Joo Marcelo Carvalho

João Marcelo Carvalho

Sócio do escritório Santos Bevilaqua Advogados. Graduado em Direito e em Ciências Atuariais, com Mestrado em Direito e MBA em Administração Financeira.



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Análise da decisão do STJ sobre a exclusão da partilha de saldo em EFPC

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Nos últimos dias, muito tem se falado acerca de decisões do Superior Tribunal de Justiça que dispuseram sobre a partilha de saldos mantidos em entidades de previdência complementar. Primeiramente, o STJ decidiu (decisão "a" e decisão "b") que valores depositados em planos de entidades abertas de previdência complementar - EAPC deveriam ser partilhados em caso de término do casamento ou da união estável, e, em seguida, a Corte julgou caso envolvendo entidade fechada de previdência complementar - EFPC, chegando a decisão oposta.

Essa última decisão foi bem recebida pelo segmento de previdência complementar fechada, posto que demonstrou o reconhecimento, pelo Poder Judiciário, do caráter previdenciário das reservas para aposentadoria constituídas em entidade fechada. Contudo, é preciso ter em conta que o julgamento analisou situação bastante específica, que será exposta a seguir.

Embora não se tenha acesso ao inteiro teor da decisão, pelo fato de o processo tramitar em segredo de justiça, o relato tornado público pelo STJ acerca do julgado permite concluir que, no caso em questão, o ex-marido, no âmbito de um processo de retirada de patrocínio, optou pelo recebimento, em parcela única, do montante que lhe foi atribuído na referida operação, o que ensejou o requerimento, pela ex-esposa, da metade do valor.

Aliás, um dos elementos que formaram a convicção da Min. Isabel Gallotti, relatora do processo, foi justamente o fato de o resgate ter decorrido de fato alheio à vontade do ex-marido. Isso porque, em decorrência da retirada requerida pelo patrocinador, o ex-marido, que já era assistido no plano de previdência complementar, teria as opções asseguradas pela Resolução CNPC nº 11/2013, podendo transferir para uma outra entidade de previdência o montante que lhe cabia na retirada (ocasião em que passaria, segundo consta do relato sobre o julgado, a fazer jus a uma renda mensal menor) ou receber o recurso em parcela única (alternativa escolhida).

Esse recebimento de valor em parcela única em decorrência de retirada de patrocínio não constitui, a rigor, o resgate de que trata o art. 14, III, da Lei Complementar nº 109/2001. A Ministra Relatora utilizou a expressão “resgate” em seu sentido lato, demonstrando conhecer a distinção entre esse instituto e o recebimento de recursos decorrente de retirada de patrocínio, conforme trecho de seu voto transcrito na notícia sobre o julgado:

“(...) tal resgate consistiu no recebimento, de uma só vez, dos proventos de aposentadoria a que, conforme cálculos atuariais, faria ele jus ao longo dos anos. (...) [A] partilha desses valores equivaleria a incluir na meação os próprios proventos de aposentadoria.

A análise da Ministra, a nosso ver, é irreparável. Contudo, as especificidades em torno desse caso não permitem estender esse entendimento do STJ a qualquer caso que envolva o requerimento de partilha de reservas formadas em entidades fechadas de previdência complementar.

Prova disso é que a Ministra, em outro trecho transcrito de seu voto, afirma que o resgate na previdência fechada possui “regras restritivas que impedem sua utilização a qualquer tempo, circunstância que afasta a liquidez própria das aplicações financeiras”. Inferimos que a regra restritiva citada seja a necessidade de perda de vínculo empregatício para o exercício do resgate, restrição essa que não existe em planos instituídos e que, a partir de 2023, poderá, em parte, ser relativizada em planos patrocinados, em função da entrada em vigor da Resolução CNPC nº 50/2022.

Acrescenta-se que em um dos julgamentos que analisou a questão sob a ótica das EAPC, a Min. Nancy Andrighi enfatizou que a previdência privada aberta dá ao “investidor (...) amplíssima liberdade e flexibilidade [para] deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida” e que tais planos não apresentariam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada (e que, em sua visão, constituem óbices à partilha).

Essas decisões demonstram uma evolução na compreensão, pelo Poder Judiciário, das características do sistema de previdência complementar e suas diferenças entre os regimes fechado e aberto. A evolução de planos coletivos no âmbito das EAPC e flexibilização das regras dos planos (especialmente os instituídos) no segmento das EFPC têm, contudo, gerado mutações nessas diferenças, de sorte que a eventual ampliação do alcance da decisão sobre a partilha em EFPC para outros casos dependerá não somente das circunstâncias do caso em julgamento, mas também da evolução das características do sistema de previdência complementar no Brasil.

Em março de 2022