Para advogados, a estatal poderia ser enquadrada pela lei, que pune empresas por corrupção, após investigação da Operação Lava Jato. Multa pode chegar a 20% do faturamento
Roberto Dumke
Apesar das dúvidas sobre a aplicação da Lei Anticorrupção, advogados não descartam a possibilidade de a Petrobras ser alvo de processo com base na nova legislação. Entre as penas previstas, está multa de até 20% do faturamento.
A contradição, dizem os especialistas, é que a lei foi pensada para reprimir a prática de atos de corrupção pela iniciativa privada. Mas no caso da Petrobras, uma estatal, a pessoa jurídica está ligada ao governo.
Essa tese, de que a Lei Anticorrupção (12.846, de 2013) pode ser aplicada contra a Petrobras seria reforçada pelo artigo primeiro da norma. De acordo com o texto, a lei se aplica "às sociedades empresariais e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado". Na opinião do sócio do Lobo & de Rizzo Advogados, Sérgio Varella Bruna, a lei visava punir apenas as empresas privadas, deixando as estatais de fora. "A lei foi feita para demonizar o setor privado. Mas agora o tiro está saindo para culatra", diz Varella.
Para ele, há uma "timidez" nesse sentido, principalmente por parte da Controladoria Geral da União (CGU), que é o órgão competente para propor um eventual processo administrativo contra a Petrobras.
Responsável pela área de compliance e investigação do TozziniFreire Advogados, Shin Jae Kim, também admite a hipótese de que a estatal seja alvo da norma. "Mas quando colocaram essa lei, não era isso que estava por trás" observa. Ela se refere ao raciocínio de que a lei busca punir a empresa privada que pratica, suborno, por exemplo, para obter vantagem junto a órgão ou autoridade pública.
Vigência
Segundo os especialistas, outra condição para que a lei seja aplicada ao caso Petrobras é que o ato ilícito tenha ocorrido após 29 de janeiro de 2014, data em que a norma entrou em vigor. Como a legislação não é retroativa, os atos anteriores à vigência não poderiam resultar em aplicação.
Mas nesse ponto há divergência. De acordo com o sócio na área de direito da concorrência do TozziniFreire, Marcelo Calliari, mesmo que propina tivesse sido paga em data anterior a 2014, a Justiça poderia considerar a data de atividade dos contratos. Ou seja, se o contrato firmado em 2010 estivesse ativo até hoje, isso bastaria para que a lei pudesse ser aplicada.
Ele conta que essa mesma questão está sendo discutida no julgamento do cartel do metrô de São Paulo. Se for considerada a data em que foi feita a licitação, por exemplo, vários crimes já teriam prescrevido. Por outro lado, se a Justiça considerar que o contrato ficou ativo, não haveria prescrição. "O Judiciário ainda não concluiu essa discussão, mas isso tem causando uma confusão razoãvel", explica.
Varella, do Lobo & de Rizzo, comenta que nos Estados Unidos foi estabelecido que o ato ilícito se daria ao firmar o contrato. "Lá se concluiu que os contratos não são uma continuidade [da corrupção]. Pelo contrário, a execução de um contrato seria a parte lícita. Mas aqui isso ainda vai ser fruto de discussão", diz.
Multa bilionária
Considerando que a norma contra a corrupção prevê punição de até 20% sobre o faturamento da empresa, excluído tributos, o limite de eventual multa à Petrobras poderia chegar a uma cifra bilionária. Em 2013, por exemplo, a receita da estatal chegou a R$ 300 bilhões.
Outra crítica a uma possível punição à Petrobras é que no final das contas, pelo fato de a empresa ser uma estatal, o poder público sairia perdendo duas vezes. "A penalidade sairia do próprio Tesouro", destaca Shin, do Tozzini. "Além dos bilhões perdidos com corrupção, propor multa de mais não sei quantos bilhões seria contrassenso", afirma a advogada.
Mesmo considerando as outras penalidades previstas pela Lei Anticorrupção, como a perda de acesso a benefícios do governo por até cinco anos, Calliari diz que parecem não haver alternativas lógicas. "Não era o que a lei queria fazer", acrescenta ele. Mesmo assim, os advogados não descartaram hipótese de que a lei seja aplicada.
Nos Estados Unidos, inclusive, o departamento de Justiça iniciou investigação com base em legislação anticorrupção (o Foreign Corrupt Practices Act) contra a empresa brasileira. Se a estatal estivesse sob investigação análoga no Brasil, as autoridades norte-americanas não poderiam julgar a empresa.
Investigação
Varella ressalta que neste momento a Operação Lava Jato, que investiga o pagamento de propina na Petrobras, está na fase de investigação policial. "Os inquéritos estão sendo conduzidos pela Polícia Federal. As denúncias estão prometidas agora para fevereiro", lembra.
Nesta fase de denúncias é que seriam incluídos os políticos. Se envolverem deputados ou senadores, o caso vai ao Supremo Tribunal Federal (STF). Governadores ou ministros, por sua vez, são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"Apresentadas essas denúncias é que haveria espaço para que a CGU fizesse procedimentos", explica Varella. Para ele, muito do que pode vir à tona na Lava Jato pode servir de subsídio para processos administrativos no âmbito da Lei Anticorrupção (via CGU) ou no do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que zela pela parte concorrencial.
Varella acredita que a CGU deveria se explicar. "Acho que o silêncio é estranho. Mas pode ser que o procedimento esteja certo e haja boas explicações."
Vítima
Outra interpretação possível do caso, contrária à tese de que a anticorrupção poderia ser aplicada à Petrobras, é que a estatal deveria ser considerada vítima do esquema de corrupção.
Para o sócio do Peixoto & Cury Advogados, José Ricardo Martins, a Lei Anticorrupção mira as empresas que praticam atos junto a órgãos públicos para obter uma vantagem indevida. Seria o caso de empresa que paga propina a um fiscal da Receita Federal, por exemplo, para fugir de autuação. Nesse caso, a empresa comete o crime de corrupção ativa, enquanto o fiscal, o de corrupção passiva.
"Quando diretores da Petrobras estão dentro de um esquema de corrupção, eles estão agindo como o funcionário públicos", diz o advogado do Peixoto & Cury. Na visão dele, dizer que a estatal é que "batia na porta das empreiteiras e que ocupava o polo ativo é forçar a barra" e as investigações estariam sugerindo isso.
Outra prática passível de punição pela Lei Anticorrupção é a fraude em licitação, aponta Martins. Mas também nesse caso o raciocínio de aplicação seria punir a empresa participante do processo, que por meios ilícitos buscava obter vantagens em relação aos concorrentes. "O que o diretor estava querendo nesse caso da Petrobras, qual era a vantagem? Não existe. Quem obtinha vantagem eram as empreiteiras", conclui.
Procurada, até o fechamento desta edição, a CGU não pode indicar um porta-voz para comentar o assunto. A regulamentação da lei, que seria enviada à presidente Dilma Rousseff no mês passado, também é de responsabilidade da CGU.
Fonte: DCI, em 04.02.2015.