Joo Marcelo Carvalho

João Marcelo Carvalho

Sócio do escritório Santos Bevilaqua Advogados. Graduado em Direito e em Ciências Atuariais, com Mestrado em Direito e MBA em Administração Financeira.



artigos colunistasLeia todos os artigos

Previdência complementar do servidor público: tendências e preocupações

Voltar

Em 2013, o sistema de previdência complementar brasileiro entrou em uma nova era: a dos planos de previdência complementar destinados a servidores públicos. Naquele ano, iniciaram-se, efetivamente, as operações das quatro primeiras entidades fechadas de previdência complementar dessa natureza: as federais Funpresp-Exe e Funpresp-Jud e as estaduais SP-Prevcom e RJPrev.

Nos anos posteriores, seguiram-se as criações de entidades de outros estados (Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e diversas outras estão por vir. Dados da Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar demonstram que apenas sete unidades da federação não iniciaram, pelo menos, debates para implementação de uma entidade provedora da aposentadoria complementar de seus servidores.

Se o ano de 2013 marcou o início das entidades de natureza federal e estadual, o ano de 2018 ficará marcado pelo início dos planos de âmbito municipal, uma vez que a Previc aprovou, neste mês de março, o estatuto da Fundação de Previdência Complementar do Município de Curitiba (CuritibaPrev). Outras cidades, com destaque para São Paulo, também estão em avançadas tratativas para tanto.

Um outro marco deste ano de 2018 são as discussões relativas à migração de regimes previdenciários pelos servidores públicos. No âmbito da união, as Funpresps estão diante do prazo de 28 de julho, no qual se encerra a oportunidade de servidores que ingressaram antes da criação dessas entidades - e que, por isso, permaneceram no regime tradicional de previdência dos servidores públicos - abdicarem de seu direito, optando pela adesão à previdência complementar.

Já a SP-Prevcom anunciou recentemente que estuda, por demanda de seus servidores, abrir migração nos moldes feitos pelas Funpresps, facultando aos servidores antigos a troca de seus direitos atuais pela possibilidade de ingresso no regime complementar de previdência, fazendo jus à contrapartida patronal contributiva.

O fato é que, em cinco anos, essas entidades acumularam, conjuntamente, mais de R$ 2 bilhões e trilham o caminho para serem protagonistas do sistema de previdência complementar brasileiro. Aliás, é isso que ocorre em diversos países do mundo, onde trabalhadores do serviço público e privado têm de recorrer a fundos de pensão para prover o complemento de suas aposentadorias.

Prova disso é que o maior fundo de pensão do mundo é o japonês Government Pension Investment Fund (ou, se preferir, pode chamar de 年金積立金管理運用独立行政法人), que gere recursos superiores a US$ 1,2 trilhões ou, aproximadamente, R$ 4 trilhões. Isso equivale a 25 vezes o maior fundo de pensão brasileiro: a Previ. No ranking das maiores entidades de previdência complementar do mundo, o fundo japonês é sucedido por outras organizações estatais de diversos países, com destaque para Noruega, Estados Unidos, Coreia do Sul, Holanda, China, Canadá e Singapura. Na maioria deles, a adesão automática está presente, o que também tem sido adotado em alguns fundos de pensão voltados a servidores públicos brasileiros.

Não há dúvidas de que a solução do modelo previdenciário brasileiro passa pela previdência complementar. Porém, embora tenhamos uma tendência de forte crescimento nesse segmento, há alguns obstáculos que devem ser conhecidos.

Primeiramente, tem-se que ter em mente que o regime complementar de previdência é aplicável a servidores públicos que recebem salários superiores ao teto do INSS (atualmente de R$ 5,6 mil). Isso porque a Constituição Federal facultou a criação de tais regimes apenas para dar cobertura à parcela que supera esse valor, ficando o que estiver abaixo desse limite sujeito à cobertura pública tradicional.

Assim, só se justifica a criação de uma estrutura de previdência complementar nos entes da federação que tiverem uma quantidade relevante de servidores que ganhem acima desse limite. Afinal, trata-se de mais um órgão que, a despeito de ser privado, conta - direta ou indiretamente - com recursos públicos para o seu funcionamento. Nesse contexto, é certo que diversos entes não terão escala que justifique a criação de uma entidade própria e aderirão a modelos multipatrocinados, o que, além de gerar redução de despesas, pode acarretar um efeito positivo na governança desses fundos, que seriam administrados e fiscalizados por mais de um ente, tendendo a haver maior dificuldade no uso político dessas estruturas.

Embora elevado quando comparado à renda média do trabalhador brasileiro, não se cogitou, na última reforma da previdência pretendida (PEC 287), a redução do teto do INSS, o que elevaria ainda mais o espaço da previdência complementar, tanto no setor público quanto no privado. Uma medida dessa natureza enfrenta resistência, especialmente porque acarretaria imediata perda de receita para o estado, com ganhos fiscais verificáveis somente no longo prazo.

Além disso, convém lembrar que a criação de um regime capitalizado faz com que receitas de contribuições - até então destinadas a pagar benefícios aos atuais aposentados - passem a ser destinadas à realização de investimentos, sendo guardadas por longos anos até que venham a custear a aposentadoria dos mesmos que as aportaram.

Isso faz surgir um elevado custo de transição, que perdurará por décadas e que poderá agravar ainda mais a situação fiscal dos entes federativos, o que, por sua vez, pode pôr em risco as reservas constituídas no regime complementar, a serem potencialmente cobiçadas pelos respectivos governos para o atendimento de compromissos urgentes de curto prazo (como o pagamento de salários dos servidores), por intermédio, por exemplo, da emissão de títulos da dívida pública a serem comprados por essas entidades. Isso porque, embora se tratem de estruturas distintas, a composição dos conselhos deliberativo e fiscal das entidades de previdência complementar possui metade de membros indicada pelo governo, havendo possibilidade de ingerências políticas.

A história nos mostra que o estado não possui vocação para gerir poupança de longo prazo e a dificuldade que a grande maioria dos regimes próprios de previdência social - RPPS enfrenta é uma consequência disso. Porém, essa nova era do sistema de previdência complementar nos exigirá amadurecer nesse sentido. O aprendizado proveniente dos erros cometidos por alguns fundos de pensão e por boa parte dos RPPS é um importante fator que pode fazer com que as entidades de servidores públicos trilhem um caminho diferente, rumo à sustentabilidade e fazendo com que o país colha os frutos positivos dessa mudança.

(24.03.2018)