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Lei 15.040/24 (Marco Legal dos Seguros): Diretrizes hermenêuticas e o problema do prazo prescricional para o segurado e o terceiro beneficiário pleitearem a cobertura

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Por Carlos Eduardo Elias de Oliveira

1. Resumo

Começamos por resumir as principais ideias deste artigo:

Este artigo parte de didático artigo escrito pelo Professor Pablo Stolze Gagliano acerca do prazo prescricional das pretensões dos segurados contra a seguradora no ambiente que se inaugurará com a entrada em vigor do Marco Legal dos Seguros - MLS (lei 15.040/24).

O MLS pecou em drenar do Código Civil (CC) as regras civis de seguro, seja por rebaixar o status normativo desse importante contrato, seja por ter mantido várias outras leis sobre seguros, seja não ter tido nenhum ganho sistemático-axiológico: o deslocamento geográfico da disciplina civil dos contratos, em nada, alterará a função interpretativa e integrativa dos princípios e das normas abertas do Código Civil (capítulo 3).

Três diretrizes interpretativas devem ser observadas em relação ao MLS: (a) prestígio ao que foi contratado ou legislado com clareza; (b) in dubio pro inertia; e (c) in dubio pro misero (capítulo 4).

Até antes da entrada em vigor do MLS, ao acontecer o sinistro, o segurado tem o prazo prescricional de um ano para pleitear a cobertura (art. 206, § 1º, do CC1). Esse prazo prescricional fica suspenso durante o que chamamos de procedimento administrativo de regulação e liquidação do sinistro (que se inicia com o aviso do sinistro e que se destina a apurar o cabimento e o valor da cobertura securitária). É a Súmula 229/STJ. Desconhecemos julgados sobre nova suspensão do prazo prescricional diante de eventual pedido administrativo de reconsideração: Defendemos o cabimento. Há um precedente da 3ª Turma que perfilha uma corrente mais favorável ao segurado: o termo inicial da prescrição seria a ciência, pelo segurado, do desfecho desfavorável do procedimento administrativo de regulação e liquidação do sinistro, e não a data da ciência do sinistro (capítulo 5.1.).

Após a entrada em vigor do MLS, o ambiente legal é, no geral, mais favorável ao segurado, embora, no geral, decorra do objetivo de positivar o que era admitido pela jurisprudência anterior, com adoção da corrente jurisprudencial alternativa supracitada, inaugurada por um julgado da 3ª Turma do STJ (capítulo 5.2.1.).

A prescrição da pretensão do segurado contra a seguradora é de 1 ano da ciência da recusa administrativa da seguradora, ou seja, da ciência do desfecho desfavorável do procedimento administrativo de regulação e liquidação do sinistro (art. 126, II, MLS). Eventual pedido de reconsideração suspenderá o prazo prescricional até a ciência de seu indeferimento, vedada nova suspensão do prazo diante de posteriores pedidos de reconsideração (art. 127, MLS) (capítulo 5.2.3.4.).

No caso de desfecho favorável do procedimento administrativo de regulação e liquidação do sinistro, a prescrição para a cobrança da cobertura securitária reconhecida administrativamente é de 10 anos, a contar de 30 dias da data da ciência, pelo segurado, da decisão favorável (art. 205, CC; e art. 87, MLS) (capítulo 5.2.3.2.).

No caso de extrapolação do prazo máximo legal de processamento do procedimento administrativo sem resposta da seguradora (hipótese em que haverá um deferimento tácito do pedido - sunset clause), o prazo prescricional para o segurado cobrar a cobertura é de 10 anos (art. 205, CC). O termo inicial será o 31º dia seguinte à consumação desse prazo máximo de processamento. Esse prazo máximo de processamento será de 30 dias ou, se houver ato da Susep, de até 120 dias, os quais devem ser somados aos períodos em que esses prazos tenham sido suspensos por conta de pedidos de complementação de documentos na forma dos §§ 2º a 4º do art. 86 do MLS (arts. 86 e 87, MLS) (capítulo 5.2.3.3.).

Inexiste prazo prescricional ou decadencial contra o segurado antes do término desfavorável do procedimento administrativo de regulação do sinistro. Logo, em tese, o segurado tem o direito potestativo a deflagrar esse procedimento muitos anos depois do sinistro. Todavia, a demora culposa ou dolosa em comunicar o sinistro pode vir a acarretar a perda total ou integral da cobertura, desde que tenha havido prejuízo à seguradora (art. 66, II e §§ 1º a 4º, MLS). O único esforço doutrinário em tentar colocar limite temporal a isso seria forçar a aplicação analógica do prazo prescricional de 10 anos do art. 205 do CC, o que nos parece afrontar a vontade deliberada do legislador bem como as diretrizes interpretativas que indicamos acima (capítulos 5.2.2.1. e 5.2.3.1.).

Em regra, temos por nula cláusula que fixe prazo decadencial para o segurado realizar o aviso de sinistro, salvo em contratos de seguro paritários e simétricos (capítulo 5.2.2.2.).

O prejuízo da seguradora com a demora na comunicação do sinistro (aviso de sinistro) consiste no eventual apagamento, pelo tempo, dos rastros probatórios de eventual "golpe do seguro" ou de fatos indispensáveis ao eventual direito de regresso da seguradora contra o terceiro culpado pelo sinistro no caso de seguro de dano (capítulo 5.2.4.2.1.).

A ciência, pela seguradora, do sinistro por outro meio torna irrelevante a demora do segurado em efetuar o aviso do sinistro (art. 66, § 3º, MLS). Essa hipótese, porém, deve ser interpretada restritivamente para abranger apenas comunicações específicas feitas por terceiros. O mero fato de o sinistro ter repercutido na mídia não é suficiente (capítulo 5.2.4.2.2.).

Não basta a existência de prejuízo à seguradora para eventual perda total ou parcial do seguro. É também preciso que o segurado tenha agido com dolo ou com culpa nessa demora. E, a depender do tipo do elemento anímico, a consequência será a perda total ou parcial do direito à cobertura (capítulo 5.2.4.3.).

Se houver dolo do segurado na demora em comunicar o sinistro, haverá a perda total do direito à cobertura (art. 66, § 1º, CC), ressalvado o dever de restituir a reserva matemática. Não se trata de qualquer dolo, mas o de apagar os rastros probatórios sobre eventual "golpe do seguro" ou culpa de terceiro vinculado ao segurado. O ônus de provar esse dolo é da seguradora, observado, porém, o dever de colaboração probatória do segurado a pedido da seguradora (capítulo 5.2.4.3.1.).

Se houver culpa (e não dolo) do segurado na demora em comunicar o sinistro, haverá a perda apenas do direito à cobertura dos danos causados pela omissão (art. 66, § 2º). É da seguradora o ônus probatório em demonstrar que o dano poderia ter sido evitado caso ela tivesse sido comunicada do sinistro logo após a ciência do segurado (evitabilidade do dano) (capítulo 5.2.4.3.2.).

Em contratos paritários e simétricos - os quais geralmente ocorrem nos casos de seguros para cobertura de grandes riscos -, são lícitas cláusulas relativas ao ônus probatório e a prazos decadenciais para o aviso do sinistro. É nula, porém, cláusula que altere o prazo prescricional (capítulos 5.2.2.2. e 5.2.4.4.).

No caso de pretensão de terceiro beneficiário contra a seguradora, o prazo prescricional foi reduzido pelo MLS de 10 anos para 3 anos, contados da ciência do fato gerador. Não se aplicam contra o terceiro beneficiário os deveres de comunicação imediata do sinistro, sob pena de perda total ou parcial da cobertura (capítulos 5.1. e 5.4.).

No caso de desfecho do procedimento administrativo de regulação e liquidação do sinistro envolvendo pleito do terceiro beneficiário, o prazo prescricional voltará a fluir: (a) com a ciência, pelo segurado, da recusa da seguradora; ou (b) no 31º dia seguinte à ciência, pelo segurado, da decisão favorável (capítulo 5.2.).

Se a seguradora extrapolar o prazo máximo de processamento do procedimento administrativo de regulação e liquidação do sinistro envolvendo pleito do terceiro beneficiário, haverá o deferimento tácito do pedido (sunset clause) e o prazo prescricional voltará a fluir no 31º dia seguinte à consumação desse prazo máximo (capítulo 5.3.).

Sem prévia tentativa extrajudicial de recebimento da cobertura, falta interesse de agir ao terceiro beneficiário para a cobrança judicial. O juiz, porém, deixará de extinguir o feito se a seguradora vier a se insurgir contra o pleito na contestação, por conta da superveniência do interesse de agir. Entendemos que haverá interesse de agir quando o prazo prescricional trienal estiver perto do fim, mas, se a seguradora reconhecer o pedido na contestação, o terceiro beneficiário é que terá de suportar os ônus sucumbenciais (capítulo 5.5.).

Leia aqui na íntegra.

Fonte: Migalhas, em 08.01.2025