Por Márcia Alves
O maior desafio da assistência à saúde no Brasil é o aumento de custos. Segundo pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), o crescimento da variação dos custos médico-hospitalares (VCMH) acima da inflação é um fenômeno global, e o Brasil não foge à regra. No país, o VCMH cresceu 9,6% acima da inflação de 5,4%, registrada em 2012. Independentemente do desempenho da economia, a escalada dos custos da saúde está relacionada a outros fatores, como a longevidade e o envelhecimento da população, novas tecnologias, procedimentos e medicamentos. Diante desse contexto, não apenas a sustentabilidade do sistema está em risco, como também o acesso de grande parte da população.
A questão é que existem soluções para reduzir os altos custos da saúde. Uma delas, aplicada com sucesso por outros países, é a remuneração por performance (pay-for-performance ou P4P), que nada mais é do que pagar por um serviço de acordo com o desempenho apresentado por meio de indicadores preestabelecidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o grande incentivo para o avanço desse processo surgiu em 2012 com o Plano Obama de Saúde, que remunera hospitais e médicos de acordo com o desempenho. As métricas se baseiam na adesão a certos processos de atendimento, pontuações em pesquisas de satisfação do paciente, ou nos resultados da melhoria da saúde dos pacientes.
Na Inglaterra, em dezoito meses de duração do programa P4P foi alcançada uma redução de 6% na mortalidade (representando 890 mortes evitadas). Em artigo publicado no New England Journal of Medicine, em 2012, o Prof. Matt Sutton apresenta um estudo comparativo entre o modelo P4P americano e o inglês, que aponta este último como o de melhor resultado. Uma das conclusões é que a menor redução de mortalidade no modelo americano, talvez, esteja relacionada ao montante de incentivos e bônus aos hospitais, que foram de 10% contra 25% na Inglaterra.
Mas o que os dois têm em comum, segundo a articulista Mara Rocha do site Diagnostico Web, são indicadores de qualidade consistentes, a transparência do sistema – os usuários têm fácil acesso aos resultados das avaliações –, e a comunicação plena, em que todos os envolvidos são avisados sobre como funciona o programa. O objetivo de ambos é a finalidade reduzir a tendência de crescimento dos custos com a saúde estimulando a redução do desperdício, que nos Estados Unidos chega a 30%.
A tendência no Brasil
A maioria das operadoras do setor privado e dos hospitais no Brasil remunera seus prestadores por procedimento, baseado em tabelas padronizadas, e o seu pessoal por salário ou unidade de serviço. Para o presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Marcio Serôa de Araujo Coriolano, o atual modelo de pagamento de prestadores de serviços médicos vigente no país está esgotado. “A retribuição pelo serviço realizado estimula a ineficiência e premia a quantidade em detrimento da qualidade do tratamento. Encarece os tratamentos e contribui para aumentar o preço e o reajuste dos planos e seguros de saúde”, disse Coriolano em entrevista exclusiva ao CVG Notícias.
Ele destaca o pay-for-performance como um dos modelos adotados em países da Europa e nos Estados Unidos, que induzem à qualidade e à melhor resolução de episódios médicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o P4P fez a inflação médica despencar para índices equivalentes à inflação geral de preços. “Um sistema como o de pagamento por resultado médico, certamente, contribuirá para dar sustentabilidade ao já combalido setor de saúde suplementar brasileiro”, disse Coriolano.
Entre as poucas experiências do P4P no Brasil estão as Unimeds, que testam o modelo em alguns municípios, como São José dos Campos (SP) e Belo Horizonte (MG). Os resultados ainda são preliminares, mas já demonstram melhorias no nível de satisfação do usuário. Segundo o médico e consultor da ANS Cesar Luiz Abicalaffe, em uma Unimed, alguns médicos repensaram o atendimento aos pacientes, pois constataram que estes participavam ativamente do processo de avaliação por meio de pesquisas de satisfação. Outro caso foi o de uma operadora que passou a ter um volume de informações gerenciais de custo e utilização, que antes não tinha.
Algumas ações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) demonstram a intenção de preparar o setor para a completa implantação do modelo P4P. Uma delas foi a resolução que instituiu Programa de Monitoramento da Qualidade dos Prestadores de Serviços na Saúde Suplementar (Qualiss), que já conta com a adesão voluntária de 66 hospitais. Os indicadores de qualidade determinados pela ANS para este grupo serão divulgados no próximo ano, quando será obrigatória a adesão de todos os hospitais.
Em entrevista ao site Diagnóstico Web, o diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, Bruno Sobral, disse que o Qualiss se inspirou nas experiências bem sucedidas na Inglaterra e França. “A experiência inglesa possui bastante informações e muitos indicadores, mas peca pelo excesso, uma vez que o usuário não consegue absorver tudo. Já a experiência francesa foi a que mais nos inspirou por ser mais sucinta”, disse. Segundo ele, a intenção da ANS é produzir uma versão mais acessível possível para o usuário. “Afinal, não adianta dizer para o leigo que o índice de infecção por cateter venoso central da UTI pediátrica é 4%, ou 3%, porque ele não vai entender”, acrescentou.
Para o presidente da FenaSaúde, o principal desafio para a implantação do modelo de pagamento por performance no Brasil é “convencer os prestadores médicos de que a sustentabilidade de todo o sistema depende desse passo”. Segundo ele, nos Estados Unidos, como a grande fonte pagadora é o governo, e como os hospitais privados dependem dele, o programa de pagamento por resultados foi mais facilmente implementado. Semelhante às experiências europeia e australiana, onde o governo foi e é muito ativo para promover mudanças em seus sistemas de saúde. “No Brasil, precisará haver uma coalizão com a participação da iniciativa privada e do governo. E é urgente”, concluiu Coriolano.
Fonte: CVG-SP, em 24.10.2014.