Por Vinícius Menna
Entrevista - Fábio Medina Osório - Presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE)
A chamada Lei Anticorrupção está em vigor desde janeiro deste ano e apesar de ainda não ter sido regulamentada já tem efeitos práticos e pode impactar as empresas. Um desses impactos é “a responsabilidade objetiva das empresas. “Ou seja, se um funcionário entre milhões é flagrado cometendo um ilícito de improbidade empresarial, independente de culpa ou dolo, a empresa pode ser punida. Isso exige que as empresas criem mecanismos de implantação das normas. Isso vai gerar um custo enorme”, diz o jurista gaúcho Fábio Medina Osório, nesta entrevista. Ele esteve em Natal esta semana, durante a solenidade de inauguração da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem, que foi instalada pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern), em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RN) e o Tribunal de Justiça do estado (TJRN). Na ocasião, ministrou palestra sobre a nova lei.
Como o senhor analisa a probidade empresarial no país?
Ela é tanto quanto a probidade administrativa objeto de pouco estudos estatístico. Não há estatísticas qualitativas que possam indicar o grau de corrupção que existe seja no meio empresarial, seja no público. E mais ainda o conceito que se tem de corrupção e o que mais amplo, o de improbidade que envolve além da corrupção a questão de deficiência que resulta em prejuízo ao erário. Já existe uma legislação da improbidade administrativa, que tem muitas ações hoje, que atinge pessoa jurídica de direito privado, o contratante de contratante do poder público que venham a ser enquadrados como participe, coautores ou beneficiários desses atos de improbidade administrativa. Mas não há estatística sobre o número de empresas e empresários alvejados pelas ações desse tipo. Se trabalha números mais brutos. A lei 12.443/2013 vem reforçar esses controles e inova em alguns deles.
Como afeta a economia do país?
A agenda de desenvolvimento do país passa por aperfeiçoamento de instituições republicanas e pela inserção do seu arcabouço normativo no plano global em sintonia com a legislação internacional e dos países desenvolvidos. Desta forma, não temos como negar que a Lei Anticorrupção, essa da improbidade empresarial não é uma jabuticaba brasileira, mas é uma lei que está integrada no contexto internacional impulsionada na década de 1970, em empresas americanas. Os EUA promoveu o impulso dessa cultura anticorrupção, assim hoje temos legislação análoga a esta brasileira que é de 2013, na Europa, no México, na Colombia. É uma caminhada em busca de um ambiente mais controlado, que chamamos de sustentabilidade ética, entre os países que praticam o livre comércio, capitalista. No plano econômico, a legislação tem bons propósitos. E avançamos na conceituação da legislação ética.
O que a lei anticorrupção prevê de diferente das outras leis que tratam desse assunto?
Alem de inovar também fortalece órgãos administrativos de controle, permite a regulamentação no plano federal de estados e municípios. A lei inova ao alargar as competências de órgãos administrativos de controle que passam a poder aplicar multas de até 20% sobre o faturamento bruto das empresas ano ou R$ 60 milhões e sanções de interdição das atividades. E mesmo que não venha a ser regulamentada nas unidades federativas, poderá ser aplicada diretamente por legitimados, advocacias públicas e ministérios públicos, com atribuições de até a imposição de sanções administrativas, quando houver omissão das autoridades competentes, e até mesmo a sanções judiciais como a dissolução das pessoas jurídicas. A lei fortalece as ferramentas e controle, amplifica os instrumentos repressivos e cria sanções novas. E não bastasse isso, a responsabilidade objetiva da empresas, ou seja, se um funcionário entre milhões é flagrado cometendo um ilícito de improbidade empresarial, independente de culpa ou dolo, a empresa pode ser punida. E exige que as empresas criem mecanismos de implantação das normas. Isso vai gerar um custo enorme no mercado, o chamado custo compliance, as empresas terão que atuar prevendo auditorias, consultorias, comitês independentes para coibir atos ilícitos dos seus funcionários. E, caso ocorra, se a empresa tiver adotado as medidas poderá incorrer em redução de pena, podendo até excluir da responsabilidade. Mas há um custo que deverá ser implantado em todo o mercado, que não se encontra regulado. Não sabemos qual será o impacto das empresas que contratam com o poder público, por as exigências relacionada a compliance pode se tornar exigência em processos licitatórios para priorizar quelas que trabalham com a sustentabilidade jurídica e ética.
Não há como estimar os custos?
Sabemos que houve um alto custo quando implantado no mercado financeiro. Mas precisam ser ainda avaliados.
Há algum prazo determinado para esta lei ser estruturada?
A lei esta em vigor desde janeiro, foi editada ano passado. E é autoaplicável, mesmo antes de regulamentada. Parece urgente que as empresas se adequem para que não sejam apanhadas de surpresa,.
Precisa também do aparelhamento dos fiscalizadores?
Sabemos que há lacunas imensas. Mas os órgãos que atuam junto ao poder judiciário, como o Ministério Público, já tem vocação para exercer as atribuições. Essas instituições estão se mobilizando com reflexões e devem, sim, atuar. É preciso lembrar que há um equivoco de que por não estar regulamentada, a lei não estaria em vigor. A lei tem conteúdo preventivo que enseja ação jurídica e as empresas já podem ser enquadradas.
Quais adaptações as empresas precisam fazer, na prática?
As empresas precisam rapidamente se estruturar para atender as exigências da Compliance. Mecanismos complexos de combate a corrupção e a improbidade. São programas de auditorias usadas pelas grandes empresas e corporações de capital aberto, adaptados para as que contratam com o poder público, relatórios, é importante ter rastreamento de passivos, identificar todas as evolução societária e criar ferramentas internas do plano organizacional que mostre a sustentabilidade ética das empresas, criar canal de denúncia, comitê independente. Evoluir novos patamares para atuar na prevenção. O que as empresas precisam é se organizar rapidamente. As empresas que não tiverem sustentabilidade ética podem ficar fora de processos de licitação, podem ser alvos de denuncias anônimas.
Que profissionais devem atuar nesses processos?
Escritórios qualificados, com profissionais das áreas da contabilidade, do direito, da administração e economia, interligados, para emitir pareceres, relatórios. E isso deve onerar os custos.
A lei ainda está pendente de regulamentação. Qual a sinalização para ser regulamentada?
Devem sair em seguida. Há uma questão política, eleição, talvez. Não sei por que não foi regulamentada pelo governo federal, a minuta do ministro da CGU já está na mesa da presidenta Dilma Rousseff há tempos. Os Estados e Municípios aguardam a regulamentação do governo federal para fazer o alinhamento. Mesmo sem a regulamentação, a lei está valendo e o MP pode aplicar nas vias fiscais. Há uma certa paralisia administrativa. As autoridades já deram conta que a lei tem potencial devastador muito grande, mas eu penso que essa paralisia não vai favorecer as empresas destinatárias da lei. Pelo contrario, Vai criar uma lacuna e a insegurança jurídica.
O que é preciso regulamentar, que precisa ser definido?
O principal ponto, além do acordo de leniência, não se pode é contraria a lei por meio de uma regulamentação. Pode haver um Detalhamento das exigências relacionadas ao compliance, respeitando o que foi estabelecido na lei federal. Regulamentar procedimentos nos entes federados, como apuração de ilícitos, competências das entidades administrativas, e de regulamentar serie das normas sancionadoras, desde que haja uma regulamentação no sentido de criar normas integradoras às normas sancionadoras em branco e que imponha deveres e exigências quanto a patamares éticos em relação a contratação entre empresas e poder público, fornecimento de bens.
Com quais exigências?
No âmbito do detalhamento do compliance, quais são as obrigações internas das empresas para reduzir penalidades ou cortar a responsabilidade. O que é preciso criar dentro das suas organizações internas? Cada legislação poderá criar exigências especificas. Hoje é prudente estruturar programas para os Estados com exigências básicas, mas nada impede que um Estado ou Município vá além e promova um detalhamento maior do que o roll de exigências e obrigações. Ao mesmo tempo, esta exigências pode repercutir no plano das licitações, podendo ficar vedadas de participar.
Hoje já é possível, em qualquer licitação?
Claro, a lei esta vigente. Pode criar numa licitação uma exigência especifica da legislação, mesmo que ela não esteja regulamentada na lei estadual ou municipal. E com isso, teremos um estrangulamento, só as empresas sérias terão condições de fazer esses ajustes e deverão permanecer.
Órgãos fiscalizadores?
Uma vez regulamentada, teremos órgãos reguladores no âmbito administrativo dos próprios municípios, estados e também na União, à exemplo da própria CGU, mas na impede que o ato ilícito seja apurado pelos Tribunais de Contas, pelos Ministérios Públicos.
Quais as sanções e penalidades previstas?
A que se sobressai é a dissolução da pessoa jurídica. Perda de bens, valores e direitos relacionados e equivalentes a infração. Prevê a suspensão e interdição parcial das atividades da pessoa jurídica, ou o impedimento de receber incentivos, sudsídios, doações, subvenções e empréstimos de entidades públicas ou instituições financeiras públicas. A lei anticorrupção, em alguns casos, ela incide simultaneamente com a lei de improbidade (lei número 8429) e inova em outras. De modo que é possível em futuro próximo tenhamos ação civil de improbidade que aplique a um so tempo sanções das duas legislações.
O cidadão comum pode perguntar, mas a aplicação das leis é falha. Dá para garantir que vai acabar com a corrupção?
O filósofo Sêneca já dizia que a corrupção não é um mal dos tempos, é um mal dos homens. No nosso livro Teoria da Improbidade administrativa, nós já mostramos que a corrupção na antiga roma tinha uma extensão significativa que era maior que as vistas hoje. Esse tema ganhou atenção maior a partir da década de 1960, com o crescimento econômico e a liberdade da democracia. É um preço que se tem a pagar pelas democracias contemporâneas é qu haja a corrupção. Temos que ter o compromisso com a redução dos níveis de impunidade, o arcabouço institucional normativo e nesse sentido o Brasil, tem autoridades independentes, o arcabouço é solido, mas precisamos fortalecer essas instituições e ter as ferramentas corretas para avançar no combate a essas patologias.
Colaborou a repórter Sara Vasconcelos.
Fonte: Tribuna do Norte, em 16.08.2014.