Da rescindibilidade dos planos privados de assistência à saúde coletivos
Com muita satisfação, assumimos esta coluna junto à Editora Roncarati no início de 2022. Entretanto, em razão de compromissos acadêmicos e profissionais prévios, não conseguimos nos apropriar, efetivamente, deste espaço. Superados aqueles compromissos, esperamos honrar o convite que nos foi feito, mantendo uma periodicidade regular.
A saúde suplementar entrou no ano de 2025 “borbulhando”, repleta de desafios e polêmicas envolvendo os mais diversos temas. No texto de hoje, vamos adentrar numa dessas polêmicas, cuja relevância (e atualidade) justifica lhe seja conferida prioridade: a questão da rescindibilidade dos planos privados de assistência à saúde coletivos.
Convém lembrar, conforme previsto na Lei Federal 9.656/1998, a Lei dos Planos de Saúde (LPS), e nas normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), serem três os principais tipos de planos privados de assistência à saúde: individual/familiar, que é aquele contratado por pessoa natural, com ou sem grupo familiar; coletivo por adesão, contratado por associações, sindicados e entidades de classe para as pessoas que com elas mantêm vínculo; e coletivo empresarial, contratado por empresas em favor principalmente de seus colaboradores.
Desde o ano 2000, quando o setor passou a ser regulamentado e monitorado pela ANS, a grande maioria dos beneficiários encontra-se vinculada a planos coletivos empresariais. Considerando dados disponibilizados pela própria agência[1] , os planos de assistência médica fecharam o ano de 2024 com mais de 52 milhões de beneficiários, dos quais mais de 70% (37,6 milhões) estão inseridos em planos coletivos empresariais e aproximadamente 11% (5,9 milhões) em planos coletivos por adesão.
Diferentemente do que ocorre com os planos individuais/familiares, cuja legislação, salvo nos casos de não pagamento da mensalidade ou fraude, não permite a rescisão unilateral por parte das operadoras (art. 13, parágrafo único, inc. II, LPS), os planos coletivos, do ponto de vista legal-normativo, sempre contaram com esse permissivo (vide o art. 23, da RN/ANS n°. 557/2022, segundo o qual as condições de rescisão desses planos devem constar do contrato celebrado entre as partes, sem maiores restrições).
Há vários anos, contudo, esse quadro deixou de ser tão simples, o que pode ser atribuído tanto às constantes alterações promovidas no âmbito da regulamentação setorial quanto à jurisprudência.
Em 2017, por exemplo, através da RN/ANS n°. 432, a agência passou a dar tratamento diferenciado para o plano coletivo empresarial contratado por empresário individual. Entre outras especificidades, determinou que, nesses casos, a rescisão unilateral pela operadora somente poderia ocorrer na data de aniversário do plano e desde que enviada, com antecedência mínima de 60 dias, comunicação prévia ao contratante, contendo, inclusive, as razões da rescisão. Essa regra permanece válida, tendo sido reproduzida na atual RN/ANS n°. 557/2022.
Mais recentemente, a polêmica RN/ANS n°. 593/2023 entrou em vigor, igualmente impactando a matéria. Segundo a norma, no caso dos planos coletivos em que o beneficiário (pessoa natural) paga a mensalidade diretamente à operadora - como acontece no âmbito dos demitidos e aposentados relativamente aos planos empresariais e junto aos planos administrados por operadoras de autogestão, apenas para citar dois exemplos - a rescisão decorrente de inadimplemento, tal e qual já acontece por força da LPS junto aos planos individuais/familiares, deixa de ser possível quando titular ou dependente estiver internado (art. 15).
Em termos de jurisprudência, é inegável, inclusive e especialmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a existência de entendimento pretoriano expressivo no sentido de que, também junto aos planos coletivos, o direito de resilição unilateral assegurado pela regulamentação setorial às operadoras deve se sujeitar a condições e requisitos.
Emblemático, a esse respeito, o Tema 1.082, proveniente dos REsp n°. 1.842.751/RS e REsp n°. 1.846.123/SP, julgados em junho de 2022, no rito dos recursos repetitivos. Na ocasião, o STJ fixou a tese segundo a qual “A operadora, mesmo após o exercício regular do direito de rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida”. Observe-se que, em verdade, essa decisão não desmentiu o direito de resilição unilateral das operadoras nos planos coletivos, inclusive independentemente de motivação; o que ela faz foi impor a obrigação de manter, até a alta, o tratamento daqueles beneficiários que eventualmente se encontrem internados ou em meio a tratamento garantidor de sua sobrevivência ou incolumidade física, mediante é claro, o pagamento da respectiva contraprestação.
Não bastassem esses elementos, fato é que esse panorama pode estar em vias de ser novamente alterado. É que, entre os diversos temas tratados no âmbito da Consulta Pública 145 (“Política de Preços e Reajustes”), encontra-se a rescindibilidade dos planos coletivos, havendo declarada intenção, por parte da ANS, de estender, a todos os contratos coletivos, a regra de rescisão dos contratos firmados por empresários individuais, ou seja, limitando a possibilidade de rescisão à data do aniversário do contrato, mediante notificação prévia de no mínimo 60 dias, municiada das respectivas razões.
A regra, se vier a ser efetivamente adotada, além de praticamente aniquilar as liberdades e autonomias inerentes às contratações de natureza coletiva – presumivelmente paritárias, nos termos do art. 421-A, do Código Civil - alterará substancialmente o mercado, com consequências incalculáveis e o tornando ainda mais complexo e desafiador. Em qualquer hipótese, trata-se de um tema controverso e cujos próximos capítulos certamente atrairão grande repercussão e questionamentos jurídicos e judiciais.
[1] Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/numeros-do-setor/setor-de-planos-de-saude-fecha-2024-com-numeros-recordes-de-beneficiarios. Acesso em: 27/02/2025.
(28.02.2025)