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RESOLUÇÃO CREMESP Nº 355, DE 23.10.2022

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RESOLUÇÃO CREMESP Nº 355, DE 23.10.2022

Estabelece diretrizes éticas para o auxílio médico da tomada de decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que enfrentam a fase final da vida.

A Presidente do CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO - CREMESP, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268/1957, regulamentada pelo Decreto na 44.045, de 19 de julho de 1958, modificado pelos Decretos nº 6.821, de 14 de abril de 2009, e 10.911, de 22 de dezembro de 2021, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e no exercício das funções estabelecidas no Regimento Interno Autárquico; e,

CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente.

CONSIDERANDO o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

CONSIDERANDO o art. 5º, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".

CONSIDERANDO a definição de Cuidados Paliativos publicada pela OMS em 2017, descrevendo como "Cuidado Paliativo é a abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento. Requer identificação precoce, avaliação e tratamento da dor, além de outros problemas de natureza física, psicológica, social e espiritual".

CONSIDERANDO que a OMS, classifica como "elegível para cuidados paliativos toda pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, seja aguda ou crônica, a partir do diagnóstico desta condição".

CONSIDERANDO os princípios norteadores para a organização dos cuidados paliativos, notadamente:

- Promover o alívio da dor e de outros sintomas.

- Afirmar a vida e considerar a morte como um processo natural.

- Não acelerar nem adiar a morte.

- Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente.

- Oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte.

- Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e a enfrentar o luto.

- Promover a abordagem multiprofissional para focar nas necessidades dos pacientes e de seus familiares, incluindo acompanhamento no luto.

- Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso de vida.

- Ser iniciado o mais precocemente possível, juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, como a quimioterapia e a radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas estressantes.

CONSIDERANDO a recomendação da 67ª Assembleia da Organização Mundial da Saúde a seus estados membros, que desenvolvam, fortaleçam e implementem políticas de cuidados paliativos baseadas em evidências para apoiar o fortalecimento integral dos sistemas de saúde em todos os seus níveis.

CONSIDERANDO o Código de Ética Médica publicado pelo Conselho Federal de Medicina no ano de 2019, precisamente o quanto disposto nos seguintes artigos:

- Capítulo I, VI: O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício, mesmo depois da morte. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativas contra sua dignidade e integridade.

- Capítulo I, VII: O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outros médicos, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

- Capítulo V, artigo 36, parágrafo 2: é vedado ao médico abandonar paciente sob seus cuidados, salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou à sua família, o médico não o abandonará por este ter doença crônica ou incurável e continuará a assisti-lo e a propiciar-lhe os cuidados necessários, inclusive os paliativos.

- Capítulo V, artigo 41: é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

CONSIDERANDO a Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999, do Estado de São Paulo, conhecida como "Lei Mario Covas", que dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde do Estado, em seu artigo 2º, incs. XXIII e XXIV, reconhece como direito do paciente recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para prolongar a vida e optar pelo local de morte.

CONSIDERANDO a resolução do CFM 1.805/2006 que permite ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.

CONSIDERANDO a resolução do CFM 1.995/2012, que define diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não receber, quando estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. E ainda, que tal resolução reconhece a importância da figura do representante legal, que pode ser designado pelo paciente.

CONSIDERANDO a resolução do CFM 2.156/2016, que estabelece critérios de admissão e alta na unidade de tratamento intensivo (UTI) e descreve que pacientes em prioridade 5, com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação, não são em geral apropriados para a admissão na UTI (exceto se forem potenciais doadores de órgãos) e devem ser prioritariamente admitidos em unidades de cuidados paliativos. Destacando ainda que, estes mesmos pacientes, podem ter critérios de alta da UTI quando houver esgotamento do arsenal terapêutico curativo / restaurativo, podendo permanecer fora da UTI de maneira digna e, se possível, junto de sua família.

CONSIDERANDO a Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018, que dispões sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados e integrados no âmbito do sistema único de saúde, de autoria da COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE (Ministério da Saúde, CONASS e CONASEMS).

CONSIDERANDO as leis estaduais a respeito de Políticas voltadas para Cuidados Paliativos no âmbito da Saúde Pública: nº 19.723, de 10 de julho de 2017, do Governo do Estado de Goiás; nº 15.277, de 31 de janeiro de 2019, do Estado do Rio Grande do Sul; nº 8.425, de 01 de julho de 2019, do Estado do Rio de Janeiro; nº 17.292, de 13 de outubro de 2020, do Estado de São Paulo; nº 23.938, de 23 de setembro de 2021, do Estado de Minas Gerais.

CONSIDERANDO a mudança do perfil epidemiológico da população brasileira, com aumento no número de idosos, aumento na incidência de portadores de doenças crônico-degenerativas e de diagnósticos de câncer.

CONSIDERANDO que a prática de Cuidados Paliativos tem em um de seus pilares a comunicação adequada com pacientes e seus familiares, visando uma assistência humanizada e integral, acessando valores e desejos do paciente e os integrando no processo de tomada de decisão relacionado às alternativas de tratamento benéficas disponíveis, de acordo com sua condição clínica.

CONSIDERANDO, finalmente,a deliberação adotada na 5127ª Reunião Plenária, realizada em 06 de setembro de 2022, e ;, resolve:

Art. 1º Tratamentos fúteis: não devem ser realizados, mesmo sob demanda de paciente/familiar, conforme as alíneas a seguir:

a) Um tratamento que, de acordo com melhor evidência científica disponível, mostre-se incapaz de atingir o objetivo biológico almejado, não deve ser instituído, seja por respeito aos princípios da não maleficência e da justiça, mas também por comprometer a credibilidade e confiança depositada nas profissões da saúde.

b) A comunicação aos familiares e ao paciente (se possível), deve ser efetuada em linguagem mais inteligível possível, permitindo o entendimento por parte de todos de que a não realização de medida considerada fútil, se dá com o intuito de oferecer o cuidado mais apropriado ao paciente. Este receberá todos os cuidados paliativos possíveis.

c) É obrigação do médico explicar ao paciente e aos seus familiares/responsáveis legais a não indicação de tratamentos considerados fúteis, e registrar devidamente em prontuário.

Art. 2º Tratamentos potencialmente inapropriados: sua indicação ou contra indicação devem ser compartilhadas, e o consenso entre equipe de saúde e paciente/familiar é necessário para sua contra indicação. Em casos em que não há consenso, sugere-se envolvimento de equipes especialistas em cuidado paliativo e/ou comitês de ética/bioética.

Art. 3º Para que a retirada de suporte artificial de vida (SAV) seja considerada eticamente aceitável em situações de futilidade terapêutica ou de tratamento potencialmente inapropriado, cinco pré-requisitos devem ser atendidos, a saber:

I. O paciente em questão deve estar em fase terminal de enfermidade grave e incurável, identificada pelo seu médico responsável. Estas condições devem também ser diagnosticadas por outros dois médicos,sendo um destes médicos necessariamente especialista na área que causou a doença terminal e o segundo, médico atuante em áreade cuidados paliativos.

II. O objetivo da retirada do SAV é permitir a evolução da doença de maneira natural e com menor sofrimento até o momento do óbito.

III. A retirada do SAV é considerada tecnicamente adequada por dois médicos, alémdo médico responsável pelo paciente, o qual indicou os cuidados paliativos.

IV. A retirada do SAV está de acordo com a vontade do paciente, ou na sua impossibilidade, de seu representante legal.

V. Todos os cuidados paliativos apropriados serão mantidos ou intensificados, visando o conforto do paciente e de sua família.

Art. 4º Para os fins desta Resolução, as definições em cuidados paliativos serão especificadas

por meio de anexo a esta resolução, podendo ser atualizada a qualquer tempo.

Art. 5º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

São Paulo, 23de agosto de 2022.

Aprovada na 315ª Reunião de Diretoria de 23/08/2022.

Homologada na 5127ª Sessão Plenária realizada em 06/09/2022.

IRENE ABRAMOVICH

(DOU de 04.11.2022 – págs. 149 e 150 - Seção 1) 

ANEXO I

Para efeitos da Resolução Cremesp nº 355/2022, são definições em cuidados paliativos:

I - Futilidade terapêutica: medidas terapêuticas que, de acordo com as melhores evidências científicas disponíveis, não sejam capazes de alcançar o objetivo fisiológico almejado. Em consonância com os melhores consensos publicados recentemente na literatura médica, referem-se exclusivamente a aspectos biológicos e fisiológicos do tratamento, diferentemente dos Tratamentos Potencialmente Inapropriados;

II - Tratamento potencialmente inapropriado: tratamento que tenha alguma chance de alcançar o objetivo fisiológico almejado, porém, ao menos uma consideração ética do(s) profissional (profissionais) responsável (responsáveis) pelo cuidado, justifica sua contraindicação. Tais considerações éticas podem ser devidas ao fato de que, embora potencialmente capazes de atingir os objetivos fisiológicos, esses tratamentos são altamente improváveis de resultar em sobrevivência digna, de acordo com os valores de vida e preferências de cuidado do paciente;

III - Decisão compartilhada: processo realizado para definição de uma meta de cuidado. A tomada de decisão compartilhada é um processo colaborativo que permite que os pacientes e/ou seus responsáveis e equipe de saúde, tomem decisões de saúde em conjunto, levando em conta as melhores evidências científicas disponíveis, bem como os valores, objetivos e preferências do paciente;

IV - Ortotanásia: Conforme regulamentado pela Resolução 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina. Esta estabelece que na fase terminal de doenças graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou do seu representante legal. Esta decisão deve ser documentada em prontuário e o paciente deve continuar recebendo tratamento paliativo e tendo direito à alta hospitalar. Ortotanásia significa a morte "no tempo certo", conceito derivado do grego "orthos" (regular, ordinário). Em termos práticos, considera-se ortotanásia a conduta do médico de permitir a evolução natural da doença incurável em fase avançada de evolução, controlando seus sintomas de desconforto;

V - Distanásia ou obstinação terapêutica: definido como o prolongamento artificial do processo de morrer, gerando somente sofrimento sem benefício tangível para o paciente. Ocorre quando o médico, frente a uma doença incurável em fase avançada de evolução, ou mesmo frente à morte iminente e inevitável, prossegue valendo-se de meios extraordinários ou obstinados para prolongar a fase de morte iminente do paciente, sem considerar seus valores sobre dignidade ou preferências de cuidado;

VI - Eutanásia: definida como a provocação da morte a pedido do paciente com doença incurável em fase terminal de evolução, com o objetivo de acabar com o seu sofrimento. Diferentemente da ortotanásia, a eutanásia abrevia o processo de morrer, causando a morte. A eutanásia no Brasil é considerada crime de homicídio doloso, podendo eventualmente ser tratado como modalidade privilegiada, em razão do vetor moral deflagrador da ação;

VII - Mistanásia: também chamada morte por abandono. Ocorre quando o paciente em fase final de evolução de doença incurável não recebe os cuidados mínimos para seu conforto e dignidade, mesmo admitido a uma instituição com recursos e infraestrutura adequadas;

VIII - Cuidados Paliativos: uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes (adultos ou crianças) e seus familiares, quando enfrentam problemas associados a doenças ameaçadoras da continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento. Requer identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas de natureza física, psicológica, social e espiritual. Devem ser iniciados a partir do diagnóstico de qualquer doença que ameace a continuidade da vida, associados ou não à terapia curativa. Podem se tornar a prioridade da assistência na fase avançada de evolução de uma doença incurável, ou ainda tornar-se o foco exclusivo do cuidado na fase final de vida ou durante a fase de morte iminente. Mais ainda, os cuidados paliativos podem continuar com apoio às famílias em seu processo de luto após o óbito do paciente. Cuidado Paliativo pode ser realizado para pacientes em regime ambulatorial, em domicílio ou internados. Cuidado Paliativo geral pode ser oferecido por qualquer profissional capacitado que cuide de pacientes graves, concomitante ou não ao Cuidado Paliativo especializado, o qual é oferecido por especialistas na área;

IX - Suporte Artificial de Vida (SAV): todas intervenções tecnológicas realizadas por meio de atos médicos, que não tratam nenhuma doença específica e visam exclusivamente manter a vida quando um órgão ou sistema biológico que tem a função criticamente comprometida. Nesta resolução, utilizaremos a definição SAV especificamente para: a) ventilação mecânica invasiva; b) ventilação mecânica não-invasiva; c) drogas vasoativas: noradrenalina, adrenalina, dopamina, dobutamina, milrinone, vasopressina; d) terapia de substituição renal (TRS): hemodiálise, diálise peritoneal ou hemofiltração; e) circulação extra-corpórea; f) nutrição artificial, por meio de dieta enteral ou parenteral e hidratação; e

X - Fase final de vida: fase da doença em que existe piora progressiva de funcionalidade, aumento de carga sintomática e maior demanda de cuidados em decorrência da progressão da própria doença, associada a um tempo de sobrevivência estimado reduzido.