Joo Marcelo Carvalho

João Marcelo Carvalho

Sócio do escritório Santos Bevilaqua Advogados. Graduado em Direito e em Ciências Atuariais, com Mestrado em Direito e MBA em Administração Financeira.



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O papel das EFPC como estipulantes de seguros

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O papel das EFPC como estipulantes de seguros

Já não é novidade que as entidades fechadas de previdência complementar – EFPC podem contratar seguros para cobertura de riscos relacionados a seus planos de benefícios. Muitos são os planos (patrocinados e instituídos), sobretudo da modalidade de contribuição definida, que já acoplaram coberturas securitárias de morte e invalidez[1] aos seus regulamentos, como forma de agregar proteção social aos participantes e seus familiares.

Nessa estruturação, a EFPC, além de arrecadar e gerir os recursos destinados à capitalização da aposentadoria do participante, recebe o prêmio das coberturas de risco contratadas e o repassa à sociedade seguradora escolhida. Ocorrido o sinistro, a seguradora paga a indenização e a EFPC a repassa ao participante ou seus beneficiários, nos termos do regulamento do Plano.

A normatização dessas operações é feita tanto pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (Resolução nº 47/2021) como pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (Resolução nº 385/2020). Ao analisá-las, resta claro que a EFPC atua, nessa relação, como estipulante[2], que contrata a apólice coletiva de seguros, oferecendo aos seus participantes a oportunidade de aderir a ela, tornando-se segurados.

Nesse sentido, as EFPC devem estar atentas ao fato de que, a partir do dia 2 de março de 2022, entra em vigor a Resolução CNSP nº 434/2021[3], que dispõe sobre a estipulação de seguros e aborda as responsabilidades das partes (estipulante e seguradora) em contratações por meio de apólices coletivas. À luz dessa normatização, chama-se a atenção das EFPC para alguns pontos.

O primeiro deles é a importância da cuidadosa avaliação, pela EFPC, do contrato coletivo a ser celebrado com a seguradora. Embora a Resolução 434 fixe alguns limites relativos às cláusulas contratuais, o espaço que as partes têm para customizar o negócio jurídico de acordo com seus interesses não é pequeno. Por isso a necessidade de as EFPC, que não poderão alegar qualquer tipo de hipossuficiência em eventual discussão judicial, realizarem a adequada análise do instrumento, sempre com a visão de proteção do grupo segurado. Caso não o faça, descumprirá dever legal que lhe é imposto objetivamente no art. 2º, §1º, da Resolução nº 434[4].

As obrigações que a norma atribui ao estipulante merecem, também, destaque. O art. 8º da Resolução do CNSP traz uma lista com 10 (dez) obrigações, mas, em muitas delas, o ônus que recairá sobre a EFPC dependerá, fundamentalmente, do que tiver sido negociado no contrato coletivo. Exemplifica-se:

Art. 8º Constituem obrigações do estipulante:

(...)

II - manter a sociedade seguradora informada a respeito dos dados cadastrais dos segurados e alterações na natureza do risco coberto, de acordo com o definido contratualmente;

(...)

V - repassar aos segurados todas as comunicações ou avisos inerentes à apólice coletiva, quando for responsável por tais ações;

(...)

VII - comunicar, de imediato, à sociedade seguradora, a ocorrência de qualquer sinistro, ou expectativa de sinistro, referente ao grupo que representa, assim que deles tiver conhecimento, quando esta comunicação estiver sob sua responsabilidade” (grifamos).

Outro ponto que chama a atenção, quando a norma é lida aos olhos das EFPC, é o art. 9º, II, que veda ao estipulante “efetuar publicidade e promoção do seguro sem prévia anuência da sociedade seguradora e sem respeitar rigorosamente as condições contratuais (...)”. Nas operações realizadas por EFPC, a dinâmica do seguro está inserida no regulamento do Plano, sendo, nesse caso, indissociável do objeto principal do contrato previdenciário. Portanto, novamente o contrato coletivo terá que estar devidamente adaptado a essa realidade intrínseca às EFPC, para que não se possa alegar, no futuro, qualquer descumprimento normativo ou contratual, simplesmente pela prática regular de suas atividades enquanto gestora de um plano de previdência complementar que possui um seguro a ele acoplado.

Apesar de o seguro estar inserido no contrato previdenciário, é necessário que a EFPC ao cobrar ou descontar a contribuição do participante, discrimine o valor relativo ao prêmio relacionado a cada cobertura de risco contratada. E se a seguradora remunerar a EFPC pela estipulação, o valor ou percentual pago deve ser informado aos participantes/segurados.

Por fim, o prazo ajustado entre a EFPC e a seguradora na apólice coletiva e as hipóteses de denúncia contratual também possuem grande relevância, já que a Resolução prevê que rescisão da apólice só ocorrerá mediante acordo entre as partes contratantes, com a anuência prévia e expressa de segurados que representem, no mínimo, três quartos do grupo[5].

Alguns aspectos ora citados não são novidades, já que constam da Resolução CNSP nº 107/2004, que será revogada quando da entrada em vigor da Resolução nº 434. Para aqueles pontos que demandem alguma adequação, a nova norma confere às seguradoras e estipulantes o prazo de 240 (duzentos e quarenta) dias para adaptação às suas disposições.


[1] A normatização prevê a possibilidade de contratação de outras coberturas, nos termos do art. 2º da Resolução CNPC nº 47/2021 e art. 2º da Resolução CNSP nº 385/2020, mas nosso enfoque será sobre as coberturas de morte e invalidez, por serem estas as predominantes nessas relações envolvendo seguradoras e EFPC.

[2] Conforme art. 2º, §3º, da Resolução CNPC 385/2020.

[3] Atualmente, a matéria é regulada pela Resolução CNSP nº 107/2004.

[4] Segundo o qual “A atuação do estipulante como representante do grupo segurado deve estar pautada pela preservação prioritária dos interesses do grupo.

[5] Modificação em apólice coletiva vigente que implique ônus ou dever para os segurados ou redução de seus direitos também se sujeita a esse quórum de anuência dos segurados.

Em janeiro de 2022