Planos Privados de Assistência à Saúde e Cirurgias Robóticas
Uma temática cada vez mais em voga na sociedade contemporânea diz respeito às novas tecnologias. Trata-se de assunto dos mais relevantes e cujos inúmeros desdobramentos espalham-se por praticamente todos os segmentos e setores econômicos, inclusive a saúde suplementar. Verdade seja dita, os impactos das novas tecnologias nos planos privados de assistência à saúde não são desconhecidos e se materializam de diferentes modos, entre eles, por meio das cirurgias robóticas, cada vez mais comuns e cujos contornos não poderiam ser mais polêmicos. É sobre essas cirurgias que se pretende, por meio deste texto, tecer breves considerações.
A robótica, no contexto da medicina, nada mais é do que uma técnica cirúrgica - e, mais especificamente, uma técnica minimamente invasiva - em que o profissional médico, através de um console (uma espécie de computador com joysticks), opera braços robóticos equipados com instrumentos cirúrgicos. Além de permitir movimentos precisos, a técnica robótica inclui a utilização de uma câmera tridimensional, permitindo que o cirurgião visualize o campo cirúrgico com profundidade e definição. É considerada uma técnica moderna que confere maior precisão, controle e mobilidade ao médico cirurgião, além de reduzir o tempo de recuperação do paciente quando comparada a outras técnicas cirúrgicas.
Em termos mundiais, a primeira cirurgia robótica ocorreu ainda na década de 80 do século passado. Já no Brasil, a primeira cirurgia dessa modalidade ocorreu em 2008 e, desde então, a demanda por cirurgias dessa natureza só cresce. Atento a essa demanda, o Conselho Federal de Medicina, em 2022, regulamentou as cirurgias robóticas através da Resolução 2.311. Entre outras questões, a norma estipulou, por exemplo, que o médico cirurgião, para realizar cirurgia robótica, deve possuir treinamento específico (art. 3°, § 1°); que o paciente precisa assinar um termo de consentimento específico inteirando-lhe dos riscos e benefícios do procedimento (art. 1°, § 2°); e que os hospitais que ofereçam esse tipo de cirurgia devem possuir estrutura adequada (art. 2°). A norma prevê, inclusive, a telecirurgia robótica (art. 6°), que nada mais é do que a cirurgia robótica feita a distância, ou seja, com o robô sendo manipulado de forma remota.
Embora os números envolvendo cirurgias robóticas ainda sejam modestos quando comparados com a magnitude da população brasileira, é incontroverso que a utilização dessa técnica cirúrgica cresceu muito nos últimos anos. E com esse crescimento, naturalmente surgiram, também, os questionamentos jurídicos que a envolvem, inclusive no que tange à sua exigibilidade no âmbito dos planos privados de assistência à saúde. Afinal, planos e seguros de saúde devem cobrir cirurgias robóticas?
Com efeito, vale lembrar que o mais importante critério para fins de delimitação da amplitude da cobertura assistencial dos planos privados é o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (o “Rol da ANS”), atualmente veiculado por meio do Anexo I da Resolução Normativa (RN/ANS) nº. 465/2021. Assim, prevalece a regra básica de acordo com a qual, para estar coberto e ser exigível pelo beneficiário, o procedimento ou serviço assistencial deve estar expressamente contemplado no Rol. Do contrário, ao menos do ponto de vista regulatório, o procedimento não é considerado como sendo de cobertura obrigatória. O mesmíssimo raciocínio vale, também, para fins de aferição quanto à existência ou não de cobertura (obrigatória) para cirurgias robóticas, o que se confirma da leitura do art. 12 da citada RN/ANS n°. 465/2021. Segundo esse dispositivo, “Os procedimentos realizados por laser, radiofrequência, robótica, neuronavegação ou outro sistema de navegação, escopias e técnicas minimamente invasivas somente terão cobertura assegurada quando assim especificados no Anexo I”.
Em outras palavras, para que determinada cirurgia robótica seja considerada como sendo de cobertura obrigatória pelos planos e seguros de saúde, deve haver a previsão expressa no Rol da ANS. Além de a redação do comentado dispositivo normativo ser clara, fato é que a própria ANS, em 2024, reforçou essa premissa (e esse entendimento) por meio do seu Parecer Técnico nº 34/GCITS/GGRAS/DIPRO/2024.
Resta que, até o momento, não há nenhum procedimento por robótica efetivamente previsto no Rol da ANS, o que, a despeito dos seus benefícios, é compreensível em razão dos seus altos custos e das estruturas (equipamentos e pessoal) que são exigidas para o emprego dessa técnica cirúrgica. Portanto, a rigor, até o momento, procedimentos por robótica não são de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, em razão do que, salvo exceção, tendem a ser negados, sendo, consequentemente, judicializados.
Em pesquisa jurisprudencial realizada no início de maio de 2025 no sítio do Superior Tribunal de Justiça, foi possível localizar seis acórdãos e mais de trezentas e sessenta decisões monocráticas atinentes à matéria, prevalecendo, em sua grande maioria, o entendimento segundo o qual as cirurgias dessa natureza devem ser cobertas pelos planos privados de assistência à saúde.
A decisão colegiada mais recente - julgada em 31/03/2025, proveniente do julgamento do Recurso Especial n°. 2.195.960/RS - ao se debruçar sobre ‘prostatectomia radical robótica assistida’ prescrita a beneficiário diagnosticado com neoplasia de próstata, concluiu pela obrigatoriedade de cobertura para o procedimento fundamentando-se, em essência, no diagnóstico do paciente. A segunda decisão mais recente – julgada em 17/02/2025, proveniente do julgamento do Agravo Interno no Agravo Interno no Recurso Especial n°. 2.113.329/RS – ao avaliar o mesmo procedimento, concluiu no mesmo sentido, registrando-se, na sua ementa, que “não havendo substituto terapêutico, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico”. Pode-se dizer o mesmo da terceira decisão mais recente - julgada em 18/11/2024, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial n°. 2.136.426/DF - a qual concluiu, ainda, por confirmar a condenação do respectivo plano de saúde ao pagamento de indenização por danos morais.
Considerando esses precedentes, parece possível concluir que o STJ, no exame de demandas envolvendo cirurgias robóticas, e em se tratando de beneficiário diagnosticado com câncer, tende a concluir no sentido de que o plano privado deve cobrir o procedimento. A toda evidência, a referida corte tem dispensado a esses litígios o mesmo tratamento que vem sendo historicamente por ela dado a demandas envolvendo beneficiários acometidos por câncer, concluindo pelo dever de cobertura contratual, pouco importando demais aspectos e/ou fundamentos técnico-jurídicos que pairem sobre a matéria.
Embora essas decisões possam favorecer consumidores individualmente considerados, não se deve ignorar que os planos privados de assistência à saúde são ferramentas estruturadas mirando a coletividade que visam proteger. O incremento da sinistralidade por meio da utilização de técnicas cirúrgicas modernas (e caras) não contratadas - e, portanto, não dimensionadas na construção (e precificação) desses produtos securitários – inevitavelmente impacta toda a massa de segurados, o que, em se tratando de setor cujos desafios econômico-financeiros já são extremamente preocupantes, não pode ser menosprezado.
Augusto Franke Dahinten
Bernardo Franke Dahinten
Em 15.05.2025