Na VI Jornada de Direito Civil, realizada em março de 2013, pelo Conselho da Justiça Federal, foram aprovados novos enunciados. Veja os enunciados relacionados à atividade seguradora.
- ENUNCIADO 542 – A recusa de renovação das apólices de seguro de vida pelas seguradoras em razão da idade do segurado é discriminatória e atenta contra a função social do contrato.
Artigos: 765 e 796 do Código Civil
Justificativa: Nos seguros de vida, o avanço da idade do segurado representa agravamento do risco para a seguradora. Para se precaverem, as seguradoras costumam estipular aumento dos prêmios conforme a progressão da idade do segurado ou, simplesmente, comunicar-lhe, às vésperas do término de vigência de uma apólice, o desinteresse na renovação do contrato. Essa prática implica, em muitos casos, o alijamento do segurado idoso, que, para contratar com nova seguradora, poderá encontrar o mesmo óbice da idade ou enfrentar prêmios com valores inacessíveis.
A prática das seguradoras é abusiva, pois contraria o art. 4º do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 01/10/2003), que dispõe: "Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei". A prática também é atentatória à função social do contrato.
A cobertura de riscos é da essência da atividade securitária, assim como o mecanismo distributivo. Os cálculos atuariais permitiriam às seguradoras diluir o risco agravado pela idade entre toda a massa de segurados, equalizando os prêmios em todas as faixas de idade, desde os mais jovens, sem sacrificar os mais idosos.
A recusa discriminatória de renovação dos contratos de seguro representa abuso da liberdade de contratar das seguradoras e atenta contra a função social do contrato de seguro, devendo, como tal, ser coibida.
- ENUNCIADO 543 – Constitui abuso do direito a modificação acentuada das condições do seguro de vida e de saúde pela seguradora quando da renovação do contrato.
Artigo: 765 do Código Civil
Justificativa: Os contratos de seguro de vida e de saúde normalmente são pactuados por longo período de tempo. Nesses casos, verificam-se relações complexas em que, muitas vezes, os consumidores se tornam clientes cativos de determinado fornecedor. Tais situações não podem ser vistas de maneira isolada, mas de modo contextualizado com a nova sistemática contratual e com os novos paradigmas principiológicos.
Trata-se de consequência da massificação das relações interpessoais com especial importância nas relações de consumo. Parte-se da premissa de que a relação contratual deve responder a eventuais mudanças de seu substrato fático ao longo do período contratual. É uma aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que prevê padrão de comportamento leal entre as partes.
A contratação em geral ocorre quando o segurado é ainda jovem. A renovação anual pode ocorrer por anos, às vezes décadas. Se, em determinado ano, de forma abrupta e inesperada, a seguradora condicionar a renovação a uma repactuação excessivamente onerosa para o segurado, há desrespeito ao dever anexo de cooperação.
Dessa forma, o direito de renovar ou não o contrato é exercido de maneira abusiva, em consonância com o disposto no art. 187 do Código Civil.
Não se trata de impedimento ou bloqueio a reajustes, mas de definir um padrão justo de reequilíbrio em que os reajustes devam ocorrer de maneira suave e gradual. Aliás, esse é o entendimento do STJ (Brasil, STJ, AgRg nos EDcl no Ag n. 1.140.960/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgamento em 23/8/11; REsp n. 1.073.595/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgamento em 23/3/11).
- ENUNCIADO 544 – O seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora.
Artigo: 787 do Código Civil
Justificativa: Embora o art. 421 do Código Civil faça menção expressa à função social do contrato, ainda persiste, em relação ao contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, no art. 787 do mesmo diploma, a visão tradicional do princípio da relatividade dos contratos. Na linha interpretativa clássica, no seguro de responsabilidade civil, a seguradora só é obrigada a indenizar a vítima por ato do segurado senão depois de reconhecida a responsabilidade deste. Como não há relação jurídica com a seguradora, o terceiro não pode acioná-la para o recebimento da indenização.
Pela teoria do reembolso, aplicável neste caso, o segurador garante o pagamento das perdas e danos devidos a terceiro pelo segurado a terceiro quando este for condenado em caráter definitivo. Por conseguinte, assume a seguradora a obrigação contratual de reembolsar o segurado das quantias que ele efetivamente vier a pagar em virtude da imputação de responsabilidade civil que o atingir.
A regra acima, omissa no Código Civil de 1916, ao invés de representar a evolução na concepção do contrato de seguro, dotado de função social, corresponde ao paradigma de que o contrato não pode atingir – seja para beneficiar ou prejudicar – terceiros que dele não participaram.
No seguro de responsabilidade civil, o segurado paga o prêmio à seguradora a fim de garantir eventual indenização a terceiro por danos causados. De tal sorte, a vítima tem legitimidade para pleitear diretamente do segurador o pagamento da indenização ou concomitantemente com o segurado. Há, portanto, uma estipulação em favor de terceiro, que somente será determinado se ocorrer o sinistro, tendo em vista a álea presente nesse contrato.
Permite-se concluir que o seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora.
- ENUNCIADO 546 – O § 2º do art. 787 do Código Civil deve ser interpretado em consonância com o art. 422 do mesmo diploma legal, não obstando o direito à indenização e ao reembolso.
Artigos: 787, § 2º, e 422
Justificativa: O § 2º do art. 787 (“É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador”) não deve ser interpretado com o propósito de obrigar os segurados a faltar com a verdade ou a criar obstáculos ao trâmite das ações judiciais, uma vez que estão em jogo princípios de ordem pública, que não podem ser suprimidos ou minimizados pela vontade das partes, conforme defende parcela significativa da moderna doutrina securitária.
A vedação ao reconhecimento da responsabilidade pelo segurado deve ser interpretada como a proibição que lhe foi imposta de adotar posturas de má-fé perante a seguradora, tais como provocar a própria revelia e/ou da seguradora, assumir indevidamente a responsabilidade pela prática de atos que sabe não ter cometido, faltar com a verdade com o objetivo de lesar a seguradora, agir ou não em conluio com o suposto lesado/beneficiário, entre outras que venham a afetar os deveres de colaboração e lealdade recíprocos. Caracteriza-se, portanto, como valorização da cláusula geral da boa-fé objetiva prevista no art. 422 do Código Civil.
Cumpre observar ainda que uma interpretação estritamente literal de tal dispositivo legal pode prejudicar ainda mais o segurado, que, nos casos de cumulação de responsabilidade civil e criminal, deixa de se beneficiar de atenuantes, comprometendo, entre outros aspectos, sua liberdade de defesa.