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Uma agulha no palheiro: quando o juiz compreende a relação entre risco e prêmio

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Por Maria Amelia Saraiva (*)

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De modo geral, há certa dificuldade – mesmo no mundo jurídico – de entender alguns mecanismos próprios do Direito do Seguro. Nessa situação, incluem-se juízes, que ao prolatarem decisões, demonstram não compreenderem adequadamente alguns dos princípios que regem as condições das apólices. Portanto, é de se destacar a recente sentença da juíza Claudia Ribeiro (1) a respeito da avaliação de riscos que a seguradora realiza para a definição do valor do prêmio, avaliação essa calcada nas informações do segurado.

A autora da demanda, que teve seu veículo furtado, ingressou com ação contra a seguradora e contra a empresa de rastreamento, pleiteando indenização pela perda do bem e por danos morais. Informou que registrou a ocorrência na polícia e acionou a corré para rastrear o carro, sem sucesso. Mesmo tendo feito o aviso de sinistro, a seguradora denegou-lhe o pagamento. Em relação à corré, sua insatisfação foi causada pela frustração de não ver localizado o carro.

O fundamento da recusa, segundo a ré, foi o de que, ao contratar o seguro, a demandante declarou que o veículo pernoitava em sua garagem, enquanto, durante a regulação do sinistro, foi constatado que ele se encontrava estacionado na rua. Além disso, apurou-se que isso se repetia uma a duas vezes por semana.

A magistrada começou sua análise de mérito, citando os artigos 757, 765 e 766 do Código Civil, destacando que “o segurado e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”, agregando que “se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”.

A transparência e boa-fé são essenciais, de acordo com a sentença, para que a seguradora possa dimensionar o risco e, desta forma, fixar o prêmio. “A omissão de circunstâncias relevantes para a delimitação dos riscos segurados e correspondente prêmio, bem como divergências entre as informações prestadas e as verificadas na realidade dos fatos, têm como consequência a perda do direito à garantia.”

Pontuou a juíza que o veículo foi estacionado na rua e que seu furto foi constatado apenas no dia seguinte. A empresa rastreadora teve parte importante nesse caso por ter entrado em contato com a segurada ao detectar um problema com o sinal. Ela estacionara o carro na lateral do edifício onde reside, declarando que o deixava na frente do prédio “por volta de 1 a 2 vezes por semana”.

Ora” – complementa a decisão – “ao contratar o seguro e preencher o questionário de risco, a autora havia declarado que o veículo era guardado em sua residência, de forma que ocultou informação relevante para a aferição do risco e, consequentemente, para cálculo do valor do prêmio a ser saldado”.

Ainda registra que o fato de estacioná-lo em via pública não constitui, por si só, causa excludente da cobertura. Mas, considerou que a segurada omitiu a verdade quando do preenchimento do perfil.

Também destacou que é conhecido o alto índice desses furtos na Capital e que “deixar o veículo pernoitar na rua uma ou duas vezes por semana...aumenta consideravelmente a possibilidade de subtração”.

Portanto, julgou que a autora perdeu o direito à indenização.

Também decidiu pela improcedência da ação relativamente à corré rastreadora, porque concluiu que “possivelmente, quando a autora acionou o serviço de rastreamento, este já estava prejudicado em razão da inutilização do equipamento pelos furtadores.” Agregou ainda que nesse outro contrato “a obrigação é de meio, e não de fim ou resultado, ou seja, não havia o dever contratual de localizar o veículo subtraído, mas de empenhar-se para o resgate do bem”.

Constata-se, desta forma, que a juíza bem compreendeu um dos pontos fundamentais do contrato de seguro: o preenchimento do perfil precisa ser feito com absoluta honestidade porque será através das declarações ali contidas que a seguradora calculará o valor do prêmio, tornando possível o equilíbrio entre as partes signatárias.

(1) Juíza da 4ª Vara Cível do Foro Regional IX, de Vila Prudente, São Paulo, Capital. Processo n° 1009569-78.2023.8.26.0009- Autora Jennifer da Silva X HDI Seguros.

(*) Maria Amelia Saraiva é graduada pela Faculdade de Direito da USP - Largo São Francisco em 1975, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo sob o nº41.233. Especialização em processo civil pela Faculdade de Direito da USP – Largo de São Francisco. Sócia de “SARAIVA - ADVOGADOS ASSOCIADOS” escritório devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo, sob o nº 014/022, acumula ampla experiência e capacitação nos diversos campos do Direito Privado e Público. Acadêmica da Academia Nacional de Seguros e Previdência – ANSP. Presidente da AIDA Associação Internacional de Direito de Seguros.

(28.01.2025)