Sem-Título-1.pngWalter A. Polido
Walter A. Polido Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-São Paulo (2008). Professor-convidado de diversos centros universitários: Cogeae-PUC-SP; GVLaw-Rio e São Paulo; Faculdade de Direito da USP; UFRJ; UFRS; Escola Nacional de Negócios e Seguros, Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – ESA-OAB-SP; Universidade Positivo – PR; Escola da Magistratura em SP com IBDS; FESMP – Fundação Superior do Ministério Público de Porto Alegre; Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria do Rio de Janeiro]; PUC-Rio; Foi Coordenador acadêmico do MBA Gestão Jurídica do Seguro e Resseguro da Escola Nacional de Negócios e Seguros (sete turmas, desde a primeira em São Paulo – 2012-2019, uma em Goiânia-GO e uma em Porto Alegre – RS), assim como ex-coordenador do mesmo curso de especialização na OAB-ESA-SP (turma de 2019-20). Membro do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro - IBDS. Fundador e ex-presidente do Grupo Nacional de Trabalho em Meio Ambiente da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro. Árbitro inscrito na Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem CIESP/FIESP, no Centro Latinoamericano de Mediación y Arbitraje del Seguro y del Reaseguro – AIDA – ARIAS LatinoAmérica, Chile, na Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada – CAMES, na Câmara de Arbitragem e Mediação do Oeste da Bahia – CAMOB e na Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – CAMARB – Atuação como árbitro em seguros e resseguros em diversas outras Câmaras: Brasil-Canadá, FGV-Rio, Amcham. Ex-Superintendente de Operações Nacionais e Membro do Conselho Técnico do IRB-Brasil Re (1975-1998). Ex-Diretor Técnico e Jurídico da Munich Re do Brasil Resseguradora S.A (1998-2008). Membro do Comitê de Regulação de Seguro e Resseguro da Faculdade de Direito da FGV-RJ. Autor de livros de seguros e resseguro [www.polidoconsultoria.com.br]; Consultor da Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguros Ltda. (desde 2008); Sócio da Conhecer Seguros [www.conhecerseguros.com.br]; Coordenador Acadêmico do Curso de Especialização em Direito do Seguro e Resseguro, do Instituto Brasil Portugal de Direito - IBPD; Membro titular do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC; Parecerista. http://lattes.cnpq.br/1585404610846349.
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Seguro de D&O e o Risco Ambiental

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Os seguros D&O, ainda que seja adicionada à apólice principal a “cobertura especial de poluição ambiental”, não garantem os riscos ambientais assim como alguns profissionais desavisados imaginam acontecer, notadamente em relação à reparação do dano ambiental. Não poderia ser diferente o entendimento, até porque cada seguro tem o seu escopo de cobertura e atuação e a reparação de danos ambientais não está inserida no âmbito de uma apólice D&O, por mais completo que possa ser o leque de coberturas oferecidas por ela. O objeto se assenta na indenização por perdas financeiras em razão da alegada má performance do gestor garantido pela apólice D&O e sempre que um acionista ou vários acionistas reclamarem a referida perda, justamente em razão de uma situação ambiental que tenha comprometido a imagem ou as finanças da empresa segurada, inclusive o valor de suas ações. Não há, portanto, qualquer viés de cobertura visando à recuperação do local afetado pelo dano ambiental. Este entendimento constitui o padrão internacionalmente aceito e praticado. Os empresários e os administradores que contratam o Seguro de D&O não estão garantidos, portanto, contra as reclamações decorrentes de sinistros ambientais, requerendo indenizações e limpezas dos locais afetados, por exemplo, o que de fato apenas uma apólice típica do Programa de Seguros Ambientais pode cumprir.

Extremamente relevante estabelecer esta dicotomia conceitual, até mesmo para ressaltar que a existência de uma apólice D&O contratada pela empresa em nada prejudicará a necessidade dela contratar também, e necessariamente, a apólice típica do Seguro para Riscos Ambientais. Os riscos cobertos e os respectivos escopos de coberturas são completamente diferentes de um contrato de seguro e outro [1]. Assim, não procede aquela ideia que foi propagada erroneamente no mercado brasileiro no sentido de que o Seguro de Riscos Ambientais garante a empresa, pessoa jurídica e o D&O, por sua vez, garante o administrador, pessoa natural, contra os mesmos riscos ambientais.

No mês de maio de 2015 a Susep expediu cartas individualizadas às Seguradoras que operam o seguro D&O no país e determinando que todas elas excluíssem dos planos de seguros RC Diretores e Administradores as coberturas para os riscos decorrentes de danos ambientais e sob a justificativa de que eles pertenciam a ramo de seguro específico [2]. Não procede tecnicamente essa determinação taxativa daquela Autarquia, pois que há situações diferenciadas na questão objeto da regulamentação feita e que não foram devidamente apreciadas pela Superintendência. A proibição representa ato de ingerência em área de atuação privada e incompatível com a realidade atual, apesar de estar prescrito em lei, conforme o disposto no art. 36, “c”, do Decreto-lei 73/66 (certamente uma norma obsoleta na contemporaneidade) [3], não deveria se voltar para aquelas Seguradoras que sempre fizeram a alocação de forma correta de parte do risco ambiental nas apólices D&O. Essas Seguradoras, também afetadas pela norma taxativa da Susep, nunca garantiram qualquer tipo de limpeza ou a recuperação do dano ambiental em si, mas situaram sempre o alcance do risco aos exatos termos das coberturas oferecidas por uma apólice D&O típica. Dentro desta perspectiva de risco e dos contornos da subscrição que é feita em relação a ele no mundo todo, a determinação única do Órgão Regulador, sem levar em conta o aspecto diferenciador, é improcedente e coloca o Brasil em patamar inferior diferenciando-o dos demais países, o que certamente não é plausível e tampouco coerente com os anseios da sociedade brasileira que deseja se inserir do conserto das nações desenvolvidas. De igual severidade a ingerência determinada criou situação de desconformidade técnica e propiciou mesmo lacuna de cobertura no mercado nacional, uma vez que a apólice específica de Seguro Ambiental não está estruturada para garantir aquela parcela de risco inerente ao D&O, ou seja, ela não garante eventuais reclamações de acionistas em face das alegadas perdas financeiras que eles vierem a sofrer em razão da falha de gestão dos administradores da empresa segurada. A apólice de Seguro Ambiental garante de forma ampla o “segurado”, chegando mesmo à pessoa natural do administrador, assim como seus respectivos herdeiros, mas não significa afirmar que ela abrangerá também o risco inerente ao D&O. Este ponto, de crucial importância, deixou de ser considerado pela Susep e, caso aquela Superintendência entenda que também esta parcela de risco deva ser suportada pelo Programa de Seguro Ambiental, então ela instalará provável situação conflituosa e desnecessária, até mesmo com dificuldade de ser atendida pelos Resseguradores Internacionais, na medida em que eles não encontrarão nenhuma prática semelhante nos seus respectivos países de origem. Não é salutar ao mercado nacional distanciar-se completamente das práticas internacionais e principalmente em áreas tão específicas e complexas como essas: D&O e Seguros Ambientais. O entendimento individualizado e extravagante da Susep não pode modificar o pensamento que vigora internacionalmente. Sequer há parte hipossuficiente nesses tipos de seguros, sendo esta razão por si só determinante para que a Susep deixe de interferir nas bases contratuais pertinentes e criando mecanismos não encontrados nos demais países. Se determinadas Seguradoras, ainda que de forma equivocada, vinham concedendo a cobertura também para a recuperação dos danos ambientais através de apólices D&O, mesmo assim não justificaria a interferência do Poder Público, na medida em que o procedimento é lícito e não interfere nos direitos dos consumidores de maneira negativa. À Susep caberia, nesta situação, apenas verificar se as provisões técnicas estavam perfeitamente adequadas em face dos riscos subscritos pelas Seguradoras, mas proibir o procedimento não. O papel do Estado deve se limitar à seara fiscalizatória e de interesses voltados à solvência e higidez do sistema, mas não na formulação de política de subscrição, cuja prerrogativa é exclusiva dos tomadores de riscos privados – as Seguradoras. A ingerência feita, portanto, se apresentou desmedida e incompatível com o mercado brasileiro neste atual estágio de desenvolvimento, o qual necessariamente deve se integrar ao mundo globalizado e desenvolvido, urgentemente. Todavia, para este objetivo poder ser alcançado, o DL 73/66, artigo 36, “c” precisa ser revogado e com a mesma celeridade.

[1] É usual a utilização deste tipo de exclusão na “Cláusula referente à Extensão de Reclamações por Poluição” nos Seguros de D&O: “Riscos Excluídos: Exclusivamente para fins deste Endosso, a Seguradora ficará desobrigada a indenizar o Segurado por qualquer perda sofrida em decorrência de despesas de limpeza e despoluição ambiental em qualquer Reclamação”. Outro modelo de texto, porém, com o mesmo objetivo: “1.2. Não estão cobertos por esta apólice os custos ou despesas incorridas pelas Pessoas Seguradas e/ou pelas Sociedades com a investigação, saneamento, monitoramento e remoção da contaminação do solo, das águas de superfície, de lençóis freáticos ou de qualquer outra contaminação decorrente de Reclamações por Poluição, independentemente de tais custos ou despesas decorrerem de exigência de leis ambientais ou de ordem de qualquer órgão ou agência governamental competente para tanto, bem como os danos causados a bens móveis ou imóveis decorrentes dessa Poluição”. Os diversos tipos de cláusulas encontradas no mercado nacional, em D&O, nem sempre retratam com clareza os reais objetivos e escopo das coberturas determinadas em relação ao “risco adicional de poluição ambiental” naquele segmento especial de seguro, podendo gerar série de conflitos interpretativos no momento dos sinistros supervenientes. As traduções literais de clausulados estrangeiros que nada ou pouco têm de similitude com o ordenamento jurídico brasileiro e mesmo quando não há tradição naquele segmento de seguro podem constituir fonte inesgotável de conflitos, o que pode ser evitado, todavia. A redação deve ser clara e objetiva, de modo a pontuar exatamente o alcance da parcela de cobertura que está sendo oferecida em D&O, a qual não representa nenhum tipo de cobertura para a recuperação do dano ambiental em si.

[2] A Susep codificou os “Seguros de Responsabilidade Civil Riscos Ambientais” (cód. 0313), para fins de contabilização dos negócios afetos. O título oferecido não corresponde, de fato, à realidade dos Seguros Ambientais, os quais não são efetivamente seguros da área de RC e esta inconsistência conceitual deve ser objeto de alteração por parte daquela Autarquia.

[3] O DL-73/66 – ao tratar das competências da Susep, estabelece no Art. 36, “c) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional”. A determinação retrata o pensamento vigente em 1966, certamente não mais compatível com a contemporaneidade. A elaboração de clausulados de coberturas de seguros privados constitui, não só na atualidade, mas também em todos os tempos, atividade exclusiva das Seguradoras, profissionais especializadas no setor e não do Estado, sendo que o Brasil deve promover a aplicação deste paradigma, urgentemente.

Fontes: POLIDO, Walter. Programa de Seguros de Riscos Ambientais no Brasil: estágio de desenvolvimento atual. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Funenseg, 2015; POLIDO, Walter A. Contrato de Seguro e Atividade Seguradora no Brasil: direitos do consumidor. São Paulo: Roncarati, 2015; POLIDO, Walter A. Reflexões sobre a necessária modernização do Mercado Segurador Brasileiro como fator de proteção dos consumidores de seguros. In: MIRAGEM, Bruno. CARLINI, Angélica. (orgs) Direito dos Seguros: fundamentos de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 2014, p. 85-115.

(29.01.2016)


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