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Eduardo Person Pardini

É sócio principal, responsável pelos projetos de governança, gestão de riscos, controles internos e auditoria interna da Crossover Consulting & Auditing. É diretor executivo do Internal Control Institute - Chapter Brasil, palestrante e instrutor do IIA Brasil.

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O gerenciamento de riscos e a detecção dos riscos singulares!

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Tenho estudado e escrito sobre a estrutura, implementação e limitações do gerenciamento de riscos. Em outros artigos ou até em diagramas procurei trabalhar temas relevantes como os conceitos e atributos que envolvem a gestão de riscos, sempre baseados nas melhores práticas de gestão.

Neste artigo quero abordar um tópico que tem me chamado atenção, que tem sido recorrente nas corporações com uma certa frequência. Muitas vezes quando ocorrem causa impacto substancial.

A questão é: Por qual razão, mesmo empresas consideradas com boa gestão, não identificam ou tem dificuldade de identificar alguns riscos, que, muitas vezes, surpreendem a organização quando se materializa?

Onde está a falha?

Para tentar responder esta questão e nos ajudar a refletir sobre o assunto, trago um estudo sobre o tema realizado pelo Prof. Robert S. Kaplan, junto com outros especialistas.

Neste estudo, o Prof. Kaplan denomina estes eventos como riscos sendo singulares. Estes riscos são aqueles que remetem a uma ameaça distante, de probabilidade remota, e com impacto difícil de se medir.

Segundo ele, os riscos singulares são difíceis de quantificar em probabilidade ou impacto e aparecem em três situações:

$11.       1. O fator de riscos está distante da visão ou da imaginação do gestor – Ele coloca como exemplo a crise global financeira de 2008 onde os bancos não conseguiram observar os riscos embutidos em seu portfólio,

$12.        2. Várias falhas de rotina se combinam para deflagar grande impacto – Exemplo do desenvolvimento do Dreamliner 787 da Boeing com muitas mudanças estruturais, tecnologia, capacidade de gestão, cadeia de suprimento excedeu a capacidade da empresa gerenciar o processo efetivamente,

$13.        3. O risco se materializa muito rápido e em escala espantosa – Inclui, como exemplo, o caso da Usina de Fukushima e a pandemia do Covid 19.

Este estudo demonstra que existem falhas na captação dos sinais referente ao fator de risco e isto se dá em razão das pessoas prestarem atenção na informação que confirma suas crenças, mas nunca na que as contradizem. Ignoram desvios repetidos considerando-os meras falhas temporárias.

É certo que o gerenciamento de riscos tem suas limitações e não consegue conceber todas as situações eventos ainda não conhecidos que possam trazer impacto negativo na capacidade da organização em alcançar seus objetivos, entretanto, nem sempre este é o caso.

Para auxiliar nesta reflexão, listo alguns pontos importantes que indicam que o nosso gerenciamento de riscos pode não ser tão efetivo como imaginamos, e que podemos estar correndo o risco de não observar os riscos singulares, vejamos:

• Baixa maturidade do ambiente de controle e falta de comprometimento da gestão em relação a cultura e consciência de riscos na corporação,

• Miopia gerencial – Da alta gestão em relação a visão de longo-prazo, e da média gestão em relação a visão da dinâmica de negócio. Visão compartimentada sem conexão,

• Atitude de negação da existência do risco, com a desculpa que nunca aconteceu,

• Falta de conhecimento dos conceitos de riscos, da estrutura de gestão de riscos, principalmente da importância da identificação das causas (fatores de riscos) pela primeira linha de gestão,

• Minimização do risco na medição de sua probabilidade de ocorrência e/ou do impacto se o evento se materializar,

• Baixa qualidade e/ou definição equivocada dos KRIs (Key Risk Indicators)

• Muita preocupação com a acuracidade na forma de medição (avaliação probabilidade e impacto) dos riscos e fatores de riscos em detrimento das ações de gestão para seu tratamento e mitigação,

• Atitude de limitação da quantidade de riscos que serão gerenciados,

• Não definição dos objetivos como base no processo de identificação dos riscos e suas causas,

• Delegação e Centralização da responsabilidade do gerenciamento de riscos na segunda linha de gestão.

Esta lista não exauriu todos os possíveis pontos, mas estes são os que ocorrem com mais frequência nas corporações.

Se você identificou alguns destes pontos ocorrendo em sua empresa, saiba que eles podem ser tratados e minimizados com um bom processo de sensibilização e capacitação dos colaboradores, entretanto, não necessariamente, serão suficientes para ampliar a visão da organização em relação aos tópicos que estão fora da curva, ou das ameaças emergentes.

É preciso considerar a criação de uma forma de visão independente de todo o ecossistema em torno da organização, pois será essencial e relevante para identificação de fatores de riscos e trabalhar a resposta de uma forma mais holística.

A aplicação de procedimentos de avaliação analítica, promoverá a capacidade da gestão em enxergar possíveis anomalias não visualizadas com facilidade na operação, identificando variações que estão fora da curva.

Estudar e avaliar os eventos de riscos que se materializam em outros setores da economia, corporações, país ou mercado é também um bom procedimento, pois auxilia na compreensão do comportamento das anomalias e dos fatores de riscos que podem também, de alguma maneira, ocorrer e impactar o setor e/ou sua organização.

O Prof. Kaplan, sugere que ampliar o horizonte, criando um canal direto com a gestão de riscos, e capacitando e encorajando os colaboradores a relatar qualquer evento ou anomalia que de alguma forma possa ser importante na detecção do risco singular, é uma boa prática.

Tenha em mente que vivemos uma mudança de era, a dinâmica de negócios mudou completamente, muito mais globalizada, conectada e baseada no mundo digital, de forma que as respostas de ontem, não são apropriadas para as ameaças de hoje e ameaças futuras. Quebras de paradigmas, inovação disruptiva, novos requisitos profissionais, novas ferramentas de gestão, contribuem para ocorrências de riscos emergentes.

Tudo isto é um grande desafio para as organizações. Sair do lugar comum e enxergar além das arvores é essencial para a perenidade da organização. Um gerenciamento de riscos estruturado, integrado e visionário é a resposta para a sustentabilidade da organização.

Reflita e Seja feliz!

14.12.2020