A Saúde Suplementar e a Entrada em Vigor da RN/ANS 623/2024
Após cumprir período de vacância de mais de seis meses, a Resolução Normativa (RN/ANS) n°. 623/2024 entrou em vigor em 1° de julho de 2025. Trata-se de uma das mais importantes normas regulatórias recepcionadas pelo setor da saúde suplementar nos últimos tempos. O presente texto, sem qualquer pretensão de esgotar a matéria, serve para trazer algumas considerações acerca desse normativo e dos seus impactos para a rotina das operadoras de planos privados de assistência à saúde.
De pronto, é necessário reconhecer que o objeto da RN/ANS 623 é o atendimento dispendido pelas operadoras aos seus clientes, sendo especialmente relevante, portanto, para os Serviços de Atendimento ao Consumidor (os “SAC”). O que a norma faz, em resumo, é impor uma série de ações e cuidados que, ancorados acima de tudo nos deveres e princípios de informação e transparência, buscam promover boas práticas relativamente ao relacionamento entre as partes e implementar um novo padrão de qualidade no âmbito dos atendimentos.
As noções de informação e transparência, vale lembrar, não são novidades na saúde suplementar, cujos serviços e práticas há décadas subordinam-se à Lei Federal n°. 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), lei que expressamente consagra os referidos deveres e princípios. Além disso, o setor já contava, há quase dez anos, com a RN/ANS n°. 395/2016, norma que, alicerçada no CDC, já impunha uma série de regras a serem observadas pelas operadoras quando do atendimento aos seus clientes. É nesse contexto que a RN/ANS n°. 623/2024 se insere, reforçando regras já existentes e implementando outras.
Os comandos da nova norma claramente guiam-se pelas suas diretrizes: “transparência, clareza e segurança das informações”, “rastreabilidade das demandas”, “presteza e cortesia”, “racionalização e melhoria contínua”, “tempestividade” e “resolutividade da demanda” (art. 4°). A esses valores, pode-se acrescer os ditames do Decreto n°. 11.034/2022 – expressamente referido pela RN/ANS n°. 623/2024 (art. 20) e, destarte, igualmente incidente - de acordo com o qual o tratamento das demandas pelo SAC deve (também) observar os princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade.
Entre as novidades da RN/ANS n°. 623/2024, destaca-se, em primeiro lugar, a sua incidência: enquanto a norma anterior disciplinava apenas as solicitações por demandas assistenciais – isto é, disciplinando somente as situações em que o beneficiário efetivamente solicitava algum procedimento assistencial – o novo normativo passa a se aplicar, também, nas demandas não assistenciais (art. 1°), contanto que digam respeito a questões atinentes à relação contratual do plano de saúde (art. 2°, inc. II). Em virtude dessa ampliação, agora, quando da recepção de solicitação de qualquer natureza, seja assistencial ou não assistencial, cabe à operadora, como primeira ação, no início do atendimento e independentemente do canal utilizado pelo beneficiário, fornecer o respectivo número de protocolo (art. 10, caput).
Também em decorrência dessa ampliação, além de manter os prazos máximos de respostas que já vigoravam para demandas assistenciais (entre cinco e dez dias úteis, a depender do caso e da sua complexidade, ressalvados os casos de urgência/emergência, tudo nos termos do art. 12), a nova norma estabelece que as solicitações não assistenciais deverão ser respondidas no prazo máximo de sete dias úteis (art. 11). Em qualquer hipótese, seja qual for a natureza da demanda, a resposta da operadora deve ser clara e adequada, devendo estar acompanhada dos respectivos motivos e esclarecimentos (arts. 12, § 5°; 14, caput; e 15).
Outra novidade de imenso impacto diz respeito às negativas de cobertura. No âmbito da RN/ANS n°. 395/2015, em se tratando de solicitações assistenciais, somente quando (e se) o beneficiário assim requeria é que a operadora estava obrigada a fornecer a negativa por escrito. No novo regime, todas as recusas de cobertura devem ser reduzidas a termo (art. 14, caput) e comprovadamente colocadas à disposição do respectivo beneficiário (art. 14, § 1°).
A disciplina dos canais de atendimento igualmente sofreu importante modificação: até então, as operadoras eram obrigadas a oferecer os canais presencial e telefônico; agora, passa a ser igualmente obrigatório o oferecimento de canal virtual - como por meio de e-mail e/ou por aplicativo, por exemplo - o qual, conforme esclarecimento da agência reguladora, por dispensar a interação humana, deve estar disponível por tempo integral. Todos esses canais podem ser utilizados, ademais, para fins de permitir que o beneficiário consulte, a qualquer tempo, o andamento de sua solicitação (art. 13, caput e parágrafo único).
Além dessas novidades, merecem destaque, também, as novas previsões regulatórias relativas à interação com as Ouvidorias das operadoras (art. 16), assim como as relativas às avaliações trimestrais que medirão o seu desempenho relativamente às reclamações por elas recebidas (art. 22). O atingimento de determinados critérios permitirá à operadora, apenas para citar um exemplo, pleitear descontos diferenciados em caso de efetiva autuação decorrente de alguma irregularidade regulatória.
Sopesando-se as novidades introduzidas pela nova norma, parece claro o objetivo da ANS: reduzir as reclamações existentes no setor quanto aos atendimentos realizados pelas operadoras diante das solicitações de seus beneficiários por meio de um regramento que impõe, em resumo, o fornecimento de respostas (e informações) céleres, claras, adequadas e eficientes, sob pena de consequências regulatórias. Há, como dito, um reforço das regras já existentes, às quais se soma um novo conjunto de cuidados e ações a ser igualmente observado. Inicia-se, assim, uma nova era no setor em termos de relacionamento entre beneficiários e operadoras de plano de saúde, cabendo às últimas promoverem os ajustes necessários para se adequarem à norma.
(03.07.2025)