Por Aluízio Barbosa, em 18.11.2014 (*)
No último dia 29 de setembro foi publicada a Resolução CNSP 315/14, resultado da Consulta Pública 23/13, que passou a regulamentar o Seguro Viagem.
Sob o ponto de vista do consumidor as mudanças quase não deverão ser percebidas, afinal, as coberturas permanecem, praticamente, as mesmas, agora, a grande diferença está no fato de, a partir de agora, ser obrigatória a prestação dessa proteção através da modalidade de seguro.
Antes da edição da mencionada Resolução CNSP 315/14, a proteção oferecida ao viajante era, em muitos casos, objeto, exclusivamente, de um contrato de prestação de serviços ofertado por uma empresa de assistência que, quando muito, acoplava a seu produto uma apólice de seguro para algumas – e não todas – as coberturas oferecidas.
A partir de agora, além da certeza de estar diante de um contrato de seguro, com todas as garantias que isso oferece, tais como, necessidade de reservas visando assegurar o pagamento das indenizações decorrentes das coberturas contratadas, por exemplo, uma série de coberturas obrigatórias passou a ser inserida no produto, conforme será demonstrado a seguir.
Em virtude das diversas mudanças conceituais a serem implementadas, o órgão regulador concedeu uma vacatio legis de 365 dias, de modo que sua vigência se iniciará em setembro de 2015.
DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA
Os serviços de assistência já eram regulamentados pela Resolução CNSP 102/04 que, desde então, já estabelecia alguns pressupostos para sua existência e validade, conforme estabelecido em seu art. 2º:
“Art. 2º Os serviços mencionados no art. 1º desta Resolução:
I – devem estar:
a) vinculados à existência de contrato de seguro; e
b) previstos em documento próprio, apartado das condições contratuais do seguro;
II – não podem:
a) ter caráter indenitário, ou seja, ser pago, em espécie, ao segurado ou a ele reembolsado seu valor sob qualquer forma;
b) ser considerados na estruturação de Nota Técnica Atuarial;
c) ter seu custo, se houver, cobrado de forma agregada ao prêmio comercial; e
d) ser prestados diretamente pela sociedade seguradora.”
Tais vedações têm por escopo, naturalmente, assegurar que o serviço de assistência em questão possua caráter complementar, e não substitutivo, em relação ao contrato de seguro.
A vedação quanto ao caráter indenitário reside no fato de que o contrato de seguro tem como premissa o pagamento, pela seguradora ao segurado, de indenização quando da ocorrência de sinistro.
Nesse particular era comum algumas práticas, por empresas de assistência no produto viagem, que muitas vezes iam de encontro ao estabelecido na regulamentação como, por exemplo, a prática de reembolso das despesas incorridas pelos viajantes o que, como já visto, fere ao conceito dos serviços de assistência.
DAS COBERTURAS OBRIGATÓRIAS
A primeira grande mudança diz respeito ao estabelecimento de coberturas minimamente obrigatórias no seguro viagem.
O art. 3º da Resolução CNSP 315/14 estabelece um rol de coberturas básicas devendo o seguro viagem ofertar, obrigatoriamente, uma delas:
a) Despesas médicas, hospitalares e/ou odontológicas em viagem nacional (DMHO em viagem nacional) – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, das despesas médicas, hospitalares e/ou odontológicas efetuadas pelo segurado para seu tratamento, sob orientação médica, ocasionado por acidente pessoal ou enfermidade súbita e aguda ocorrida durante o período de viagem nacional e uma vez constatada a sua saída de sua cidade de domicílio;
b) Despesas médicas, hospitalares e/ou odontológicas em viagem ao exterior (DMHO em viagem ao exterior) – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, das despesas médicas, hospitalares e/ou odontológicas efetuadas pelo segurado para seu tratamento, sob orientação médica, ocasionado por acidente pessoal ou enfermidade súbita e aguda ocorrida durante o período de viagem ao exterior e uma vez constatada a sua saída do país de domicílio. Essa cobertura deverá, obrigatoriamente, cobrir eventos ocorridos durante a viagem ocasionados por acidente pessoal ou enfermidade súbita e aguda, sendo vedada a oferta da cobertura exclusivamente para eventos ocasionados por acidentes pessoais;
c) Traslado de corpo – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, das despesas com a liberação e transporte do corpo do segurado do local da ocorrência do evento coberto até o domicílio ou local do sepultamento, incluindo-se nestas despesas todos os procedimentos e objetos imprescindíveis ao traslado do corpo;
d) Regresso sanitário – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, das despesas com o traslado de regresso do segurado ao local de origem da viagem ou de seu domicílio, conforme definido nas condições contratuais, caso este não se encontre em condições de retornar como passageiro regular por motivo de acidente pessoal ou enfermidade cobertos;
e) Traslado Médico – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, das despesas com a remoção ou transferência do segurado até a clínica ou hospital mais próximo em condições de atendê-lo, por motivo de acidente pessoal ou enfermidade cobertos;
f) Morte em viagem – consiste no pagamento do capital segurado ao(s) beneficiário(s) indicado(s) na apólice, no certificado individual ou no bilhete, de uma única vez ou sob a forma de renda, em caso de falecimento do segurado, por causas naturais ou acidentais, durante o período de viagem;
g) Morte acidental em viagem – consiste no pagamento do capital segurado ao(s) beneficiário(s) indicado(s) na apólice, no certificado individual ou no bilhete, de uma única vez ou sob a forma de renda, em caso de falecimento do segurado, por acidente pessoal ocorrido durante o período de viagem;
h) Invalidez permanente total ou parcial por acidente em viagem – consiste no pagamento de indenização, observados os limites do capital segurado contratado, em caso de perda, redução ou impotência funcional definitiva, total ou parcial, dos membros ou órgãos definidos na apólice, no certificado individual ou no bilhete, em decorrência de lesão física sofrida pelo segurado, provocada por acidente pessoal ocorrido durante o período de viagem.
Deve ser destacado que, para os seguros que cobrirem viagens ao exterior, deverá existir, obrigatoriamente, as coberturas de (i) DMHO em viagem no exterior; (ii) traslado de corpo; (iii) regresso sanitário e (iv) traslado médico, bem como, que a cobertura de traslado de corpo não poderá ser contratada isoladamente.
DAS COBERTURAS ADICIONAIS
Passa ser estabelecido, ainda, um rol de coberturas adicionais às quais podem, obviamente, serem oferecidas de forma facultativa pelas seguradoras, mediante cobrança de prêmio adicional. Tais coberturas estão listadas no art. 5º da Resolução CNSP 315/14 e são as seguintes:
a) Bagagem – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, em caso de extravio, roubo, furto, dano ou destruição da bagagem, devidamente comprovados, de acordo com o estabelecido nas condições contratuais;
b) Funeral – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, das despesas, com o funeral, em caso de falecimento do segurado ocorrido durante o período de viagem;
c) Cancelamento de viagem – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado contratado, das despesas não reembolsáveis com a aquisição de pacotes turísticos e/ou serviços de viagens, como transporte e hospedagem, na ocorrência de evento coberto que impeça o segurado de viajar ou continuar viajando;
d) Regresso antecipado – consiste na indenização, na forma prevista nas condições gerais e limitada ao valor do capital segurado, das despesas com o traslado de regresso do segurado ao local de domicílio ou origem da viagem, ocasionado por evento coberto.
Importante mencionar que esse rol de coberturas não é taxativo, podendo as seguradoras oferecer outras coberturas adicionais, desde que relacionadas com a viagem objeto da cobertura securitária.
DA MANUTENÇÃO DA ASSISTÊNCIA À VIAGEM
Importante mencionar que os serviços de assistência à viagem não foram excluídos por força dessa nova regulamentação, contudo, conforme já exposto, seu papel deixa de ser o de protagonista do produto passando a ser, exatamente em linha com os demais serviços de assistência oferecidos em outros ramos de seguro, o de um serviço complementar ao contrato principal de natureza securitária.
Nesse sentido merece destaque a expressão permissão, contida no art. 7º, acerca da possibilidade de a seguradora, em substituição aos contratos de seguro que contemplem o pagamento de indenização ou o reembolso de despesas, ofertar produtos que contemplem a direta prestação do serviço correspondente o qual, por óbvio, não poderia ser prestado por seguradora, mas sim, por empresa de assistência, em virtude da clara vedação estabelecida no Art. 73 do Decreto-Lei 73/66: "As Sociedades Seguradoras não poderão explorar qualquer outro ramo de comércio ou de indústria".
DA COMERCIALIZAÇÃO DO SEGURO VIAGEM
Há algum tempo a SUSEP e o CNSP têm dedicado seus esforços para acabar com uma prática usual de mercado, qual seja, a utilização de apólices coletivas para disciplinar o relacionamento das seguradoras com canais de vendas de affinities.
O advento da Resolução CNSP 297/13, que disciplinou a figura do representante de seguros, veio, justamente, com o intuito de regularizar o papel dessas empresas (grandes redes varejistas, por exemplo), que atuam como autêntico canal de vendas proibindo, desde então, sua atuação na qualidade de Estipulante.
A Resolução CNSP 315/14 não agiu de forma diferente e, seguindo essa tendência, estabeleceu, expressamente em seu art. 21, a clara necessidade de (i) agências de viagem; (ii) companhias de transporte de passageiro; (iii) operadoras de cartão de crédito; e (iv) empresas de assistência, celebrarem contratos de representantes de seguros, nos termos estabelecidos na Resolução CNSP 297/13, para comercializarem apólices de seguro viagem em nome da seguradora.
Além disso, fica vedado a comercialização de serviços de assistência com características de seguro, bem como, a comercialização de seguro viagem de forma acessória à serviço de assistência, em decorrência de todos os motivos já expostos.
Por fim, merece destaque a previsão do direito de arrependimento estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, também no prazo de 7 (sete) dias a contar da contratação, desde que, obviamente, a viagem não tenha sido iniciada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente estamos diante de uma necessária evolução do produto de seguro viagem.
A transformação desse produto, de forma obrigatória, em seguro, mantendo-se a existência dos serviços de assistência mas, a partir de agora, em caráter secundário, visa assegurar uma maior proteção ao consumidor, bem como, alinhar o funcionamento da assistência no seguro viagem à regulamentação dos serviços de assistência nos demais ramos securitários.
Naturalmente, como toda nova regulamentação, é necessário aguardar o início de sua vigência, bem como, o trabalho dos órgãos de fiscalização e controle, para que o mercado possa apurar sua efetiva aplicabilidade e eficácia.
(*) Aluízio Barbosa é advogado, sócio do Escritório Pellon & Associados, professor da FUNENSEG e da FGV, presidente do Grupo de Trabalho de Direito Econômico, Regulatório e Societário da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro.