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Augusto Franke Dahinten

Doutor e Mestre em Direito pela PUCRS. Pós-graduado em Direito Internacional Público e Privado e em Direito Ambiental pela UFRGS. Possui MBA em Direito Empresarial pelo Instituto do Desenvolvimento Cultural (IDC/RS). Advogado com atuação nas áreas da Saúde Suplementar, Seguros, Direito Regulatório e Direito do Consumidor. Professor de Direito dos Seguros. Coautor dos livros “Os Contratos de Seguro e o Código de Defesa do Consumidor: análise das principais negativas de cobertura” e “Planos de Saúde e Superior Tribunal de Justiça: comentários às principais decisões, súmulas e teses repetitivas”.

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Bernardo Franke Dahinten

Doutor e Mestre em Direito pela PUCRS. Pós-graduado em Direito Médico pela Escola Superior Verbo Jurídico, em Direito Empresarial pela PUCRS e em Contratos e Responsabilidade Civil pelo Instituto do Desenvolvimento Cultural (IDC/RS). Especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra, Portugal. Advogado com atuação nas áreas da Saúde Suplementar, Direito Médico e da Saúde, Seguros, Direito Regulatório e Direito do Consumidor. Coautor dos livros "Os Contratos de Seguro e o Código de Defesa do Consumidor: análise das principais negativas de cobertura" e "Planos de Saúde e Superior Tribunal de Justiça: comentários às principais decisões, súmulas e teses repetitivas".

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Planos de saúde e OPMEs: Panorama normativo e jurisprudencial atualizado

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Panorama normativo e jurisprudencial atualizado envolvendo a cobertura para OPMEs nos planos privados de assistência à saúde

Questão frequente no dia a dia dos planos privados de assistência à saúde diz respeito à obrigatoriedade ou não de cobertura para OPMEs - órteses, próteses e materiais especiais. Ainda que a matéria pareça estar suficientemente clara no âmbito legislativo-regulatório, a realidade judicial tem se mostrado bem mais complexa. 

Do ponto de vista normativo, as OPMEs estão disciplinadas, em primeiro lugar, na lei Federal 9.656/1998, a denominada LPS - Lei dos Planos de Saúde. Segundo essa lei, quando o plano privado contemplar a segmentação hospitalar (ou seja, quando o plano de saúde for contratado para abranger serviços hospitalares), é obrigatória a cobertura para os materiais utilizados (art. 12, inc. II, alínea "e"). Por outro lado, a mesma lei estabelece que materiais com finalidade estética e/ou que não sejam ligados ao ato cirúrgico estão excluídos do âmbito da cobertura assistencial obrigatória (art. 10, incs. II e VII), podendo-se dizer o mesmo dos materiais relacionados a tratamentos experimentais, os quais estão igualmente fora da cobertura obrigatória (art. 10, inc. I). 

Essas disposições também estão presentes no arcabouço regulatório, notadamente na RN/ANS - Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar 465/21, a qual traz relevantes complementos para a matéria. A referida norma - especialmente conhecida por veicular o rol de procedimentos e eventos em saúde (o "rol da ANS") - estabelece, por exemplo, que "Os procedimentos e eventos em saúde de cobertura obrigatória, contemplados nesta Resolução Normativa e em seus Anexos, que envolvam a colocação, inserção e/ou fixação de órteses, próteses ou outros materiais asseguram igualmente a cobertura de sua remoção, bem como de sua manutenção ou substituição, quando necessário, conforme indicação do profissional assistente (...)" (art. 15). Já no que concerne a materiais e equipamentos inerentes a procedimentos realizados por técnicas minimamente invasivas que não estejam expressamente englobadas pelo rol - como procedimentos realizados por laser, radiofrequência ou robótica - não há falar em cobertura obrigatória (art. 12).   

Outra norma relevante é a RN/ANS 424/17, a qual regulamenta o processo de junta médica/odontológica a ser realizado em casos de divergência técnico-assistencial entre a prescrição do médico/cirurgião-dentista assistente e a auditoria da operadora de plano de saúde. De acordo com essa normativa, em se tratando de órteses e próteses passíveis de cobertura contratual, duas questões devem ser observadas: a) cabe ao profissional assistente a prerrogativa de determinar as características (tipo, matéria-prima e dimensões) das OPMEs necessárias à execução dos procedimentos contidos no rol de procedimentos e eventos em saúde; e b) o profissional assistente deve justificar clinicamente a sua indicação e oferecer, pelo menos, 3 (três) marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, dentre aquelas regularizadas junto à Anvisa, que atendam às características especificadas. Sempre que o profissional assistente não indicar as três marcas ou a operadora discordar das marcas indicadas, deverá ser instaurada junta médica/odontológica (art. 7°).

Na mesma trilha é a resolução/CFM 2.318/22, norma do Conselho Federal de Medicina que disciplina a prescrição de órteses e próteses sob o viés ético. De acordo com a norma, "Cabe ao médico assistente determinar as características das órteses, próteses e materiais especiais implantáveis bem como o instrumental compatível com o seu treinamento necessário e adequado à execução do procedimento" (art. 2º). Da mesma forma, a norma estabelece que "O médico assistente requisitante deve justificar clinicamente a sua indicação, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e as legislações vigentes no país" (art. 3º), sem prejuízo de submissão à opinião de um terceiro especialista em caso de divergência entre o requisitante e a operadora (art. 9°). Destaca-se dessa mesma normativa, ainda, a regra segundo a qual é vedado ao médico assistente exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos (art. 4°). 

Digno de nota que regramento equivalente se extrai, por exemplo, da regulamentação que disciplina a atividade dos profissionais da odontologia. Citável, a esse respeito, a resolução/CFO 115/12, a qual, em essência, reproduz as mesmas regras acima mencionadas, que pairam sobre a atividade médica. 

Essas são, em linhas gerais, algumas das principais diretrizes normativas envolvendo órteses, próteses e materiais especiais e as coberturas assistenciais por parte dos planos privados de assistência à saúde. Não obstante, a efetiva compreensão quanto à disciplina envolvendo esses materiais e os planos de saúde pressupõe conhecer, também, no mínimo algumas das principais decisões judiciais atinentes à matéria. Conforme se observará, o STJ, considerando apenas o ano de 2025, proferiu importantes precedentes, que verdadeiramente complementam o regime jurídico envolvendo a matéria. Eis alguns desses precedentes: 

a. em agosto de 2025, a 3ª turma do STJ proveu recurso especial manejado por operadora de plano de saúde, concluindo pela licitude de negativa de cobertura para prótese auditiva: "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido de ser lícita a negativa de custeio, pela operadora de plano de saúde, de próteses não ligadas a ato cirúrgico [...]". (REsp 2.216.159/PE, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva); 

b. também em agosto de 2025, a 4ª turma do STJ decidiu que a órtese craniana para tratamento de assimetria craniana, ainda que não ligada a órtese cirúrgica, deve ser coberta pelo plano de saúde: "[...] abusiva a negativa de cobertura de órtese craniana indicada para tratamento de braquicefalia e plagiocefalia posicional, mesmo não estando ligada a ato cirúrgico, pois visa evitar cirurgia futura" (REsp 2.202.652/SP, relator ministro João Otávio de Noronha);

c. em junho de 2025, a 3ª turma do STJ, em caso envolvendo prótese peniana inflável, negou provimento ao recurso especial da operadora de plano de saúde, para confirmar a obrigatoriedade de cobertura sob o fundamento de que a órtese seria essencial ao tratamento da doença do beneficiário (AgInt no AREsp 2.585.557/SC, relator ministro Humberto Martins);

d. ainda em junho de 2025, a 3ª turma do STJ proveu recurso especial da beneficiária, condenando o plano de saúde a cobrir prótese mamária recomendada para tratamento posterior à cirurgia bariátrica, por não considerá-la de caráter estético: "A perícia judicial confirmou que a condição apresentada (flacidez excessiva de pele com risco de infecções e prejuízos físicos) possui nexo direto com a perda de peso após a bariátrica, o que caracteriza o caráter reparador da cirurgia mamária com prótese" (REsp 2.205.641/SP, relatora ministra Daniela Teixeira);

e. também em junho de 2025, a 3ª turma do STJ confirmou decisão que, com base na lei Federal 14.454/22, entendeu pela obrigatoriedade de cobertura para prótese customizada indicada para cirurgia de artroplastia da ATM bilateral (AREsp 2.659.834/SP, relatora ministra Daniela Teixeira);

f. em maio de 2025, a 4ª turma do STJ concluiu pela existência de cobertura para tratamento fisioterápico pelo método pediasuit, salientando, entre outros fundamentos, não se tratar de atendimento considerado experimental, tampouco de item presente na lista de órteses e próteses não implantáveis elaborada pela ANS (AgInt no REsp 2.146.012/PE, relator ministro Raul Araújo);

g. também em maio de 2025, a 3ª turma do STJ confirmou a inexistência de cobertura para cadeira de rodas e cinto especial pretendidos por beneficiário portador de Síndrome de Poirier-Bienvenu, dado se tratar de insumos desvinculados de ato cirúrgico (AREsp 2.880.143/RS, relator ministro Moura Ribeiro);

h. em abril de 2025, a 3ª turma do STJ, ao analisar caso cujo autor, vítima de grave acidente automobilístico, pretendia a substituição de antiga prótese ortopédica para membro amputado, por outra com funções mais aprimoradas, manteve decisão que concluiu pela existência de cobertura pelo plano de saúde, por entender se tratar de situação apta a excepcionalizar a taxatividade do rol da ANS (REsp 2.178.880/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva); e

i. em fevereiro de 2025, a 3ª turma do STJ confirmou decisão que concluiu ser obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, para cirurgia de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual, por não serem consideradas estéticas, além de necessárias ao processo transexualizador (AgInt no AREsp 2.480.833/RJ, relator ministro Humberto Martins).

Conforme se verifica, os referidos precedentes jurisprudenciais evidenciam a complexidade do tema. Ainda que boa parte das decisões pareça estar alinhada às previsões normativas, há diversas situações excepcionais e/ou diferenciadas que, pelas suas particularidades, podem igualmente atrair a cobertura securitária, ainda que, à luz da normatização pura, pudessem conduzir à conclusão diversa.

(17.09.2025)