Joo Marcelo Carvalho

João Marcelo Carvalho

Sócio do escritório Santos Bevilaqua Advogados. Graduado em Direito e em Ciências Atuariais, com Mestrado em Direito e MBA em Administração Financeira.



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Emenda Constitucional nº 103: repercussões nas EFPC

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Promulgada a Emenda Constitucional nº 103/2019, é hora de concluir as análises dos seus impactos. Embora a Reforma da Previdência recém aprovada tenha, como principal objetivo, a alteração das regras do regime geral de previdência social (“RGPS”) e dos regimes próprios de previdência social (“RPPS”), notadamente o da União, enganam-se aqueles que entendem que as entidades fechadas de previdência complementar (“EFPC”) podem passar alheias a este importante marco.

Há, como veremos a seguir, impactos diretos e indiretos sobre as EFPC, que deverão, desde já, diligenciar no sentido de captar as oportunidades e mitigar os riscos que sempre acompanham momentos de mudança como este.

Impactos diretos

Existem dois artigos da Constituição Federal que tratam de previdência complementar: o art. 40, que aborda essa temática nos seus §§ 14 a 16, e o art. 202, inteiramente dedicado ao regime complementar de previdência. Ambos foram alterados pela EC 103/2019.

No art. 40, estabeleceu-se que os entes federativos instituirão regime de previdência complementar ao fixarem, como limite das aposentadorias e pensões pagas pelos seus respectivos RPPS, o mesmo valor do teto do RGPS, operado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (“INSS”). O §6º do art. 9º do texto próprio da Emenda Constitucional estabelece o prazo de dois anos para que referidos entes instituam regime de previdência complementar.

O §15 do art. 40 também foi alterado para prever que o regime de previdência complementar citado no §14 – antes necessariamente operado por entidades fechadas de previdência complementar de natureza pública – possa ser administrado por entidade aberta ou fechada de previdência complementar, retirando-se por completo a exigência da natureza pública. A possibilidade de administração desses planos por entidade aberta dependerá de regulamentação, nos termos do art. 33 da Emenda Constitucional, onde, assim como faz a Lei Complementar nº 109, se espera que as seguradoras do ramo vida sejam equiparadas às entidades abertas.

As alterações feitas no art. 202 visaram refletir esta nova realidade, em que patrocinadores públicos poderão optar por administrar planos em entidades fechadas ou abertas de previdência complementar. Entretanto, como os §§ 4º a 6º do referido artigo dispõem que uma lei complementar regulamentará essa relação, deve-se aguardar uma alteração da Lei Complementar nº 108 ou sua revogação e substituição por uma outra Lei Complementar para que se opere a plena eficácia das novas disposições.

Na prática

→  Antes, apenas as EFPC cujos Estatutos estivessem adaptados à “natureza pública” exigida poderiam administrar planos destinados a servidores públicos; agora não há mais essa vedação, fazendo com que as EFPC abertas a multipatrocínio devam refletir se irão, ou não, concorrer para a administração dos centenas ou milhares de novos planos (o número de entes que precisam implantar um regime de previdência complementar é superior a dois mil, porém alguns deles poderão optar por entidades abertas, além de ser possível que um único plano abranja mais de um município e/ou estado);

→  As EFPC criadas para administrar planos voltados a servidores públicos que foram implantadas quando era exigida a natureza pública deverão avaliar se continuarão, ou não, a ostentar tal natureza. Se a decisão for por se eximir da natureza pública, é necessário avaliar, no caso concreto, se isso poderá ser feito por mera alteração estatutária ou se requer prévia alteração na lei autorizativa da criação da EFPC;

 →  Devemos aguardar a regulamentação da possibilidade de entidades abertas/seguradoras administrarem planos de previdência complementar de patrocínio público.

Impactos indiretos

Embora haja autonomia entre os regimes, não raro as regras de elegibilidade ou mesmo de cálculo de benefícios das EFPC são influenciadas pelas regras do RGPS. No caso de planos destinados a servidores públicos, a regra (que comporta exceções) é que a elegibilidade aos benefícios de aposentadorias e pensões siga os mesmos critérios dos RPPS.

Diante disso, surgem algumas questões: as mudanças no RGPS e no RPPS fazem com que haja uma automática alteração nas regras do plano de previdência complementar? Ou dependem de alteração regulamentar? Nos planos destinados a servidores públicos, a alteração regulamentar depende de prévia alteração na lei que autorizou a criação do regime complementar de previdência?

As respostas dependem de análises particularizadas. Mas o fato é que tanto no RGPS quanto no RPPS, a Reforma faz com que as pessoas tendam a aposentar mais tarde e/ou com um benefício menor. Nos planos de contribuição definida e de contribuição variável, complementares ao RGPS, o impacto disso tende a ser marginal, até mesmo porque a maioria desses planos não exige a aposentadoria pelo RGPS como critério de elegibilidade à aposentadoria pelo plano de previdência complementar.

Já nos planos BD, há possibilidade de se ter um impacto substancial, inclusive sob o ponto de vista atuarial, notadamente nos planos com características de suplementação. Se o valor do benefício e/ou a regra de elegibilidade tiver ligação com o RGPS/INSS, é necessário que se reflita sobre eventuais impactos no plano de benefícios, que podem ser consideráveis.

Funpresp

Os planos de benefícios administrados pelas Fundações de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais do Executivo e do Judiciário (Funpresp-Exe, que também abriga os servidores do Poder Legislativo, e Funpresp-Jud) poderão passar por mudanças em decorrência da Reforma, já que a Emenda Constitucional 103/2019 abrangeu, de maneira plena, o RPPS da União (os demais estão sendo abordados na PEC Paralela).

Esses reflexos decorrem das regras de elegibilidade das Funpresp, que remetem às do RPPS (que foram alteradas), além do fato de que os benefícios de risco e outros componentes do Fundo de Cobertura de Benefícios Extraordinários (“FCBE”) foram pensados numa lógica em que eram necessários 35 e 30 anos de contribuição, respectivamente, para que homens e mulheres tivessem direito ao benefício pleno do RPPS, ao passo que a nova regra permanente exige 40 e 35 anos de contribuição para que se tenha um benefício baseado em 100% da média das remunerações.

Importante frisar que, na PEC Paralela que está tramitando, prevê-se, no art. 12, a reabertura do prazo de opção pela possibilidade de adesão ao regime de previdência complementar, cumulado com o recebimento do benefício especial, de que trata a Lei 12.618/2012. O §2º do referido artigo da proposta de Emenda dispõe que “O benefício especial previsto no § 1º do art. 3º da Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, rege-se pelas regras existentes no momento da opção feita na forma do § 16 do art. 40 da Constituição Federal”. A redação sugere que haverá uma mudança na regra do benefício especial, que atualmente utiliza como parâmetro de proporção 35 e 30 anos de contribuição para homens e mulheres, parâmetros estes que se tornaram obsoletos.

É necessário estar atento

Além da tramitação da PEC nº 133/2019 (PEC Paralela), existe uma série de leis que deverão ser editadas nos próximos meses, regulamentando a Emenda Constitucional nº 103 e, se aprovada, a Emenda decorrente da PEC Paralela. Inicia-se um novo ciclo, com novas regras previdenciárias e profundas mudanças no RGPS e nos RPPS, repercutindo, inequivocamente, no regime complementar de previdência, que ganha crescente notoriedade.

Seguindo uma tendência mundial, os indivíduos serão cada vez mais responsáveis por suas aposentadorias, assumindo este encargo antes atribuído, majoritariamente, ao Estado e às empresas. Nesse contexto, é importante que esse novo arcabouço legal incentive a previdência complementar, sobretudo quando utilizada, efetivamente, para prover aposentadorias na velhice, em complemento à previdência social.

(12.11.2019)