As novas regras de tributação dos planos de previdência complementar: antigas distorções são corrigidas enquanto novas preocupações surgem
Mariana Monte Alegre de Paiva
André Torres
Sócia e associado de Pinheiro Neto Advogados
Em 10.1.2024, foi publicada a Lei nº 14.803, que atendeu a um pleito antigo do setor de previdência complementar para permitir aos participantes e assistidos de planos de benefícios que possam optar pelo regime de tributação – progressivo ou regressivo – até o momento da obtenção do benefício ou da realização do primeiro resgate dos valores acumulados.
Historicamente, a tributação dos planos de benefícios subordinava-se à tabela progressiva do imposto de renda – quanto maior o valor do resgate ou do benefício, maior a alíquota do imposto, até o limite máximo de 27,5%. No entanto, a partir de 2005, com a publicação da Lei nº 11.053/2004, os participantes e assistidos passaram a ter o direito de optar, excepcionalmente, pelo regime regressivo de tributação. Esse regime prevê um escalonamento decrescente de alíquotas proporcionalmente ao tempo de contribuição do participante, que é calculado a partir de critérios estabelecidos pela Receita Federal do Brasil na Instrução Normativa nº 524 de 2005, a qual, essencialmente, adota uma média ponderada, sopesando-se os valores de cada aporte feitos ao longo tempo com o tempo de acumulação transcorrido.
Embora a criação do novo regime em 2005 tenha buscado permitir aos participantes ou assistidos a opção pelo regime de tributação que lhes fosse mais favorável, a depender de cada situação concreta, a legislação, nos moldes em que até então vigente, dificultava de certa forma a melhor escolha. Isso porque a Lei exigia que os participantes exercessem a opção pelo regime regressivo, se fosse o caso, logo após a contratação do plano (até o último dia útil do mês subsequente ao do ingresso nos planos de benefícios). Caso o participante não exercesse a opção nesse prazo, permaneceria indefinidamente no regime progressivo de tributação, ao passo que, uma vez realizada a opção, haveria possibilidade de retratação, isto é, de retorno ao regime progressivo.
Essa limitação temporal ao exercício da opção acabou se revelando muito rígida e incompatível com a imprevisibilidade de inúmeros aspectos da vida humana – tais como casamento, divórcio, progressões de carreira, ganhos extraordinários, falecimento, etc. Isso porque a definição de qual regime de tributação será mais favorável em cada situação concreta envolve elementos que escapam aos pressupostos de previsibilidade e planejamento.
Nesse contexto, a publicação da nova Lei, ao transpor o termo final do exercício dessa faculdade para o momento da realização do primeiro resgate ou da obtenção do benefício, vem, finalmente, propiciar a escolha mais vantajosa ao participante, garantindo maior flexibilidade ao participante.
Embora não haja dúvidas quanto à aplicabilidade das novas regras aos planos contratados após a publicação da nova Lei, possíveis questionamentos tem surgido em relação aos planos já existentes, especialmente no que se refere à operacionalização das novas regras pelas entidades de previdência e seguradoras.
A nosso ver, a alteração legislativa deveria ser aplicável a todos os planos de benefícios – não apenas aos futuros, mas, também, aos atualmente vigentes, estejam eles sujeitos ao regime regressivo ou progressivo, sob pena de, caso contrário, estabelecer-se um quadro grave de quebra de isonomia.
Mas há alguns aspectos que a nova Lei não endereçou de forma totalmente clara, tais como, por exemplo, como será possível o cálculo do tempo de acumulação daqueles participantes que, atualmente, encontram-se no regime progressivo e virão a migrar para o regime regressivo. Isso porque, como a definição da alíquota do imposto de renda no regime progressivo independe do tempo de acumulação, as entidades e seguradoras não estavam obrigadas a manter o controle das informações necessárias à realização desse cálculo, o que se torna ainda mais desafiador nos casos em que o participante exerceu a portabilidade entre planos ou patrocinadores.
Outro aspecto reside na definição da forma pela qual serão operacionalizadas, inclusive no que se refere ao cumprimento de obrigações acessórias, as situações em que o participante possui mais de um beneficiário e cada um deles venha a optar por um regime de tributação distinto no momento do recebimento do benefício.
Ainda, dúvidas surgem no que tange a situações em que já houve, antes da edição da Lei nova, resgates parciais, inclusive determinados por ordem judicial, sem que tenha havido voluntariedade por parte do participante ou assistido.
Esses e outros questionamentos de ordem prática já vem sendo apontados e, em relação a muitos deles, não há meios de se alcançar uma solução definitiva enquanto não promovida pela Receita Federal a atualização das suas normas regulamentares – especialmente a Instrução Normativa nº 588/2005, que normatiza os procedimentos de tributação dos planos de benefícios previstos na Lei nº 11.053/2004 e, até o momento, ainda não reflete as novas regras trazidas pela Lei nº 14.803/2024.
De toda forma, a nova Lei, publicada no início do ano prevendo vigência imediata na data de sua publicação, traz um avanço importante na preservação dos interesses securitários e previdenciários dos participantes e assistidos, permitindo uma tributação mais justa e racional. Agora vale esperar que a Receita Federal rapidamente promova a regulamentação a fim de assegurar a aplicabilidade das novas regras em sua máxima extensão, garantindo maior segurança jurídica ao setor.
Em 01.03.2024