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Criminal Compliance: Prevenção como Ação Mitigadora da Penalização

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Por David Rechulski 

No Brasil, muitos ainda não ouviram sequer falar em criminal compliance, tampouco em prevenção corporativa como uma ação mitigadora de riscos de responsabilização criminal, algo que hoje representa, como melhor veremos adiante, salvaguarda à própria continuidade das atividades corporativas.

O primeiro passo lógico que se impõe à correta compreensão do tema como um todo é desmistificar o sentido da terminologia, transportando-a ao domínio comum, a fim de que a todos possa alcançar. Portanto, lato sensu, criminal compliance nada mais é do que um conjunto de regras, formas e estratégias de prevenção cuja finalidade é evitar a subsunção de ações ou omissões potencialmente factíveis no ambiente corporativo aos tipos penais previstos em lei e, assim, minorar os riscos de que possam ou venham tais condutas a alcançar a corporação e/ou seus gestores com sanções de natureza penal.

E por qual razão ainda hoje acontece de as empresas e executivos não mapearem esse risco efetivo, real e até ostensivo para, assim como ocorre com diversos outros, aplicar-se o tratamento de prioridade que merece? Primeiro porque não há uma tradição de investimento em algo que equivocadamente se considera como risco remoto e, segundo, porque não se detém a correta percepção do aumento desse risco, que a cada dia é mais e mais incrementado com a contínua transferência de responsabilidades dos deveres do Estado ao particular, tendência que sistematicamente vem se materializando nos últimos anos com o surgimento de novas leis que veladamente tem essa diretriz por escopo precípuo.

Pior ainda, sequer formou-se a compreensão de que para obrigar o particular a atuar como protagonista nessa transferência de responsabilidades do Estado, o legislador construiu um arcabouço de penalidades de natureza criminal, muitas delas divorciadas dos princípios fundamentológicos que alicerçam o direito penal, sobretudo de seu papel subsidiário de ultima ratio.

Assim, a possibilidade de subsunção ao cenário criminal, no ambiente corporativo, que antes podia ser considerado como um risco eminentemente remoto, sobretudo em contemplação a premissa empresarial e institucional de atuar em conformidade com a lei, hoje se revela com contornos de probabilidade e isso fica claro quando estabelecemos um rol legislativo que evidencia a clara tendência de regulamentação reflexa da atividade empresarial, sempre em paralelo com a perspectiva de se estar a combater a corrupção, mazela das mazelas em qualquer sociedade, sobretudo em face de suas consequências sociais.

Evolução cronológica da legislação com reflexos no ambiente empresarial

- 1993 – Lei de Licitações
- 1998 – Lei n. 9.613 (Lei de Lavagem de Dinheiro)
- 2008 – Criação do Cadastro de Empresas Inidôneas (CEIS)
- 2010 – Criação do Cadastro Pró-Ética
- 2012 – Lei n. 12.683 (Nova Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro)
- 2013 – Lei de Conflito de Interesses
- 2013 – Lei n. 12.846 (Lei Anticorrupção)

Diante de tantas novas leis com reflexos diretos no ambiente empresarial – especialmente sob a perspectiva de que a corrupção nasce de uma relação de promiscuidade entre os representantes das empresas e os agentes públicos, e vice-versa –, parece bastante evidente a importância institucional que adquire o criminal compliance na vida corporativa, especialmente agora com o advento da chamada Lei Anticorrupção brasileira.

E essa importância se mostra ainda mais significativa quando consideramos, no cenário de consequências legais, que o risco de condutas voltadas à corrupção está institucionalizado como um vírus em nosso país, ou seja, a corrupção já é algo que se imiscuiu no organismo de nossa sociedade, lamentavelmente! E, se está no cenário do mais (sociedade), também está no cenário do menos (ambiente corporativo)!

Nesse sentido, não podemos nos olvidar de duas, ou melhor, de três de nossas idiossincrasias mais pujantes, que podem perfeitamente estar permeadas em alguma parcela dos elementos que compõem o corpo de funcionários das empresas. A primeira, o famoso jeitinho brasileiro, quase que materializado de uma anedota, até nasceu ingênuo, traduzindo capacidade de improvisação e maleabilidade. Cresceu e viu agregar-se à sua personalidade a crença na impunidade, passando assim a ser um artifício seguro para, de forma contumaz, até voraz, burlar regras, ordens, convenções sociais, padrões éticos e morais e, finalmente, a própria lei.

Não bastasse e fosse suficiente, veiculou-se em nosso país uma campanha publicitária em meados dos anos 70 que acabou sendo popularmente desvirtuada, culminando na primeira lei não codificada que “pegou” nesse nosso Brasil, qual seja, a famosa e famigerada Lei de Gérson!

Para os que não se recordam ou desconhecem, mais precisamente em 1976, no país do futebol, vem à mídia um ídolo da seleção brasileira recentemente tricampeã mundial, Gérson – jogador positivamente diferenciado não só por seu brilhante futebol, mais pela capacidade de articulação verbal –, protagonizar uma campanha publicitária maciçamente divuldada, onde a mensagem que resta absorvida pelo público é que o certo é levar vantagem em tudo, que o esperto é aquele que leva vantagem em tudo!

A propaganda televisiva inicia-se associando a imagem de Gérson como sendo o “cérebro da Seleção Brasileira campeã de 1970”, sendo que um entrevistador lhe pergunta o porquê (fumar/escolher) de Vila Rica (marca de um cigarro da época). Durante a resposta o entrevistador recebe um cigarro de Gérson e o acende, enquanto ouve:

“Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!”.

Desse cenário, promulga-se a Lei de Gérson, a Lei da Vantagem, formando assim a segunda grande idiossincrasia que nos assombra. E pior, quando esta última se associa à primeira, nasce uma terceira, ainda muito mais poderosa e perniciosa. O jeitinho vira meio instrumental e passa a ser a forma de se levar vantagem em tudo, passa a ser o expediente padrão para se posicionar como mais esperto que os outros e assim galgar vantagens indevidas, – sobrepujando a ética e moral –, e também espúrias, quando extrapolam as margens da legalidade.

É exatamente dessa forma que muitos confundem um crime apenado com até 12 anos de reclusão (pagamento de propina a funcionário público) com o famigerado “jeitinho”! Aliás, pesquisas sociológicas apontam que grande parcela da população brasileira não considera crime “gratificar” um policial de trânsito para se safar de uma multa!

Debruçado sobre esse racional distorcido, como exercício de reflexão e longe de qualquer digressão, é possível suscitar como exemplo o risco que uma transportadora rodoviária corre de sucumbir às penalidades preconizadas na nova lei anticorrupção brasileira, que instiui a responsabilidade objetiva à pessoa jurídica no âmbito civil e administrativo e, obliquamente, também no âmbito penal, como será comprovado logo adiante!

Voltando ao exemplo, imaginemos uma empresa de transporte rodoviário de cargas que possui uma frota própria com 100 caminhões! Qual o cenário de risco, – teoricamente possível ou altamente provável –, de que um dos motoristas dessa frota, que já esteja com seu prontuário recheado de pontos e na iminência de ultrapassar o limite que lhe acarrete a suspensão ou cassação da habilitação, ao ser parado em um comando policial flagrado por uma infração de trânsito, não considere a corrupção como solução para safar-se da autuação?

Convenhamos que não seja apenas remota essa possibilidade! Afinal, cerca de 2/3 da população brasileira agiria dessa forma com naturalidade e acreditando que isso nada mais é do que um simples “jeitinho” brasileiro de resolver a situação, sendo inclusive certo que seria motivo de bravata na roda de seus pares!

Pois bem. E em não sendo remota a probabilidade desse mal agir, também não é inoportuno lembrar que se esse motorista optar por pagar proprina para não ser pessoalmente penalizado com a inserção de pontos em seu prontuário, estará, por intermédio de um ato de corrupção, em via reflexa de consequência, propiciando, diretamente, vantagem econômica à empresa, sua empregadora e proprietária do veículo, sujeitando-a, pelo menos a algumas das penalidades previstas na lei anticorrupção, cuja responsabilidade é meramente objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo!

Qual a face oculta desse exemplo? Ora, se houve um ato de corrupção e a empresa restou beneficiada economicamente mesmo que sem o consentimento ou sequer o conhecimento de seus gestores, é porque havia do outro lado um agente público corrupto, alguém que ordinariamente usa de seu cargo e poder para usurpar a lei e, assim, tal qual o particular com quem transaciona, dar um jeitinho para levar alguma vantagem!

Não obstante, algumas vezes, alguns menos atentos se esquecem de considerar a corrupção como sendo as duas faces de uma mesma moeda, mas isso não é o mais curioso! O que realmente merece algumas linhas, é que sendo menos conservador e enxergando além do óbvio ululante que pupula na mente legislativa, sem qualquer miopia político-partidária, é possível enxergar a corrupção, sobretudo nos tempos hodiernos, mas também desde os tempos mais remotos, como uma moeda de três faces.

E a corrupção assume sua tríplice faceta quando o agente público é quem corrompe o particular para que este o corrompa, o que faz criando deliberadas e intransponíveis dificuldades, senão pela hedionda corrupção, ou seja, “cria dificuldades para vender facilidades”, frase essa que até em adágio popular se transformou. Assim, tem-se o agente público como sendo o corruptor de si próprio, – “o corrompido” –, com o particular por seu refém e cúmplice! Se essa é a regra ou não, não se discute, mas que é altamente frequente, ninguém pode negar! E, apesar de altamente frequente, essa vertente, originariamente prevista no texto da lei anticorrupção como uma atenuante, foi objeto de veto pela Presidência da República.

Mais surreal ainda é o fato de que o governo sanciona a lei 12.846/2013, – mas sem desde logo regulamentá-la no âmbito federal –, alardeando que sua principal inovação foi instituir a responsabilidade objetiva às empresas no âmbito civil e administrativo, quando na verdade, de forma oblíquia e artificiosa, institui sim é a responsabilidade penal objetiva à pessoa jurídica, o que fica evidente por sua natureza sancionatória.

E tanto se sustenta em fundamentos concretos o que ora afirmamos, que basta traçar um singelo quadro comparativo entre as sações previstas à pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais, com as sanções previstas na lei anticorrupção, para constatarmos, de forma clara e irretorquível, que elas tem a mesma exata natureza jurídica em si. Vejamos:

Evidente, portanto, o absoluto contrassenso (certamente proposital) de prever o legislador sanções de natureza penal à pessoa jurídica em face da violação das regras anticorrupção e deixar sob a competência das esferas administrativa e cível o juízo quanto à sua efetiva aplicação, subtraindo o justo e devido garantismo que haveria no juízo penal.

Paralelamente a isso, não se pode olvidar que o artigo 3º da Lei Anticorrupção estabelece que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito, o que contempla, naturalmente, a possibilidade de responsabilização criminal.

Mais uma vez, a semelhança entre as premissas de responsabilização desta lei com a de crimes ambientais, – que as claras arvora a responsabilidade penal da pessoa jurídica –, é patente, conforme se verifica no quadro abaixo:

CriminalCompliance3

E nesse cenário de riscos de imputação penal dos dirigentes da companhia por coautoria ou participação, exsurge com notória importância a figura da omissão penalmente relevante. Com efeito, nos termos do artigo 13, § 2, do Código Penal, a omissão é penalmente relevante quando o omitente podia e devia agir para evitar o resultado, sendo que tal dever incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância; a quem criou, com seu comportamento anterior, o risco da ocorrência do resultado; ou a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado.

E é precisamente nessa terceira modalidade de dever de agir em que está inserida a figura do Compliance Officer, que, em função de contrato, ou mesmo por situação de fato no âmbito da corporação, coloca-se, efetivamente, na situação de garante da não ocorrência dos resultados lesivos a que alude a lei anticorrupção.

Note-se que, embora a atuação do Compliance Officer ou do executivo encarregado desse papel, – independentemente de nomenclaturas –, originariamente estivesse vinculada à preservação dos interesses da própria companhia, como nos casos de prevenção de perdas e combate a fraudes internas, fato é que, com o advento das legislações anticorrupção no cenário mundial, e, agora, em nosso país, sua missão evoluiu para um espectro extremamente mais amplo, passando a contemplar a proteção da Administração Pública contra a própria companhia, não apenas em face de ações institucionais, mas também diante de ações individuais impróprias que advenham dos integrantes desta em seu interesse ou benefício, direto ou indireto, exclusivo ou não.

Logo, pode-se afirmar que houve uma clara mudança de paradigma acerca do papel institucional do Compliance Officer, passando este a ser, agora, primordialmente responsável pela gestão da integridade das condutas corporativas para com a Administração Pública, pela gestão do risco em bem desta, pela assunção efetiva dos deveres de cuidado, tudo perpassado pela relativização do princípio da confiança interna, em relação às pessoas dos gestores, funcionários e prepostos da companhia, ante o interesse da própria Administração Pública.

Desse modo, o Compliance Officer tem o dever de tudo fazer ao seu alcance para impedir a prática daquelas condutas associadas à corrupção, à subvenção da prática de atos ilícitos, às fraudes nos procedimentos licitatórios, especialmente por meio da implementação de um programa de compliance efetivo. Ao se omitir, seja ao não implementar um programa de compliance efetivo, seja ao não fiscalizar-lhe o cumprimento, investigando condutas potencialmente ilícitas, e assim concorrer para a ocorrência do resultado lesivo a que lhe comanda a lei evitar, poderá ele ser envolvido no cenário das apurações para avaliar-se a relevância de sua omissão diante do crime perpetrado.

Esse entendimento acerca da possiblidade concreta de responsabilização criminal do Compliance Officer em face de atos de corrupção praticados no âmbito da corporação já foi corroborado, inclusive, pela Suprema Corte Federal alemã, em decisão proferida 17 de julho de 2009 (BGH 5 StR 394/08).

Nos termos do precedente, o acusado, então responsável pelos departamentos jurídico e de auditoria de uma empresa pública de Berlim, incumbida da prestação dos serviços de limpeza pública, descobriu a existência de um erro nos sistemas da companhia que redundava na emissão de cobranças em valores maiores do que os realmente devidos pelos contribuintes. Ao comunicar o fato à diretoria, o acusado foi orientado a não adotar qualquer medida corretiva, e, de fato, nada fez, com o que diversos consumidores do serviço acabaram sendo tarifados em valores maiores do que os devidos. Em virtude disso, o acusado foi condenado como partícipe de fraude por ter deixado de agir quando poderia tê-lo feito.

A Suprema Corte Federal alemã baseou seu entendimento no fato de que o acusado violou suas obrigações institucionais, contratualmente assumidas, de proteger tanto a companhia contra a prática de condutas fraudulentas que lhe fossem dirigidas (proteção da companhia contra ato de terceiros, funcionários ou não), como, e principalmente, de proteger terceiros contra atos lesivos praticados pelos dirigentes, funcionários e prepostos da própria companhia.

Esse caso, a despeito de envolver uma empresa pública, foi utilizado pela Suprema Corte para estatuir que o Compliance Officer de uma companhia privada sempre tem o dever de prevenir danos que possam ser causados a terceiros por ações da companhia e de seus representantes, sob pena de responder criminalmente ante sua inércia.

Pois bem. Considerando não apenas a legislação, mas todos esses fatores que se somam e agravam o risco comportamental negativo, é que o criminal compliance é hodiernamente uma ferramenta corporativa imprescindível no âmbito da prevenção contra consequências criminais que possam alcançar gestores e a própria organização como um todo, ainda mais quando envolver um eventual ato de corrupção.

Com efeito, na medida em que a prática de um ato de corrupção por algum funcionário da companhia é, sociologicamente, um ato provável, o risco de responsabilização da empresa exorbita da esfera do possível, trazendo consigo consequências nefastas, como a estigmatização da imagem da empresa, a implicação pessoal criminal dos gestores, sua exploração política e seu julgamento pelo tribunal da mídia (onde não há qualquer compromisso real com a verdade), além de perdas econômicas que vão desde a redução do valor dos produtos e serviços ofertados, redução de investimentos e novos negócios, redução do valor de mercado da Cia., e finalmente, o pagamento de altas indenizações e multas milionárias.

Assim, quando falamos de criminal compliance, não estamos contemplando apenas a obediência a regras e procedimentos formais, mas a efetiva mitigação estratégica dos riscos. Para tanto, é preciso agregar às políticas tradicionais de compliance um sistema de controles internos empresariais, cujo objetivo é aculturar a organização e sua gestão das normas proibitivas e de cuidado de natureza penal, de forma a proteger seus gestores, e, consequentemente, a própria companhia, de eventuais acusações destes da prática de ações e omissões penalmente relevantes e facilitadoras de atos ilícitos, em especial as fraudes internas e a corrupção.

Nesse contexto, o primeiro passo recomendável é, portanto, a prospecção de um mapeamento dos riscos que conjugue, ao menos, os seguintes pontos:

- Relacionamento com agentes públicos;
- Localização geopolítica e importância macroeconômica local;
- Idiossincrasias regionais;
- Mercado do qual faz parte e seus comportamentos;
- Sistema de vendas;
- Controles contábeis;
- Lobistas;
- Despachantes e demais terceiros com poder de representação;
- Dependência de licenças de órgãos públicos;
- Dependência de liberação alfandegária;
- Frequência de autuações;
- Frequência de fiscalizações;
- Comportamento em processos de fiscalização. Com o mapeamento desses principais pontos de exposição e risco, o passo seguinte deve ser o desenvolvimento de políticas institucionais bem definidas e claras que considerem não apenas o que se deve fazer, mas também o que não se pode fazer e como instrumentalizar as políticas de integridade em meios de prova processuais. A questão é simples. Não basta mais ser honesto e parecer honesto, tem que se provar a honestidade. E isso se justifica ainda mais quando verificamos que a Lei Anticorrupção não contempla hipóteses de exclusão de responsabilidade, prevendo apenas, como circunstância atenuante, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.

Todavia, frise-se que tal apenas não bastará, quer para mitigar o risco da ocorrência de ações impróprias, quer para demonstrar a efetividade exigida pela lei para fins de atenuação de sanções, devendo haver uma abordagem clara e textual sobre práticas anticorrupção como missão institucional da empresa, políticas e regras para o relacionamento com o setor público englobando o oferecimento de viagens, brindes, presentes, patrocínios e contribuições para financiamento político, contratações por convênio, como também programas de rotatividade de funcionários em áreas sensíveis de contato com agentes públicos, monitoramento de parceiros comerciais e sua reputação, programa de conscientização de intermediários, dentre outras.

No mesmo sentido, fundamental conjugar essas medidas com as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE às empresas multinacionais para o combate à corrupção, à solicitação de suborno e à extorsão incluem:

1. Não oferecer, prometer ou dar vantagem pecuniária indevida ou outras formas de vantagens a funcionários públicos ou a trabalhadores dos seus parceiros de negócios. Da mesma forma, as empresas não deverão solicitar, acordar ou aceitar vantagem pecuniária indevida ou outras formas de vantagens de funcionários públicos ou de trabalhadores dos seus parceiros de negócios. As empresas não deverão usar terceiros, tais como agentes e outros intermediários, consultores, representantes, distribuidores, consórcios, empreiteiros e fornecedores e parceiros de joint venture para canalizar vantagem pecuniária indevida ou outras formas de vantagens a funcionários públicos, a trabalhadores dos seus parceiros de negócios ou a seus parentes ou associados.

2. Desenvolver e adotar adequados controles internos, programas de ética e de cumprimento ou medidas para evitar e detectar suborno, desenvolvidas com base em uma avaliação de risco que lide com as circunstâncias específicas de uma empresa, em especial os riscos de corrupção enfrentados pela empresa (tais como o setor de atuação geográfico e industrial). Esses controles internos, programas de ética e de cumprimento ou medidas devem incluir um sistema de procedimentos financeiros e contábeis, incluindo um sistema de controles internos, razoavelmente concebidos para assegurar a manutenção de livros, registros e contas justos e precisos, para assegurar que eles não possam ser usados para o propósito de subornar ou ocultar o suborno. Tais circunstâncias específicas e os riscos de corrupção devem ser regularmente monitorados e reavaliados quando necessário, para garantir que o controle interno, os programas de ética e de cumprimento ou medidas das empresas estão adaptados e continuam a ser eficazes, e para mitigar o risco de as empresas se tornarem cúmplices de corrupção, solicitação de suborno e extorsão.

3. Proibir ou desencorajar, nos controles internos, programas de ética e cumprimento ou medidas da empresa, o uso de pagamentos de facilitação de pequeno porte, que, geralmente, são ilegais nos países onde são feitos e, quando tais pagamentos são feitos, registrá-los de forma precisa em livros e registros financeiros.

4. Garantir, levando em consideração os riscos de corrupção específicos enfrentados pela empresa, processo de due diligence devidamente documentado pertinente à contratação, bem como à supervisão adequada e regular de agentes, e que a remuneração dos respectivos agentes seja adequada e decorra apenas da prestação de serviços legítimos. Quando relevante, uma lista dos agentes envolvidos em transações com órgãos públicos e empresas públicas deverá ser elaborada e tornada disponível às autoridades competentes, em conformidade com os requisitos de divulgação pública aplicáveis.

5. Aumentar a transparência de suas atividades de luta contra a corrupção, a solicitação de suborno e a extorsão. Entre tais medidas, poderão incluir-se compromissos assumidos publicamente contra a corrupção, a solicitação de suborno e a extorsão, e a divulgação dos sistemas de gestão, controles internos, programas de ética e de cumprimentos ou medidas adotados pela empresa para honrar esses compromissos. As empresas deverão igualmente encorajar a abertura e o diálogo com o público, a fim de sensibilizá-lo para o combate e assegurar a cooperação contra a corrupção, a solicitação de suborno e a extorsão.

6. Promover a sensibilização e o cumprimento pelos empregados das políticas da empresa e controles internos, programas de ética e de cumprimento ou medidas contra a corrupção, a solicitação de suborno e a extorsão, através da divulgação adequada de tais políticas, programas ou medidas, bem como de programas de formação e de procedimentos disciplinares.

7. Não dar contribuições ilegais a candidatos a cargos públicos ou a partidos políticos ou outras organizações políticas. As contribuições políticas deverão respeitar inteiramente as normas de divulgação pública de informação e serem declaradas à alta administração da empresa.

Portanto, num novo cenário, novas precauções e ações devem ser adotas preventivamente, cabendo fazê-las, entretanto, com um approach estratégico, pois todas as ações deverão estar estruturadas de modo não só a mitigar os riscos, mas também constituir provas com força processual!

Ainda dentro do aspecto preventivo, mas para utilização no âmbito reativo, as empresas devem ter um plano de gestão de crises decorrentes de eventuais acusações da prática de atos de corrupção em seu benefício, principalmente porque para hajam todos os danos que são possíveis de se prospectar, a denúncia não precisa sequer ser procedente! O tribunal da opinião pública é impiedoso e os espaços para a verdade nem sempre existem!

Assim é que um plano de gerenciamento de crises nesse cenário tem que ser encarado como uma das principais precauções que se pode adotar, pois terá o condão de interromper o processo de “perdas” decorrentes de um evento anômalo, dotado de enorme potencial destrutivo à imagem e à reputação institucional da companhia e seus gestores, bem como gerador de graves consequências legais e econômicas, quiçá permanentes, fulminando sua credibilidade, a continuidade de seus negócios, e implicando criminalmente seus gestores.

É surpreendente a quantidade de empresas que não estão minimamente preparadas para lidar com uma situação de crise, especialmente uma que envolva acusações da prática de corrupção.

Nesse sentido, é amplamente recomendável a criação de um plano específico e a formação de um comitê de gerenciamento de crise com a definição clara de seus responsáveis. Esses deverão estar atentos às seguintes premissas mínimas:

Mapeamento prévio de riscos potenciais; identificação dos atores mais expostos; definição do centro de controle de crise; definição de estratégias gerais de ação; elaboração de um manual de procedimentos e de plano de comunicação efetivo (que se sustente em termos de credibilidade perante a mídia, opinião pública e Autoridades); seleção de substitutos em caso de impedimento dos titulares; porta-voz institucional com plena disponibilidade, conhecimento amplo dos negócios e atividades da Cia., capacidade de atuação sob estresse, além de ser detentor de respeitabilidade perante a mídia e as autoridades e ter; finalmente, haver um programa regular de simulações e exercícios, com forte enfoque em mídia training.

Para o cenário de deflagração de Crise, o plano deverá considerar:

- Mobilização da equipe e local de concentração adequadamente estruturado;
Assessoramento especializado e delegação de poder decisório;
Interação estratégica, rápida e clara com a alta gestão;
Reunião do maior número possível de informações (conhecimento);
Análise e definição estratégica (capacidade de antever e desdobrar as consequências do que está por vir, inclusive sob a vertente criminal);
Gestão estratégica do fluxo de informações entre a empresa, mídia, governo, oficias da lei, funcionários e público em geral;
Velocidade ponderada (timing).

Assim, por tudo quando exposto e considerado, podemos concluir que a lei anticorrupção – que, na verdade é uma lei com sanções penais muito mal disfarçadas – é uma realidade e precisa ser adequadamente contemplada no cenário empresarial, não só por meio de programas de compliance convencional, mas também de criminal compliance, considerando a premissa de que ela pode alcançar a todos, não inocentes e inocentes, dado seu caráter de responsabilização objetiva, por mais lídimas que sejam as diretrizes institucionais da empresa, justificando, destarte, os mais altos níveis de prevenção, especialização e antecipação estratégica para o seu menos traumático convívio.

Fonte: LEC, em 04.09.2014.