Sem-Título-1.pngWalter A. Polido
Walter A. Polido - Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-São Paulo (2008). Professor-convidado de diversos centros universitários: Cogeae-PUC-SP; GVLaw-Rio e São Paulo; Faculdade de Direito da USP; UFRJ; UFRS; Escola Nacional de Seguros, Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - ESA-OAB-SP; Universidade Positivo – PR; Escola da Magistratura em SP com IBDS; FESMP - Fundação Superior do Ministério Público de Porto Alegre; Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria do Rio de Janeiro]; Professor-Emérito da Escola Superior da Magistratura Federal da 1ª Região (2018-2020). Foi Coordenador acadêmico do MBA Gestão Jurídica do Seguro e Resseguro da Escola de Negócios e Seguros – ENS (8 turmas) - da Especialização em Direito do Seguro e Resseguro na Escola Superior da Advocacia – ESA-SP (1 turma) e do Instituto Brasil Portugal de Direito – IBPD (1 turma); Árbitro inscrito na Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem CIESP/FIESP, na Câmara Latinoamericana de Mediación y Arbitraje del Seguro y del Reaseguro – AIDA – ARIAS LatinoAmérica, Chile, na Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada - CAMES, na Câmara de Arbitragem e Mediação do Oeste da Bahia – CAMOB e na Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial - CAMARB – Atuação como árbitro em seguros e resseguros em diversas outras Câmaras: Brasil-Canadá, Amcham. Ex-Superintendente de Operações Nacionais e Membro do Conselho Técnico do IRB-Brasil Re (1975-1998). Ex-Diretor Técnico e Jurídico da Munich Re do Brasil Resseguradora S.A (1998-2008). Autor de livros de seguros e resseguro [www.polidoconsultoria.com.br]; Consultor da Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguros Ltda. (desde 2008); Sócio da Conhecer Seguros (https://www.conhecerseguros.com.br); Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC; Membro do Comitê de Regulação de Seguros e Previdência Privada da Faculdade de Direito da FGV – Rio; Parecerista. https://lattes.cnpq.br/1585404610846349
artigos colunistasLeia todos os artigos

Responsabilidade civil decorrente de Produtos Defeituosos - Diretiva (UE) 2024/2853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23.10.2024

Voltar

Responsabilidade civil decorrente de Produtos Defeituosos

Diretiva (UE) 2024/2853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23.10.2024

Revogação da Diretiva 85/374/CEE do Conselho

A União Europeia, com o intuito de promover a atualização das diretrizes relativas à responsabilidade civil decorrente de produtos defeituosos, antes mesmo de modificar a emblemática Diretiva 85/374/CEE, resolveu revogá-la, substituindo-a pela nova Diretiva (EU) 2014/2853. A normativa de 1985, convém relembrar, teve vários dispositivos transpostos para o Código de Defesa do Consumidor brasileiro, a Lei n.º 8.078, de 11.09.1990.

O novo texto da Diretiva, aprovada no mês passado, levou em conta as novas tecnologias, inclusive a inteligência artificial (IA), assim como a diversidade de modelos de negócios da economia circular e da cadeia de abastecimento mundial. O instrumento anterior já não atendia o cenário e as pretensões atuais e requeria um grau elevado de modificações. A própria definição de “produto” passou por transformação significativa desde 1985. A segurança jurídica, em face da proteção dos consumidores, motivou a nova Diretiva. Os softwares passaram a integrar de forma destacada o conceito de produto e de uma maneira diversificada, na medida em que eles podem ser integrados a outros produtos ou instalados. Os programadores ou produtores de softwares, inclusive os de sistemas de IA devem ser considerados fabricantes. O novo instrumento normativo, contudo, não se aplica para software livre e de fonte aberta, desenvolvido ou fornecido fora do âmbito de uma atividade comercial. Sobre essa questão, a nova Diretiva traz variáveis que devem ser apreciadas com especial atenção. O software livre, na hipótese de ele ser integrado por um fabricante como componente num produto, no âmbito de uma atividade comercial, a responsabilidade decorrente será alcançada pela Diretiva. Há, também, a hipótese de o produto, para ser utilizado, precisar da integração à internet e, no caso da perda de conectividade, ele pode ser considerado defeituoso. Produtos que podem ser alterados, atualizados e evoluídos no respectivo software, se implicarem naquilo que a Diretiva determina como sendo uma “modificação substancial”, seja pela evolução natural da tecnologia, seja pela aprendizagem contínua da IA, a consequente responsabilização está ao abrigo da Diretiva e, nesse particular, emerge outra questão que é justamente o “momento” no qual a modificação substancial foi realizada, cujo marco pode estabelecer um “novo produto”.                   

De acordo com a evolução do movimento que se denomina “economia circular”, em transição a partir da então “economia linear”, através da qual os produtos devem ser mais duradouros, reutilizáveis, reparáveis e atualizáveis, desponta também aqui a questão do “momento” no qual o produto foi colocado em circulação, além do fato de que o processo pode ter sido realizado por outras pessoas que não o fabricante original. O controle ou não do fabricante original sobre o produto atualizado, também deve ser apreciado para a devida imputação de responsabilidade, sendo que alguns tipos de software permitem que o fabricante mantenha o controle, ainda que remotamente.  

Convém destacar, relembrando, que as Diretivas mencionadas se aplicam, exclusivamente aos consumidores (pessoas singulares) e não a empresas. Diferem, portanto, da abrangência encontrada no CDC brasileiro, cujo conceito de consumidor engloba pessoa física e pessoa jurídica, nos termos do art. 2º do referido Código. Outro ponto relevante, o fato de que as Diretivas se concentram na pré-condição do “defeito” do produto, para então serem aplicadas. Com base nessa premissa, impende destacar que a responsabilização contratual ou extracontratual do fabricante, não decorrente do defeito de um produto, se mantém sob o comando dos demais ordenamentos jurídicos dos respectivos Estrados-Membros. A responsabilidade objetiva advinda de organismos geneticamente modificados, por exemplo, se situa nesse campo fora das Diretivas em comento. Deve ser considerado, ainda, que em alguns países da UE a responsabilização do fabricante de determinado tipo de produto é legislada de forma particularizada, assim como ocorre com os produtos farmacêuticos na Alemanha, sendo que a responsabilidade do fabricante não fica limitada à incidência de defeito no medicamento. Seja como for, o direito do consumidor não é afetado pelas Diretivas, em tais situações particularizadas e nem haveria como isso acontecer.

A nova Diretiva estabelece que os Estados-Membros devem transpor os dispositivos para os respectivos ordenamentos nacionais, até o dia 9 de dezembro de 2026. Até lá, conviverão com a Diretiva 85/374/CEE em relação aos produtos colocados ou que tenham entrado em serviço antes daquela data no mercado consumidor.

São conceitos contemporâneos que decorrem da evolução tecnológica e nenhuma sociedade pode ignorá-los. A evolução legislativa tem o condão de priorizar a segurança jurídica, diminuindo os conflitos e aplacando a produção jurisprudencial que acaba se avolumando em face das lacunas do ordenamento e da obsolescência acentuada que é propiciada pela evolução tecnológica, muito mais célere do que a produção legislativa.

Walter A. Polido

Em novembro de 2024