Circular Susep nº 637, de 27.07.2021
Seguindo com o programa de flexibilização das condições contratuais dos diversos ramos de seguros, a Susep lançou a Circular 637/2021 e imprimiu através dela grau de evolução nunca experimentado pelo mercado de seguros nacional, na comercialização dos produtos relacionados aos diversos ramos afetos: Responsabilidade Civil Geral (RC Geral); Responsabilidade Civil Profissional (E&O); Responsabilidade Civil Riscos Ambientais (Seguros Ambientais); Responsabilidade Civil Compreensivo Riscos Cibernéticos (Cibernéticos); Responsabilidade Civil de Diretores e Administradores de Empresas (D&O).
O mercado de seguros brasileiro não conhecia este cenário de abertura e liberdade de atuação. Ele sempre esteve sujeito à imposição de modelos padronizados de condições contratuais, quer no regime de monopólio do resseguro, que perdurou por aproximadamente setenta anos, quer por determinação da própria Susep. Liberdade de elaboração de seus próprios produtos, nunca existiu para as Seguradoras, nem mesmo para as grandes contas internacionais. Este panorama, extremamente negativo, freou o desenvolvimento não só dos seguros de responsabilidade civil no país, como também de outros ramos, significativamente. O mercado nacional, notadamente a partir da edição da Circular Susep 437, de 2012, a qual determinava modelos de coberturas para o ramo RC Geral, se manteve apartado da realidade internacional, retrocedendo em termos conceituais. Os clausulados que o ressegurador monopolista praticava, antes da referida Circular, tinha qualidade muito superior e atendia os consumidores muito mais objetivamente. Apesar disso, não evoluíram com o passar dos anos e a Circular Susep 437/2012, assumindo o comando após a quebra do monopólio, retrocedeu no tempo, piorando, e muito, todos eles. Este cenário, finalmente, foi desconstruído pela Circular Susep 637/2021 e será apagado da memória, para o bem de todos aqueles que primam pela boa técnica e pela evolução do mercado de seguros. Passou, felizmente!
E agora, o que acontecerá no mercado de seguros brasileiro com os seguros de responsabilidade civil?
A evolução deve acontecer rapidamente.
De todo o modo, deve ser considerado que desconstruir aquilo que está feito e mesmo para reedificá-lo de forma melhorada, podem surgir resistências e até mesmo aflorar a insegurança. O despreparo para enfrentar efetivamente os desafios do novo também é um elemento que não pode ser descartado.
Os produtos de seguros prontos estão ao alcance de todos, são conhecidos sobre todos os aspectos, inclusive os negativos. Os novos requerem conhecimento e uma dose acentuada de audácia. Aliás, a atividade seguradora traz com ela este ingrediente, a audácia de quem subscreve efetivamente os riscos. Sem ele, o mercado esmorece e deixa de ser criativo e eficiente. Os produtos de seguros padronizados, na grande maioria, apresentam este ranço intrínseco e não se destacam nos aspectos da criatividade e da utilidade em face dos consumidores. Isso tem de mudar e rapidamente.
Não há nenhum mistério em relação ao cenário encontrado para as Seguradoras estrangeiras que operam no Brasil há décadas. Elas têm a possibilidade de internalizar produtos de primeiríssima qualidade, os quais elas já operam em outros países, tidos como desenvolvidos e com mercados de seguros maduros. Ora, a maturidade técnica de um mercado é construída pelos seus próprios agentes e não fora dele, tampouco por imposição do Estado, que certamente não tem essa função. Cabe aos investidores privados, na própria atividade, a promoção do desenvolvimento tecnológico. Treinamentos acentuados e vontade de fazer o melhor, são as únicas ferramentas conhecidas e disponíveis.
Não há como tardar a melhoria dos clausulados brasileiros. As Seguradoras devem espelhar aqui no país os modelos já conhecidos e praticados pelos mercados maduros, dos países desenvolvidos. Devem ser internalizados, com urgência. O momento é de ação proativa e visando a busca da melhoria do standard local, repise-se, hoje num patamar pleno de anacronismos e que agora podem ser expurgados, para sempre.
Não há razão plausível para que as Seguradoras mantenham por muito mais tempo as bases contratuais que elas praticam nos segmentos de responsabilidade civil, agora liberados pela Circular Susep 637/2021. Os segurados não podem ser submetidos a este tipo de comportamento injustificável. Os corretores de seguros, por dever de profissão, não devem aceitar esta possível postura prejudicial aos interesses de seus clientes. Os resseguradores, mormente os internacionais que já convivem em cenários de modernidade em outros países, não poderão permanecer omissos diante dessa situação de urgente melhoria das bases contratuais. O trabalho é conjunto.
Quais os principais elementos que merecem ser destacados em face da nova regulamentação publicada pela Susep, conforme a Circular 637/2021?
De ordem geral, as novas normas são extremamente liberalizantes em relação às condições contratuais. A Susep basicamente deixou de interferir na elaboração delas, sendo que a preocupação daquele Órgão Regulador se ateve a determinados conceitos e estruturas, com maior atenção, assim como ficou demonstrado na reformulação das bases dos diferentes triggers de coberturas encontrados nos segmentos. Podem ser destacados os seguintes aspectos:
I – Gatilhos que disparam o mecanismo indenizatório
Revogando as normas anteriores, importante indicar que a Susep normatizou os principais modelos utilizados internacionalmente, simplificando os conceitos e atribuindo discricionariedade necessária para cada Seguradora em relação a determinados fatores. Exemplificando, o “prazo adicional de reclamações” – ERP – extended reporting period), conforme o disposto nos arts. 2º, XII e 19, sendo que antes era determinado com duas etapas: prazo complementar e prazo suplementar, com período de tempo mínimo imposto. O prazo adicional continua sendo compulsório em apólice “claims made”, para aquelas situações de praxe, sendo que apenas o período de tempo pode ser livremente pactuado. A prática internacional, desde a criação do modelo claims made nos EUA, pelo Insurance Service Office, nos anos 1980, adota este procedimento. A questão do período de tempo passa a ser um elemento puramente comercial, podendo variar entre as Seguradoras do mercado e ser um ponto de observação para os corretores de seguros. Oneroso ou gratuito, também este importante fator passará a ser observado com maior atenção pelos corretores e de maneira a indicarem a Seguradora que apresentar a melhor condição aos clientes. O prazo adicional, apesar de constituir um elemento que somente será acionado se o seguro não for renovado na Seguradora ou se o segurado deixar de contratar o seguro, especialmente quando ele se aposentar em relação aos seguros E&O ou quando ele deixar de fabricar ou distribuir determinada linha de produto, para exemplificar, deve ser observado atentamente quando da contratação inicial do seguro. No caso do profissional segurado que se aposenta é comum encontrar, nos mercados externos, a oferta do “extended reporting period” de forma ilimitada e gratuita, até mesmo como um chamariz comercial para que o segurado se mantenha fiel àquela seguradora, enquanto perdurar a sua atividade profissional. Não é o Estado e tampouco a norma mais ou menos permissiva que determinam os procedimentos ou as melhores práticas. Elas nascem da própria atividade e da inteligência ou não dos subscritores. O livre mercado tem esta característica: o produto que oferecer as melhores condições favoráveis aos consumidores prevalece e outros não. As Seguradoras que não estiverem atentas a esta condição, certamente terão os seus produtos expurgados, merecidamente. Impende lembrar, repetidas vezes, que os contratos de seguros são construídos sobre o regime da boa-fé e devem ser úteis para os contratantes. O corretor de seguros, repise-se, tem papel preponderante neste cenário.
Quadro-resumo dos triggers e as respectivas aplicações[1]:
Tipo de Apólice
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Trigger
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Aplicação
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Ocorrências
[art. 2º, I]
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Data da ocorrência efetiva do dano
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Categorias de riscos de RC cujos sinistros podem ser identificados imediatamente, a partir do evento. RC Operações; RC Guarda de Veículos de Terceiros
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Reclamações – Claims Made pura
[art. 2º, II]
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Data da reclamação do terceiro prejudicado ao Segurado
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Riscos de RC sujeitos à longa latência. RC Produtos; RC Empregador; RC Riscos Profissionais (E&O); Seguros D&O
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Reclamações e Notificações
[art. 2º, III]
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Data da reclamação do terceiro (eventos não conhecidos) e Data da notificação do fato conhecido pelo Segurado à Seguradora
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Modelo desenvolvido especificamente para a categoria E&O – Medical Malpractice
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Reclamações e Primeira Manifestação ou Descoberta
[art. 2º, IV]
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Data da reclamação do terceiro (eventos não conhecidos) e Data do conhecimento do evento pelo Segurado
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Riscos de RC sujeitos à longa latência, sendo que o modelo foi desenvolvido especialmente para a categoria de Riscos e Seguros Ambientais específicos
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Neste momento de inovação e de redimensionamento das bases de aceitação dos riscos de RC pelo mercado de seguros brasileiro, necessário indicar o fato de que os “triggers” não foram criados a esmo pelos mercados desenvolvidos do setor. Ao contrário disso, os gatilhos foram concebidos em razão das características de cada tipo de seguro ou mesmo em face da categoria e/ou da exposição dos riscos, com base no fator “latência prolongada ou não”. Assim, é chegado o momento de também o Brasil observar atentamente esse fator, de maneira técnica, deixando de adotar apenas o modelo tradicional de apólice à base de ocorrências. Para determinadas linhas de produção industrial, no tocante ao seguro de RC Produtos, somente a apólice “claims made” é eficaz. No Brasil, por conta da não fidelização prolongada das partes nos negócios securitários, a apólice de ocorrências se torna a mais procurada e certamente contrariando a técnica subjacente. A “claims made” importa em dificuldades para efetivar a mudança de Seguradora, mas certamente ela não foi concebida pensando neste aspecto e sim nos riscos de longa exposição de determinados segurados, cujo fator foi o único determinante do modelo. Os corretores de seguros devem estar atentos a este tipo de situação, modificando a postura, mesmo porque os seus clientes ficam expostos a conflitos desnecessários, uma vez sobrevindo reclamações de sinistros e muitas vezes de difícil solução prática através de apólices tradicionais de ocorrências. É necessário evoluir no conhecimento dos conceitos, prevalecendo a boa técnica.
II – Limites por Cobertura
Há previsão dos limites no art. 2º, inciso VII – Limite Máximo de Garantia (LMG); VIII – Limite Máximo de Indenização por Cobertura (LMI); IX – Limite Agregado (LA). Nada de novo nesta disposição. A nomenclatura referente ao LMI, contudo, seria mais adequada, se tivesse sido grafada “Limite Máximo de Indenização por Sinistro” (Limits of Liability: $ ... Each claim; $ ... Aggregate) ou “Limite Máximo de Indenização por Ocorrência”, assim como acontece no mundo todo. No Brasil, pelo menos enquanto perdurou os modelos de clausulados padronizados, o procedimento usual de uma mesma apólice acolher série de “modalidades” de coberturas e cada uma delas com a indicação de LMI isolado, deve ter motivado a Susep na redação indicada na Circular em comento, assim como na manutenção do LMG. Especificamente em relação ao ramo RC Geral, este modelo se mostra anacrônico e completamente desalinhado da praxe internacional. É o momento de ser revisto pelo mercado de seguros brasileiro, remodelando a base de aceitação. Ora, as Seguradoras devem elaborar produtos de seguros de RCG por segmentos, deixando a complexidade dos modelos padronizados no passado. Assim, os referidos produtos devem prever coberturas diversas, atualmente distribuídas num amontoado de modalidades, representadas por “condições especiais”. Aos clausulados garantindo segmentos de riscos e/ou atividades são atribuídos, no mundo todo, LMI/LA únicos, sem a diversificação por coberturas. A multiplicidade de coberturas por modalidades e com LMI também isolados numa mesma apólice não representa, necessariamente, que o referido contrato de seguro atribui maior grau de proteção aos consumidores. Longe disso, a segmentação propicia lacunas entre uma condição de cobertura e outra e geram conflitos, uma vez sobrevindo sinistros. Este modelo ultrapassado prevaleceu no Brasil por décadas e já demonstrou, de maneira inequívoca, a sua ineficiência, devendo ser abandonado, taxativamente.
Será necessário, então, disponibilizar a oferta de produtos consistentes e aderentes ao novo momento, mesmo porque a experiência já demonstrou que os modelos padronizados e segmentados nunca deixaram de propiciar conflitos de toda a ordem. Assim, no ramo RC Geral, deverão ser disponibilizados, como já ocorre nos países desenvolvidos e com mercados maduros, vários modelos de produtos amplos, por segmento de atividade, todos eles formatados de maneira completa. A estrutura inadequada de Condições Gerais + Condições Especiais + Condições Particulares, deve ser abandonada. Cada segmento deve apresentar as Condições Contratuais Gerais, com algumas poucas Condições Particulares e de modo a atenderem determinadas especificidades de cada segurado. Com base neste modelo sugerido, as Seguradoras nacionais devem disponibilizar produtos bem elaborados, preferencialmente “all risks” que melhor se adequa aos seguros de RC, para os seguintes segmentos:
Seguro de Responsabilidade Civil para Operações Industriais e Comerciais, Produtos e Operações Completadas [assim como é encontrado no exterior, com dois LMI/LA, sendo um para RC Operacional e outro para RC Produtos-Operações Completadas]. As diferentes “modalidades” e “coberturas adicionais” hoje existentes nos produtos padronizados brasileiros, devem fazer parte integrante do clausulado único, sob a Seção RC Operacional e/ou RC Produtos-Operações Completadas. Com este entendimento, os riscos de RC Empregador, RC Prestação de Serviços em Locais de Terceiros, RC Obras de reparos, RC Guarda de Veículos, Riscos Contingentes-Veículos, entre outras, deixam de existir de forma segmentada, passando a fazer parte do clausulado único para os riscos industriais. Este modelo, amplo e eficaz, é encontrado nos mais diversos mercados de seguros do mundo e finalmente deverão aportar no Brasil de forma massiva;
Seguro de Responsabilidade Civil para Obras Civis em Construção, Instalações ou Montagens;
Seguro de Responsabilidade Civil para Residências, Condomínios residenciais e comerciais;
Outros tantos.
Não há mais espaço para anacronismos representados por apólices de RC Geral com texto único de Condições Gerais, acompanhadas de dez ou mais textos de Condições Especiais, mais dezenas de Condições Particulares. Este modelo já está esgotado e faz tempo. Os consumidores de seguros RC precisam ser atendidos de forma técnica, eficiente e de modo que as apólices sejam verdadeiramente úteis para eles.
Cada um dos diferentes ramos representados pela Circular Susep 637/2021 guardam especificidades e que devem ser observadas quando da elaboração dos clausulados de coberturas, mas todos eles ressentem da falta de inovação no país. É o momento dessa lacuna ser preenchida, em todos os segmentos.
III – Termos técnicos
A Circular tratou de forma simples a questão da nomenclatura técnico-jurídica, conforme o disposto no art. 2º, XIV, §§ 1º, 2º e 3º. Este ponto é preponderante neste momento de modernização dos clausulados brasileiros. Os modelos vigentes trazem expressões desnecessárias, além de empregarem definições desarticuladas da realidade jurídica em face da evolução do Direito. A utilização, por exemplo, do termo “danos corporais” no lugar de “danos pessoais”, mais apropriado e abrangente, é um procedimento que não se coaduna com a atualidade. Adotado na década dos anos 1990 pelo mercado segurador nacional e para inviabilizar a garantia automática da parcela representada pelos danos morais, a expressão “danos corporais” passou também pela evolução jurisprudencial, a qual admite igualmente a composição dos danos morais. Ora, a questão dos danos morais e dos danos estéticos deve ser repensada neste momento, deixando de ser parcelas excluídas dos clausulados e somente aceitas sob condição particularizada e com sublimitação. Este padrão não é encontrado nos outros países e o Brasil precisa se alinhar ao modelo que representa a ordem natural e adequada[2].
A Susep, assim como sempre deveria ter sido, não impôs as definições dos termos apresentadas por ela na Circular, admitindo definições equivalentes.
IV – Objeto da garantia do seguro RC
O objeto da garantia do seguro de RC, de qualquer tipo, está centrado na indenidade do segurado. Este é o padrão, internacionalmente aceito. Quem contrata o seguro de RC deseja que o seu patrimônio não seja atingido, sobrevindo sinistros, conforme os riscos cobertos pela apólice. É simples, portanto, estabelecer a garantia central deste tipo de seguro.
A Susep, assim como não poderia ter sido diferente, acolheu o conceito, conforme o disposto no art. 3º. Deixou de existir a dubiedade que estava presente em outras normativas e que de alguma forma acolhiam o possível conceito de “reembolso”. Ora, este modelo, o de reembolso, foi de vez extirpado, mesmo porque ele sempre representou uma aberração criada no mercado de seguros nacional, não encontrada em qualquer outro. Ele desconstrói toda e qualquer ideia de indenidade e só por isso é suficiente para desconsiderá-lo. Acabou e deve se estender para todos os demais segmentos que importem em garantia da parcela do risco de responsabilidade civil.
A Susep suprimiu a exigência de a decisão judicial ser transitada em julgado, descomplicando o mecanismo reparatório do seguro. Do aviso do sinistro e no transcurso da regulação do sinistro, a Seguradora, experimentada no setor e mesmo porque é litigante profissional, já tem condições de estabelecer a verossimilhança das alegações feitas, de modo a promover a indenização devida. A especialização técnica no setor é requerida e cada vez mais, assim como já acontece nos mercados desenvolvidos. Não pode persistir nenhum grau de amadorismo na subscrição e tampouco na análise e na regulação dos sinistros.
A garantia das despesas com a defesa do segurado, em apólices de seguros RC, conforme o disposto no § 3º, do art. 3º, não pode ser algo apartado e tratado de maneira adicional. Não funciona dessa forma nos mercados internacionais. A garantia dessa parcela de cobertura é inerente e automática a todos os tipos de seguros do segmento. Difere apenas o fato de haver ou não a estipulação de limite de indenização apartado na apólice, nos mais diferentes países, sendo discricionário para as seguradoras a escolha do modelo. Não pode ser diferente no Brasil. A garantia de “multas e penalidades impostas aos segurados”, usualmente admitida no D&O, não parece adequado ser estendida para os outros segmentos e mesmo porque há restrição de toda ordem quanto a subscrição dessa parcela de risco.
Impende sinalizar, dada a sua relevância, o fato de a Circular incentivar os meios alternativos para a resolução de conflitos, sendo que apesar da resistência que ainda tem prevalecido no mercado de seguros brasileiro a esse respeito, tende a ser modificada a postura no futuro próximo. A mediação e a arbitragem podem solucionar os eventuais conflitos com a agilidade que jamais será alcançada no Judiciário. Além disso, os mediadores e os árbitros serão profissionais que conhecem os contratos de seguros e suas especificidades, facilitando, e muito, o deslinde das questões.
No tocante ao ramo de seguro de Responsabilidade Civil Riscos Ambientais (RC Riscos Ambientais), conforme o inciso III, do art. 4º da Circular, impende ressaltar que, apesar dele ter sido enquadrado pela Susep sob a categoria dos seguros de RC, o seguro específico é muito mais amplo do que esta categoria e constitui ramo autônomo em outros países. Acresce o fato principal de que na apólice de seguros ambientais específica, a responsabilidade civil perante terceiros, representa apenas uma das parcelas de garantia cobertas por ela e que envolvem danos ao próprio segurado, assim como danos ecológicos.
Acertadamente, a Circular manteve a proibição da exclusão de cobertura em relação aos atos dolosos praticados por empregados do segurado (art. 6, I). O disposto no art. 762, do Código Civil, é muito claro na sua abrangência e ela não se refere aos empregados, cujos atos e fatos o empregador responde, conforme prescreve o art. 932, III, também do CC. Na hipótese de o empregado do segurado sabotar dolosamente o produto na fase de fabricação e este vier a causar lesões aos consumidores, a garantia do Seguro RC Produtos é taxativa quanto a cobertura do referido sinistro. Na mesma linha de entendimento, o empregado que provoca, deliberadamente, poluição ambiental. Outras tantas situações de riscos poderiam ser detalhadas, elucidando a matéria.
V – Livre escolha de profissionais prestadores de serviços
O artigo 9º, inciso II, consagrou objetivamente a liberdade de escolha dos advogados de defesa dos segurados. Antes, a Susep acolhia a proposição que foi feita pela OAB de São Paulo, impondo a escolha direcionada e exclusiva ao segurado. O procedimento era inadmissível, sob vários aspectos: a Seguradora é litigante profissional e com experiência para indicar profissionais especializados, diferentemente dos segurados, litigantes eventuais; o segurado pode escolher profissional não especializado em seguro e tampouco na área objeto do sinistro, o que resultará numa possível defesa deficiente, cujo resultado não interessa a nenhuma das partes; finalmente, quem paga pelas despesas de defesa é a Seguradora. A indicação de advogados pela Seguradora é o padrão encontrado nos diversos países, sem que haja qualquer tipo de conflito sobre esta prerrogativa contratual. Há, em vários mercados estrangeiros, a oferta de produtos de seguros específicos apenas para a garantia de “assistência jurídica” e, neste tipo de apólice, a indicação dos advogados pelas Seguradoras é fator preponderante também.
A Susep imaginou ou pretendeu, com esta determinação, deixar livre ao mercado a possibilidade de criar modelos diferenciados de atuação, ou seja, produtos com a oferta de rede credenciada pela Seguradora e com a liberdade de escolha pelo segurado. A precificação pode ser o fator determinante neste critério, sendo mais onerosa na opção da livre escolha. A prática demonstrará o comportamento que prevalecerá no mercado nacional e, tudo indica, não será a oferta da livre escolha, pelas razões já expostas supra.
Conclusão
É extremamente salutar ver a Susep promover este movimento de flexibilização das condições contratuais dos diferentes ramos de seguros no país e permitir, com este processo, que o mercado de seguros assuma o seu destino, cujas rédeas nunca poderiam ter sido perdidas ao longo de sua existência. Mas a retomada, ainda que tardia, é o que efetivamente importa.
Não há a possibilidade de os agentes deste mercado deixarem de ser afetados por este movimento modernizante, ainda que resistências possam existir na primeira hora. O novo sempre traz uma dose de incerteza. A mudança retira as pessoas e as corporações das respectivas zonas de conforto, impondo que elas passem a decidir sobre uma porção de situações que antes eram resolvidas pelo Estado, ainda que não da melhor forma exigível. Muda tudo. O segurado, a parte mais importante do sistema, usualmente é o último a se dar conta das mudanças havidas, mormente no Brasil onde a cultura de seguro é ainda deficiente. Mas não tardará a perceber e passará a exigir nova postura dos agentes e dos analistas de riscos, os corretores de seguros. Estes, no processo de renovação e modernização do mercado de seguros, têm papel preponderante. Às Seguradoras não resta alternativa a não ser materializarem a flexibilização posta nas novas normas. Todos ganharão com a efetivação deste processo modernizador. Não há espaço para a omissão. Tampouco para a negação. Nunca experimentamos, como agora está em marcha, a efetiva pluralidade de ofertas de produtos de seguros e não apenas sob o viés do preço no mercado brasileiro. Uma palavra e seu significado amplo, traduzem este momento ímpar do mercado de seguros: metanoia[3].
30.07.2021