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Giro regulatório no seguro de danos: considerações sobre a Circular SUSEP nº 621

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guilherme cgv
Guilherme Bernardes[1]

Foi publicada, em 17 de fevereiro de 2021, a Circular SUSEP nº 621, que entrará em vigor em 1º de março de 2021 e dispõe sobre as regras de funcionamento e os critérios para operação das coberturas dos seguros de danos.

A Circular é editada em um momento em que a Superintendência de Seguros Privados (“SUSEP”) trabalha pela desregulamentação do setor, com o objetivo de aumentar a concorrência e impulsionar o mercado de seguros.

Nesse sentido, a principal alteração promovida pelo normativo está exposta no art. 19, que autoriza as seguradoras a comercializarem condições contratuais com coberturas relativas a diferentes ramos de seguros, desde que (i) sejam observadas as regulamentações específicas de cada ramo e a regulamentação contábil vigente e (ii) a sociedade seguradora esteja autorizada a operar em todos os ramos relativos às coberturas.

Outro ponto de bastante relevância do normativo é mudança do modus procedendi da autarquia quanto à necessidade de aprovação prévia das condições contratuais ofertadas pelas seguradoras, que deixará de existir, embora subsista para a entidade regulada a necessidade de registrar os produtos previamente à comercialização, para que possam ser consultados pelos consumidores.

Dessa forma, a SUSEP transfere às sociedades seguradoras a responsabilidade de se assegurar que as cláusulas constantes nos produtos de seguro estejam em conformidade com a legislação vigente, na forma do parágrafo único do art. 4º, o que não havia antes, já que o processo de aprovação prévia acabava por “filtrar” grande parte dessas inconformidades antes da entrada do produto no mercado.

Nesse particular, o inciso II do art. 5º determina que todo material de publicidade e comunicação utilizado para comercializar o produto deve informar que “o registro do produto é automático e não representa aprovação ou recomendação por parte da Susep”.

O normativo traz, ainda, outras obrigações às seguradoras, dentre as quais se destacam: incorporar em seus planos as alterações de normativos que entrem em vigor após o registro eletrônico do produto (art. 9, § 2º); informar em que ocasião as coberturas poderão ser contratadas isoladamente nos planos de seguro que conjuguem mais de uma cobertura (art. 20); e informar a livre contratação pelo segurado ou indicação de rede referenciada pela seguradora nas coberturas cuja indenização seja feita in natura, com a prestação de serviços (art. 21);

A Circular SUSEP nº 621 prevê, ainda, normas que reforçam a necessidade de boas práticas no mercado de seguro, em especial de proteção ao consumidor e direcionadas à publicidade dos produtos de seguro, em linha com o que já tinha sido feito com a Resolução CNSP nº 382, de 2020.[2] São exemplos claros os arts. 3º e 6º.

Em relação aos elementos mínimos obrigatórios nas condições contratuais do seguro, alguns pontos também merecem destaque.

Nos riscos excluídos, o normativo prevê a vedação de exclusão de riscos de eventos decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de embriaguez ou sob efeito de substâncias tóxicas, que poderão ser considerados como causas de agravamento de risco desde que a sociedade demonstre concretamente que a situação foi determinante para o sinistro.

Em relação ao pagamento do prêmio, estão expressamente previstas a possibilidade de pagamento de prêmio em função da utilização, nos seguros que possuam coberturas intermitentes, e, nos casos de fracionamento de prêmio único, a vigência da cobertura ser diretamente proporcional às parcelas pagas em caso de inadimplemento. Esse critério, todavia, pode ser diferenciado, desde que leve em conta o prêmio já pago.

Já na sessão que trata das normas obrigatórias para a indenização, não foram observadas muitas mudanças, com destaque para a obrigação de as seguradoras terem de aceitar documentos na língua de origem do país de origem do gasto para a liquidação de despesas efetuadas no exterior. Com essa medida, a SUSEP pretende retirar entraves para que os planos de seguro ofertados no país sejam ainda mais globalizados.

Por fim, cabe sublinhar o disposto no art. 62, onde é informado que a SUSEP poderá analisar e supervisionar os documentos relacionados aos contratos de seguros de danos e, em caso de desconformidade, poderá determinar, se necessário e de forma fundamentada, alterações e suspensão dos planos de seguro.

Trata-se de mais um reforço à mudança de foco implementada pela autarquia, que vem buscando a mudança de um processo punitivo para o corretivo e educativo, principalmente após a entrada em vigor da Resolução CNSP nº 393, de 30/10/2020.[3]

Com sua entrada em vigor, a Circular SUSEP nº 621 revogou cerca de doze normativos, sendo os principais a Circular SUSEP nº 256, de 17/06/2004, e a Circular SUSEP nº 239, de 24/12/2003, que dispunham sobre a estruturação mínima das condições contratuais dos contratos de seguros de danos e sobre o pagamento de prêmios nos seguros de danos, respectivamente.


[1] Guilherme Panisset Barreto Bernardes é sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados, integrante da área estratégica de seguros, além de ser mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).

[2] Sobre o tema, seja consentido remeter a JUNQUEIRA, Thiago; BERNARDES, Guilherme. Boas práticas no setor de seguros: notas sobre a resolução CNSP nº 382/2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jul-28/junqueira-bernardes-notas-resolucao-cnsp-3822020.

[3] Na norma, estão consignadas importantes mudanças, como (i) o fim da recomendação como sanção às sociedades e administradores e a não instauração de processos em caso de constatação de baixa lesão ao bem jurídico tutelado ou quando for possível utilizar outras medidas de supervisão; e (ii) a utilização de denúncias dos consumidores como histórico da entidade supervisionada, em vez de conversão direta em processos administrativos sancionadores.