Cassio Gama Amaral

Cassio Gama Amaral

Sócio do Machado Meyer Advogados. Advogado qualificado no Brasil e em Portugal. Doutorando em Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Mestre em direito pela Grande Escola de Comércio de Lyon/França e Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Experiência nas indústrias de seguros, resseguros, previdência privada e infraestrutura, assessorando clientes em deals, assuntos regulatórios e de contencioso, além de consultoria em diferentes ramos de seguros de grandes riscos. Envolvimento ativo em sinistros relevantes e em complexas disputas de (res)seguro e infraestrutura no Brasil nos últimos tempos. Professor de pós-graduação na Escola Nacional de Seguros e na Escola Superior de Advocacia, além de autor de diversas publicações sobre direito de seguros. Membro dos Conselhos Executivo e Consultivo do Instituto de Inovação em Seguro e Resseguros da Fundação Getúlio Vargas, da Associação Internacional de Direito de Seguros (AIDA), dos Comitês de Seguro, de Mediação e de Contencioso da International Bar Association (IBA), bem como dos Comitês Jurídico e de Garantia e Financiamento da ABDIB.

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Efeitos da Recuperação Judicial sobre o Seguro Garantia Judicial

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Com a derrocada da situação econômica nos dois últimos anos, o país está vivenciando uma onda sem precedentes de recuperações judiciais, tendo ganhado destaque os pedidos feitos por grandes companhias, as quais figuram como tomadoras de apólices de seguro garantia apresentadas no âmbito de processos judiciais em que são partes.

Diante desse novo cenário, desponta inevitável o questionamento sobre os efeitos dos pedidos de processamento de recuperação judicial e da homologação do plano de recuperação para as apólices de seguro garantia apresentadas nas execuções movidas contra a devedora com base em créditos sujeitos à recuperação. No presente texto, trataremos somente das repercussões para as garantias ofertadas no bojo de ações cíveis e trabalhistas, deixando para uma próxima oportunidade a análise dos impactos para as garantias das execuções fiscais, não sujeitas, em tese, à recuperação judicial.

Inicialmente, vale ressaltar que, com o deferimento do processamento da recuperação judicial, o juízo deve ordenar a suspensão de todas as ações ou exceções contra o devedor, nos termos do artigo 6º c/c o artigo 52, inciso III, da Lei de Falências, pelo prazo máximo de 180 dias (§ 4º do referido artigo 6º) contado do deferimento do processamento da recuperação, o qual tem sido corriqueiramente prorrogado, especialmente quando não demonstrada desídia ou má-fé por parte da empresa recuperanda, preservando-se, assim, o interesse da coletividade dos credores (STJ - Agravo Regimental AgRg no Conflito de Competência CC 111614 DF 2010/0072357-6, publicado em 19.11.10).

Pois bem. Durante a suspensão das execuções trabalhistas e cíveis pelo prazo legal ou de outro modo fixado pelo juízo, não se pode exigir do devedor pagamento ou depósito dos respectivos créditos exequendos, muito menos o depósito ou pagamento de indenização securitária pela seguradora que tenha ofertado garantia para tais ações judiciais suspensas.

A seguradora, frise-se, não presta garantia contra o inadimplemento da obrigação que deu origem à pretensão executiva da credora, como poderia se dar por meio de um aval, por exemplo. Ela concede garantia ao juízo contra inadimplemento de obrigação processualmente definida na ação judicial. Dessa forma, não se aplica às seguradoras, portanto, o disposto no artigo 49, §1º, da Lei de Falências, segundo o qual “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”.

A responsabilidade da seguradora emitente da apólice de seguro garantia judicial é condicionada, limitada e subsidiária, ou seja, a seguradora se obriga (garante) a depositar a indenização securitária no respectivo juízo (i) caso o tomador sucumba na ação judicial contra ele movida, o que, nas ações cíveis e trabalhistas, somente se afere após o trânsito em julgado, (ii) sempre se respeitando o limite máximo de garantia previsto na apólice e (iii) desde que se comprove o inadimplemento da tomadora com relação ao pagamento do crédito exequendo, quando exigível, nos termos da lei processual.

Por outro lado, vale ressaltar que o artigo 59, caput, da Lei de Falências dispõe que a homologação do plano de recuperação implica novação sui generis dos créditos anteriores ao pedido, obrigando o devedor e todos os credores a ele sujeitos “sem prejuízos das garantias”.

Tais garantias a que se refere o artigo 59, em linha com o disposto no artigo 49, §1º, acima referido, entretanto, devem ser entendidas como sendo aquelas dadas no âmbito dos negócios jurídicos cujos créditos estejam sujeitos à recuperação judicial e não às garantias securitárias ofertadas para segurança das ações judiciais.

Em outras palavras, a apólice de seguro garantia judicial não se presta a garantir o direito material subjacente, o qual já teria sido inadimplido pela tomadora, motivo pelo qual, diga-se de passagem, a credora move a ação. A garantia prestada pela apólice materializa sim uma verdadeira garantia do juízo, não podendo, sob qualquer ângulo e para quaisquer efeitos, ser equiparada às garantias a que se refere o artigo 49, §1º, e o artigo 59, ambos da Lei de Falências, contra as quais se abre a possibilidade de o credor perseguir seu crédito direta e independentemente contra o garantidor coobrigado (REsp 1333349/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/11/2014, DJe 02/02/2015).

Por outro lado, não se pode cogitar que a apólice de seguro garantia judicial cobriria a obrigação novada, passando o seguro a cobrir o inadimplemento das obrigações assumidas pela recuperanda (tomadora) nos termos do plano de recuperação, tendo em vista que a transmutação do risco de inadimplemento no âmbito de uma ação judicial para o risco de crédito representado pelo descumprimento do plano de recuperação é completamente diferente, não podendo ser acompanhado pela seguradora, exceto se com isso ela anuir expressa e previamente.

Finalmente, convém ressaltar que a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio do belíssimo voto condutor do ministro Luis Felipe Salomão, já asseverou que execuções individuais ajuizadas contra a recuperanda devem ser extintas (e não apenas suspensas) com a homologação do plano de recuperação (STJ, Recurso Especial nº. 1.272.697/DF, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 02.06.2015), sendo razoável se concluir pela extinção, por via de consequência, das respectivas garantias apresentadas ao juízo por terceiros, incluindo as garantias securitárias.

Em suma, o mero deferimento do processamento do pedido de recuperação e/ou a homologação do plano de recuperação judicial não são eventos idôneos a legitimar o acionamento das apólices de garantia judicial pelo juízo garantido ou pelo juízo da recuperação. Ademais, a seguradora que segura o juízo não pode ser equiparada ao garantidor coobrigado do direito material subjacente, de maneira que contra ela não se pode dar continuidade à execução garantida suspensa. Finalmente, com a homologação do plano de recuperação judicial e consequente novação dos créditos a ele sujeitos, as respectivas ações judiciais até então suspensas devem ser extintas, com a consequente extinção das garantias securitárias.

(30.09.2016)