Por Carolina Oger Affonso (*)
Assim como em outros segmentos dos Seguros de Responsabilidade Civil, na regulação de sinistros de RC Advogados é necessária, primordialmente, a apuração quanto à caracterização da responsabilidade civil dos advogados. É nesse contexto que se insere a teoria da perda de uma chance.
Os seguros de responsabilidade civil profissional têm como objetivo a garantia de eventuais prejuízos causados a terceiros em razão de erros ou omissões dos segurados, no exercício de sua atividade profissional. De acordo com dados da SUSEP, nos últimos 10 anos, o prêmio anual destes seguros cresceu pouco menos de R$ 100 milhões, o que representa um aumento de 400%, no período de 2003 a 2011 [1] .
Especificamente no que tange aos Seguros de RC Advogados, a contratação pode ser realizada tanto por profissionais liberais, quanto por escritórios de advocacia, na condição de tomadores, figurando os advogados como segurados. Em 2011, os seguros de RC Advogados representavam 19% das carteiras de RC Profissional, implicando no pagamento de R$ 101 milhões em indenizações. A razão do crescimento deste segmento deve-se ao fato de que os Seguros de RC Advogados não só constituem um importante instrumento de proteção patrimonial para os escritórios de advocacia e para os profissionais liberais da área jurídica, como também têm sido exigidos por empresas multinacionais, como requisito para a contratação de escritórios para sua assessoria.
Assim como em outros segmentos dos Seguros de Responsabilidade Civil, na regulação de sinistros de RC Advogados é necessária, primordialmente, a apuração quanto à caracterização da responsabilidade civil dos advogados. É nesse contexto que se insere a teoria da perda de uma chance.
Formalizada pelo contrato de prestação de serviços advocatícios e pelo instrumento de mandato (a procuração), a relação jurídica entre o advogado e seus clientes é eminentemente contratual [2] . Contudo, não se pode exigir dos advogados qualquer garantia quanto ao resultado das ações judiciais e das consultas jurídicas, tendo em vista que a obrigação destes é classificada como de meio, ou seja, deve o advogado agir com diligência e melhor técnica na representação dos interesses de seu cliente, não sendo obrigado a atingir o resultado por este esperado com a contratação.
Tratando-se de obrigação de meio, a responsabilidade civil dos advogados é subjetiva, na medida em que o agir culposo se configura justamente pela falta de diligência no exercício da atividade profissional, causadora de danos a terceiros. Embora exista divergência jurisprudencial quanto ao fundamento da responsabilidade civil, já que alguns julgados aplicam o artigo 32 da Lei nº 8.906/1994 [3],[4], (Estatuto da Advocacia), enquanto outros se baseiam no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) [5] em razão do possível enquadramento dos clientes na qualidade de consumidores [6] e, dos advogados, na qualidade de profissionais liberais prestadores de serviços jurídicos [7] , em ambas as hipóteses não se discute a natureza subjetiva da responsabilidade civil dos advogados.
Assim, na análise da responsabilidade civil do advogado, deverão ser identificados os seguintes elementos: conduta (ato ou omissão), culpa lato sensu (culpa ou dolo), dano e nexo causal entre a conduta e os danos causados a terceiros.
Dentre as condutas dos advogados que mais ocasionam o acionamento do seguro estão a perda de prazos processuais, o não comparecimento a audiências, o desconhecimento de dispositivos legais, a violação do sigilo profissional, a desatenção à jurisprudência corrente e o roubo ou furto de documentos de clientes, que estejam na posse de advogados [8] .
A verificação do dolo dá-se mediante “o propósito de lesar o cliente ou a parte representada. Na culpa é que se encontra o amplo campo de situações que conduzem à responsabilização, as quais decorrem das infrações dos deveres impostos aos advogados” [9] . Dessa forma, a caracterização da culpa dependerá da verificação de descumprimento dos deveres do advogado e da constatação de negligência, imprudência ou imperícia, em cada caso concreto.
Além da ação ou omissão do advogado – que implicam na falha profissional – e do dolo ou da culpa, há que se verificar a existência de prejuízos a terceiros para a caracterização da responsabilidade civil, além do nexo causal entre tais prejuízos e o ato ou omissão praticados.
Para a apuração dos prejuízos a terceiros, no caso, os clientes do advogado, a doutrina e a jurisprudência consagram a teoria da perda de uma chance [10] , a qual ainda padece de previsão legal. Sua aplicação tem sido crescente especialmente nos casos de profissionais que não possuem a obrigação de garantir determinado resultado, mas tão somente de empreender toda a diligência e cautela necessárias no desempenho de sua atividade profissional – como na hipótese dos advogados.
Isso porque, nestes casos, o resultado não alcançado por falha profissional é apenas parcialmente indenizado, já que sequer poderia ser exigido. Assim, “ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial) [11]” .
Portanto, mediante esta teoria, a indenização a ser paga ao terceiro será calculada proporcionalmente à possibilidade de êxito na demanda, caso o advogado não tivesse incorrido na falha profissional caracterizadora do ato ilícito. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“(...) 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de detida análise acera das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Precedentes. 3. O fato de o advogado ter perdido prazo para contestar ou interpor recurso - como no caso em apreço -, não enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance, fazendo-se absolutamente necessária a ponderação acera da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa ou de ter a sua pretensão atendida. 4. No caso em julgamento, contratado recorrido para a interposição de recurso especial na demanda anterior, verifica-se que, não obstante a perda do prazo, o agravo de instrumento intentado contra decisão denegatória de admissibilidade do segundo recurso especial propiciou o efetivo reexame das razões que motivaram a inadmissibilidade do primeiro, consoante se dessume da decisão de fls. 130-134, (...) o que tem o condão de descaracterizar perda da possibilidade de apreciação de recurso pelo Tribunal Superior. 5. Recurso especial não provido". (REsp n. 993.936/RJ, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, julgado em 27/03/2012).
É importante, ressaltar, todavia, que a aplicação da teoria da perda de uma chance não implica na invocação de percentuais preestabelecidos a padrões de conduta e seu abatimento da integralidade do prejuízo experimentado pelo terceiro. Em verdade, a teoria visa à responsabilização do advogado apenas nos casos em que constatada a real perda de uma chance séria e real de êxito, ou seja, “simples esperanças aleatórias não são passíveis de indenização” [12] .
Dessa forma, deve-se avaliar as possibilidades de o advogado obter êxito em determinada demanda caso tivesse agido diligentemente e, a partir desta valoração, verificar qual teria sido a probabilidade de atingir a vantagem esperada, na proporção em que sua conduta tenha contribuído para tanto.
Como visto, embora não seja especificada no clausulado das apólices, a teoria da perda de uma chance deve ser aplicada na regulação dos sinistros de RC Advogado, uma vez que tal teoria integra a própria análise da responsabilidade civil destes profissionais.
[1] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-17/escritorios-confiam-seguradoras-minimizar-prejuizos-erros>;. Acesso em: 09.11.2014.
[2] Salvo nos casos de nomeação para assistência judiciária gratuita, função esta que tem sido suprimida com o advento das Defensorias Públicas.
[3] Lei nº 8.906/1994, Art. 32: “O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.
[4] Nesse sentido: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. DANO MATERIAL. ESTATUTO DA ADVOCACIA. LEI 8.906/94 - ART. 32. (...) O advogado tem o dever de acompanhar o processo em todas as suas fases e responde pelos danos que causar no exercício de sua profissão. É do advogado a responsabilidade pela indenização ao cliente, se - instado a se pronunciar sobre laudo de liquidação - silencia, deixando de apontar erro grosseiro cometido pelo perito. (...)”. (REsp 402.182/RS; relator Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, julgado em 18/05/2006).
[5] Nesse sentido: “Código de Defesa do Consumidor. Incidência na relação entre advogado e cliente. Precedentes da Corte. 1. Ressalvada a posição do Relator, a Turma já decidiu pela incidência do Código de Defesa do Consumidor na relação entre advogado e cliente. 2. Recurso especial conhecido, mas desprovido”. (Resp 651.278/RS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, julgado em 28/10/2004).
[6] Lei nº 8.078/1990, Art. 2°: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
[7] Lei nº 8.078/1990, Art. 14: “§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
[8] Disponível em: <http://www.oabrj.org.br/noticia/70704-Convenio-da-OABRJ-protege-colega-em-seu-exercicio-profissional>;. Acesso em 07.11.2014.
[9] RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. São Paulo: Forense, 2011, p. 342.
[10] A aplicabilidade da teoria da perda de uma chance foi consolidada no Enunciado nº 444 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”.
[11] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 102.
[12] Idem, p. 102.
(*) Carolina Oger Affonso é advogada na JBO Advocacia.
Fonte: JBO Advocacia, acessado em 25.01.2015.