado na conta de pensão privada pessoal e (ii) a tributação em uma alíquota menor (apenas 3%) para retiradas de planos.

Esse breve panorama evidencia o contraste de tratamento tributário oferecido nos demais países em comparação ao Brasil e a necessidade de debatermos mais o tema em buscar de mecanismos tributários para incentivar à maior adesão aos planos de previdência, como bem pretende o Projeto de Lei nº 5503/2019. Mudanças desse tipo não devem ser vistas como mero avanço limitado ao mercado de previdência complementar, mas muito mais, como verdadeiros mecanismos que impactam o desenvolvimento social, afetando positivamente toda a economia.

[1] Disponível em:
https://www.oecd.org/finance/private-pensions/2391559.pdf

[2] Disponível em:
https://www.oecd.org/finance/private-pensions/Financial-Incentives-for-Funded-Pension-Plans-in-OECD-Countries-2021.pdf

[3] Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/reino-unido-espera-aporte-bilionario-de-fundos-de-pensao-para-impulsionar-economia/

[4] Disponível em:
https://www.oecd.org/finance/private-pensions/promoting-occupational-pension-plans-in-spain.htm

[5] Disponível em:
https://www.internationaltaxreview.com/article/2b1qko5kf2wb1mqrxjf28/sponsored/china-introduces-tax-deductions-for-private-pensions

27.08.2023