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Governança Corporativa para todas as empresas

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Entrevistador: Catia Santana 
Entrevistado: Roberto Waack

A governança corporativa, velha conhecida das empresas de capital aberto para as quais o sistema de gestão é obrigatório por lei, também pode ser uma grande aliada para organizações empresariais que desejam se tornar mais assertivas em suas decisões e, assim, melhorar sua rentabilidade, mitigar conflitos e, ainda, agregar valor à organização.

O modelo de gestão consiste num sistema pelo qual as empresas são dirigidas e monitoradas, além de envolver a formação de um conselho de administração, as práticas e os relacionamentos entre os proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle. Em entrevista ao Jus Econômico, Roberto Waack, conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), fala sobre os pontos centrais da governança corporativa, explica a contribuição do modelo de gestão para a rentabilidade e saúde das empresas e desmistifica a ideia de que apenas companhias de capital aberto teriam necessidade de implementá-la.

“É extremamente importante conhecer o que é governança. Desmistificar e entender que a governança não é apenas para as empresas de capital aberto, mas para qualquer tipo de empresa e organização”.

Jus Econômico - A governança corporativa é uma forma de gestão que se baseia em quais pilares?

Roberto Waack – Um dos pontos centrais da governança é a transparência de informações para que os acionistas possam tomar decisões informadas, com qualidade adequada, fundamentada em informações precisas, esse é um dos elementos centrais. O outro pilar é a necessidade de haver uma gestão do processo de tomada de decisão, que demanda a tomada de decisão por um grupo qualificado de pessoas, esse é o conceito de conselho. Quem deve compor o conselho e a qualificação dos conselheiros, que é extremamente importante, é um dos pontos centrais do processo de governança. Primeiro é necessário ter um conjunto de informações adequadas.  Segundo, um conjunto de pessoas que possam traduzir essas informações em decisões. Diria que esses são os dois elementos centrais da governança de forma bem aberta e não técnica.

Jus Econômico - De que maneira a governança contribui para a saúde da empresa no que se refere a sua rentabilidade e sustentabilidade?

Roberto Waack – Na medida em que é traduzido o conhecimento do que está acontecendo na empresa, volto na questão do primeiro pilar, que é o da transparência e da qualidade da informação, e essas questões são traduzidas em valor para a empresa, então, começa-se a tangenciar a questão da saúde e da sustentabilidade que você mencionou.  Se o ambiente de negócios for desfavorável, a organização será prejudicada. O primeiro elemento é traduzir as questões relacionadas ao ambiente de negócios e como isso afeta o valor [da organização]. O outro elemento é o ambiente interno da organização, que abrange a tecnologia, a capacidade de vender, capacidade financeira, o potencial dos recursos humanos. Tudo isso afeta o valor e é preciso que esse grupo qualificado de pessoas consiga analisar essas informações e concluir que tipos de ações serão demandas do managment para que determinados riscos sejam mitigados. Por exemplo, se há uma situação desfavorável no mercado internacional, aquele grupo de pessoas, que são os conselheiros, deve ser, adequadamente, informado pela gestão de que há um problema no âmbito internacional para que avaliem se a forma como os gestores estão propondo a condução da empresa está adequada e essa avaliação é traduzida em saúde econômica da organização. A avaliação e o monitoramento do ambiente de negócios e do ambiente interno (a palavra monitoramento é absolutamente chave porque ela permite uma decisão qualificada por esse grupo de pessoas que são os conselheiros) vai se traduzir em saúde e valor do negócio.  O managment apresenta as informações sobre o ambiente de negócios e a situação interna, o conselho consegue digerir essa proposta e a avalia se condução do negócio do managment está adequada. Se ele julgar que não está adequada, ele interfere e propõe mudanças, independentemente de terem vindo do managment ou não e isso é traduzido em estratégias e ações que devem redundar na melhor saúde econômica, financeira para a organização. Um elemento fundamental, a palavra sustentabilidade, já que esse universo era focado no financeiro, tem se alargado muito. Tradicionalmente, o foco da saúde da empresa era financeiro e muito voltado para o curto prazo, o que tem mudado nos últimos anos com a expansão do universo de análise para questões sociais, ambientais, para aquelas relacionadas à reputação, ao capital intelectual, à marca, que vão além do financeiro, esse é um conjunto de novos valores para as organizações. Por isso, os conselhos precisam estar muito preparados para ir além da análise financeira e de curto prazo, às vezes, uma ação pode ser muito interessante no curto prazo, mas podem consumir valor no longo prazo. Então, quando você menciona a saúde da empresa, o conceito de saúde está sendo expandido tanto no seu escopo quanto no seu aspecto temporal. O conselheiro tem que pensar na saúde no longo prazo, claro que também no curto prazo, mas não se esquecer do longo prazo. Eles [os conselheiros] atuam digerindo esse conjunto de informação, traduzindo isso na ótica financeira, ambiental, intelectual e social, dizendo como isso afeta o negócio no curto e no longo prazo e indicando os grandes movimentos que a empresa deve precisa ter, sempre de uma forma macro e nunca micro.

Jus Econômico - Apenas as empresas de capital aberto são obrigadas por lei a ter governança corporativa. E as demais?

Roberto Waack – As demais não são obrigadas, mas deveriam ter porque é bom para elas. É bom para uma empresa familiar, para uma empresa de capital fechado, para uma ONG, para uma empresa mista, para a Petrobras...[provoca]. É bom para todo mundo.

Jus Econômico - As sociedades de capital fechado ou companhias limitadas por terem propriedade mais concentrada podem ter mais dificuldades de decisão sobre as melhores práticas para a empresa? Qual o papel da governança para esses tipos de empresa?

Roberto Waack – Não é diferente do que mencionei. Se uma empresa familiar, por exemplo, decide ter um conselho ela está proporcionando àquele acionista familiar, que criou a empresa, o empreendedor e à família, um conjunto de pessoas que vão melhorar a qualidade de decisão, por elementos que são analisados, contribuindo para a decisão do empreendedor e da família e, em algumas situações, até para a redução de eventuais conflitos de família e de sucessão. Todos os elementos que mencionei da governança são igualmente úteis para a empresa de capital aberto ou de controle concentrado em uma só pessoa, não faz mal nenhum ter isso. Muitas vezes, não se tem um conselho de administração, mas um conselho consultivo, que é uma das modalidades. Talvez, uma das alternativas para as empresas familiares e de capital fechado, mas o conceito é o mesmo, que é o de ter melhor qualidade nas decisões porque se tem um grupo mais robusto, informado e qualificado para ajudar a tomada de decisão de quem está na linha de frente da gestão.

Jus Econômico – Pode-se afirmar que a governança corporativa é uma forma de se agregar valor à empresa?

Roberto Waack – Sem dúvida nenhuma. Ela é uma forma de agregar valor à empresa. Há uma questão importante ligada a isso que você está dizendo que empresas com governança, sejam elas empresas de capital aberto, fechado ou familiares, são percebidas pelo mercado como empresas que tem maior valor, esse é um sinal de gestão mais profissional. O mercado percebe a governança como algo que adiciona valor. Muitas empresas que estão fechadas ou são familiares, que buscam linhas de financiamento, a análise de grandes agentes financeiros como o BNDES, passam pela avaliação da governança. A governança tem uma influência relevante na capacidade da empresa para atrair capital para o seu negócio.

Jus Econômico – Diante do atual cenário econômico, com ajuste fiscal as empresas se viram obrigadas a reverem seus planos de ação. Empresas que tenham governança levam vantagem sobre as que não têm para reavaliar seus planos e projetos?

Roberto Waack – Sim, porque é possível ter uma análise mais qualificada do cenário, então se pode ter um processo de tomada de decisão mais eficiente que gera mais qualidade nas decisões, esse é um aspecto. O outro aspecto é que elas [empresas] são percebidas como empresas de menor risco no mundo da indústria financeira, ou seja, os bancos que, às vezes numa situação como essa que estamos vivendo há necessidade de recorrer ao sistema financeiro, avalia a governança, esse é um dos pontos. Numa situação de crise, como essa, ter uma boa governança pode ser um diferencial bastante relevante.

Jus Econômico - A governança corporativa não é aplicável apenas às organizações empresariais. Poderia comentar sobre isso?

Roberto Waack – É interessante que cada vez menos há uma divisão entre o que é o mundo privado e o mundo da sociedade civil. Há algumas organizações que não se sabe muito bem se é uma empresa ou uma ONG. A governança, esse conceito que é preciso tomar decisão qualificada e bem informada vale para todo mundo.  O Greenpeace, por exemplo, que tem que tomar uma decisão de uma campanha que pode colocar em risco pessoas ou que envolva um risco financeiro ou de uma ação judicial ou, ainda, a reputação etc., se tiver um conselho que ajude a avaliar o contexto ou que debata sobre as diferentes alternativas, é muito provável que a decisão tomada seja melhor do que não tendo esse processo de reflexão sobre as oportunidades e os riscos da organização. Por outro lado, no mundo da sociedade civil que depende de doadores, financiadores e que não esperam o retorno do investimento, [esses doadores] querem saber cada vez mais se o recurso alocado foi corretamente utilizado, eles exigem cada vez mais governança. Então, os grandes fundos, que fazem grandes doações, cada vez mais questionam se o dinheiro doado será adequadamente aplicado. Essas organizações são mais demandas a terem conselhos, muitas vezes, nesses conselhos aparecem representantes dos próprios doadores, que querem acompanhar a alocação do seu capital, por isso não é diferente do mundo dos stakeholders. Quem são os shawholders das ONGs? Algumas ONGs que tem membros, por exemplo, o Forest Social Council (FSC), o esquema de gestão de florestas mundial, tem quase dois mil membros no mundo. Esses dois mil membros demandam uma série de itens nas suas assembleias e aí eles querem saber se esses itens serão corretamente implementados, por isso, nomeiam representantes para constituir um conselho que vai acompanhar se aquelas decisões que foram tomadas por seus membros vão ser adequadamente implementadas. Esse modelo é muito parecido, não faz diferença se é uma ONG, uma empresa de capital aberto ou fechado, o conceito é o mesmo.

Jus Econômico – O que as empresas que pensam em implementar a governança devem fazer?

Roberto Waack – O primeiro passo para a governança é se capacitar, imergir um pouco, especialmente, no mundo dos empreendedores e das famílias. É extremamente importante conhecer o que é governança. Desmistificar a governança, entender que a governança não é apenas para as empresas de capital aberto, mas para qualquer tipo de empresa e organização. O segundo passo é começar a pensar na constituição do conselho e aí tem dois elementos. O primeiro é quem deve compor o conselho, que tipo de perfil deve ter, o que o empreendedor espera do conselho, qual o seu limite de alçada, quanto ele está disposto a abrir mão da sua decisão de dono, compartilhar informações, discutir elementos críticos. A composição do conselho é uma decisão muito importante, que precisa dar conforto ao empreendedor, a quem está iniciando nesse mundo. Não pode ser um processo radical de uma mudança completa da forma de como as decisões eram tomadas porque já há uma qualidade muito grande no fato da decisão ser tomada por empreendedor, esse equilíbrio é muito importante na implementação. A outra questão, relacionada ao conselho, é a sua dinâmica com uma reunião por ano ou por mês, se o empreendedor está disposto a pagar os conselheiros, se ele está disposto a ter um processo de informação mais organizado, estruturado que é o dia a dia do conselho. O primeiro passo é uma boa qualificação do empresário, depois a formação de um conselho adequado a sua empresa. Não existe uma regra única de que todo conselho tem que ser do mesmo jeito, pelo contrário, os conselhos tem que se adaptar, estar muito relacionado à história da organização, do acionista, tem que dar conforto ao acionista tem que permitir que ele perceba o valor que ele espera do conselho. E aí, é necessário estabelecer um conjunto de rotinas relacionadas a datas, prazos, como é o fluxo de informação, como o conselho é avaliado.

Fonte: Jus Econômico, em 06.03.2015.