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Sustentabilidade na ordem do dia. E das empresas

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Evento realizado pela CNseg discute com autoridades internacionais os Princípios para Sustentabilidade em Seguros

A investigação científica da história nos mostra com clareza de onde viemos e o que somos hoje, mas ainda temos muitas dúvidas sobre o futuro. Todas as sociedades, em todas as culturas e países, se deparam com desafios ambientais, sociais e de governança — a conhecida sigla ASG — que põem em xeque nosso destino. Esse emergente debate foi promovido pela Confederação das Seguradoras (CNseg) no evento “Construindo a agenda de sustentabilidade na América Latina”, realizado ontem, DIA 15, na sede da Confederação, em parceria com a Iniciativa dos Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU), do Fórum dos Supervisores de Seguros (SIF, na sigla em inglês) e apoio da Superintendência de Seguros Privados (Susep).

Integrando a 5ª Semana Nacional de Educação Financeira, realizada pelo Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef), da qual a CNseg é membro, o encontro sobre sustentabilidade reuniu representantes de algumas das principais seguradoras da América Latina, reguladores e supervisores de seguros, autoridades governamentais da Costa Rica, África do Sul, Reino Unido, Austrália, Alemanha e Estados Unidos, além de organizações da sociedade civil e acadêmicos.

Durante a abertura, o presidente da CNseg, Marcio Coriolano, destacou a relevância do tema, por ser atual e mostrar quais são hoje os desafios na área econômica e de gestão para o mercado global. “Dessa vez temos a honra de apoiar à Susep, que se tornou instituição apoiadora dos Princípios de Sustentabilidade em Seguro e vem atuando com órgãos reguladores de outros países. A jornada do setor de seguros brasileiro vive o lançamento dos PSI, e tem sido marcada pela atuação colaborativa, como missão de sustentabilidade da nossa confederação”, disse Coriolano.

Dentre as realizações da CNseg para o fomento dos conceitos embutidos nos PSI, ele destacou o curso em Liderança em Sustentabilidade, que a Confederação ofereceu para a alta direção, em parceria com a Universidade de Cambridge., e a elaboração da matriz de materialidade do setor de seguros. Coriolano também citou o Relatório de Sustentabilidade produzido pela CNseg como um marco para o setor e referência de como este vem aderindo às práticas sustentáveis. “A programação do evento é bem representativa dos desafios que o setor terá pelos próximos anos”, assinalou.

Os painéis abordaram as perspectivas da região latino-americana para a integração das questões ambientais, sociais e de governança em diversos ramos de seguro. Nesse tema, insere-se o assunto que vem dominando parte da agenda da CNseg e da Susep desde o ano passado, qual seja, o de explicitar as condições de acesso ao seguro, acesso regulado e supervisionado pela própria população, evitando que o mercado brasileiro seja contaminado pelas práticas de empresas que oferecem coberturas totalmente à margem da regulação.

Citando o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o presidente da CNseg destacou os estágios para a difusão da sustentabilidade e aderência das empresas aos ditames da ação responsável de mercado, do pré-cumprimento legal, no qual as dimensões de sustentabilidade das empresas estão presentes, e do cumprimento legal, quando, enfim, há a aderência do que está previsto. “Além do cumprimento legal, mais um passo em direção não apenas à sustentabilidade como ideia, mas efetivamente como gestão, da estratégia integrada, quando questões ambientais, econômicas, sociais e de gestão estão presentes nas empresas, e o estágio superior, que o IBGC denominava de ‘propósito e paixão’. Enquanto em todos os estágios as empresas adotam as práticas sustentáveis, porque querem ser empresas de sucesso, no último estágio, o do “propósito e da paixão”, as empresas são bem-sucedidas porque adotaram as práticas de sustentabilidade. Tenho certeza que todos nós brasileiros e sul-americanos queremos chegar a esse estágio do ‘propósito e paixão’”, concluiu Coriolano.

O superintendente da Susep, Joaquim Mendanha de Ataídes, reforçou ser preciso mais educação, na qual se incluem conceitos de sustentabilidade, para que os cidadãos tenham uma vida financeira mais adequada. “Ao assumir a Susep, a entidade tinha outra posição em relação ao desenvolvimento sustentável”, disse Mendanha, que sugere mais sinergia dos supervisores com o mercado para a difusão dos PSI, buscando um estado de governança, tanto no trato das questões ambientais quanto as do seguro. “Buscamos uma rede de reguladores com foco na sustentabilidade”, reforçou Mendanha. Somente assim — explicou o superintendente da Susep — poderá ser reduzido o impacto da informalidade no mercado de seguros. “Um risco para os consumidores”, alertou.

Mercado brasileiro de seguros é líder mundial no debate sobre sustentabilidade, afirma Butch Bacani, da ONU

“O Brasil é o primeiro mercado mundial de seguros que definiu metas de governança e de desenvolvimento sustentável. Somente agora, mercados menos acessíveis, como o dos Estados Unidos, começam a abraçar os PSI”. O autor da frase é Butch Bacani, líder do programa dos PSI.

Para instigar os debatedores dos painéis, Bacani iniciou sua palestra magna com uma interrogação: “Como os PSI estão construindo a agenda mundial de sustentabilidade em seguros?”.

O líder do programa dos PSI expôs como os conceitos de sustentabilidade foram disseminados em vários países e influenciaram o contexto da gestão de risco e comentou sobre como a indústria de seguros avalia e traz essas análises para o mercado e para o desenvolvimento sustentável.

“O nosso planeta está chegando ao limite”, alertou, lembrando que há cerca de 140 mil produtos químicos no mercado global, mas poucos são estudados em relação ao impacto que causam nos humanos. “A meta é chegarmos aos níveis ambientais de 1980 para reduzir a incidência de câncer dermatológico”, destacou.

Bacani assinalou que há uma grande lacuna mundial sobre como tratar o desafio da sustentabilidade, frisando que é uma questão essencial para o destino mundial que seguradoras e reguladores de vários países enxerguem e, sobretudo, se engajem para cumprir as quatro metas dos PSI.

O primeiro Princípio de Sustentabilidade em Seguro estabelece que as empresas de seguros devem incluir nos processos de tomada de decisão questões ambientais, sociais e de governança que sejam relevantes para a atividade securitária; o segundo princípio estabelece que as companhias do setor devem trabalhar em conjunto com os clientes e parceiros comerciais para aumento da conscientização sobre questões ambientais, sociais e de governança, gerenciamento de riscos e desenvolvimento de soluções; o terceiro princípio reforça que as empresas trabalhem em conjunto com governos, órgãos reguladores e outros públicos estratégicos para promover ações amplas na sociedade sobre questões ambientais, sociais e de governança e, por fim, o quarto princípio recomenda que as seguradoras demonstrem responsabilidade e transparência, divulgando com regularidade, publicamente, os avanços na implementação dos Princípios.

Para Bacani, é essencial que todas as cadeias de valor do mercado de seguros incorporem esses quatro princípios de sustentabilidade, contando com apoio irrestrito e imprescindível de supervisores e reguladores do mercado, como vem ocorrendo de forma pioneira no setor de seguros brasileiro. “Transparência sobre os riscos climáticos. O mercado segurador brasileiro é o primeiro no mundo que se compromete com isso”, reforçou o representante das Nações Unidas. “Nosso jardim está crescendo. O PSI faz parte, por exemplo, do índice Dow Jones e do índice brasileiro de sustentabilidade”, completou.

Bacani alertou para o ainda incipiente seguro marítimo. Ele lembrou de casos recentes de poluição marítima provocados por embarcações em litorais do Japão e da Austrália. “Transações como essas afetam o seguro. Daqui a pouco teremos mais plástico no mar que peixes “, vaticina ele, argumentando que essa previsão deverá se confirmar por volta de 2050, caso os países e mercados não se comprometam com a sustentabilidade.

CNseg e Susep assinam Declaração sobre transparência do risco climático em seguros

Em seguida, o presidente da Confederação das Seguradoras (CNseg), Marcio Coriolano, o superintendente da Susep, Joaquim Mendanha de Ataídes, e o líder do programa dos PSI do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Butch Bacani, assinaram a “Declaração do Rio sobre a transparência do risco climático pelo setor de seguros brasileiro”, reafirmando o apoio do mercado securitário nacional com os objetivos do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas e abrindo o diálogo sobre formas práticas e efetivas de atender as recomendações da Força-Tarefa do Financial Stability Board (FSB) sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD), que constituem importante referência para o setor financeiro e de seguros em relação aos riscos climáticos.

“O mercado de seguros do Brasil é o primeiro do setor no mundo a se comprometer com o debate a respeito do risco climático. Que isso se espalhe para o mundo todo. Obrigado CNseg e Susep por essa liderança”, comemorou Butch Bacani.

O documento, reconhecido e recebido por Bacani, hoje o principal mobilizador mundial para a difusão dos conceitos de sustentabilidade em seguros, evidencia o empenho do mercado segurador para promover um agendamento nacional do tema.

“A gestão de risco é o principal negócio do setor de seguros. Isso inclui a compreensão e a redução dos riscos físicos, de transição e de responsabilidade relacionados ao clima, associados às atividades de subscrição e investimento do setor de seguros. Acreditamos que a transparência do risco climático é essencial para uma melhor gestão do impacto do risco relacionado ao clima no setor de seguros e para a promoção de mercados de seguros sustentáveis”, ressalta o documento, que conclui com apoio e comprometimento com as recomendações da Força-Tarefa do Financial Stability Board (FSB) sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD). “Que certamente devem observar as particularidades dos mercados de seguros e financeiros locais e a materialidade dos riscos relacionados ao clima para cada linha de negócio de seguros e classe de ativos”, finaliza a Declaração.

Clique aqui para ler a íntegra do documento

Governança e negócios; sustentabilidade alavancando o setor de seguros

Sob a moderação do especialista da ONU Butch Bacani, o segundo painel do evento “Construindo a agenda de sustentabilidade na América Latina” teve como tema o desenvolvimento do guia mundial dos PSI para integração de riscos ambientais, sociais e de governança na subscrição de seguros gerais: perspectivas da América Latina. Participaram do debate a gerente executiva de Estratégia de Negócios e Inspeção de Riscos do BB Mapfre no Brasil, Helga Tomagnini; o vice-presidente e líder de Riscos da Aon Brasil, Marcelo Homburger, e a assessora do diretor de Supervisão de Conduta da Susep, Natalie Haanwinckel Hurtado.

Bacani iniciou a mesa dirigindo-se à Helga: “O que o BB Mapfre está realizando em sustentabilidade?”. A executiva respondeu que a seguradora iniciou uma ação mais intensa para incutir nos colaboradores a importância da sustentabilidade em todos os processos e produtos da empresa. “Começamos com a cultura, convencendo as pessoas. Esse é o primeiro passo. Desenvolvemos inclusive o “Guia Técnico e de Procedimentos para Integração ASG na Diretoria Geral de Grandes Riscos”, citou Helga.

O guia é, inicialmente, voltado para o público interno da seguradora, mas Helga destacou que as boas práticas em sustentabilidade devem (e precisam) ser disseminadas. Evidentemente, o sentido mercadológico está embutido na proposta. Helga entende que as empresas que largarem na frente associando a marca e produtos aos princípios da sustentabilidade promoverão um engajamento no mercado e ampliarão a carteira de clientes. “Ainda precisamos dar largos passos, mas começamos com uma cultura”, ponderou a executiva. “Não queremos ser seguidores, queremos ser seguidos. Essa foi a motivação”, completou.

Bacani elogiou a ação pioneira do BB Mapfre: “Acho que vocês estão anos-luz a frente. Nenhuma outra empresa tem essa bíblia (sic) em ASG. É sustentabilidade em efeito cascata”.

Aon também está avançando no conceito ASG. Homburger destacou que a empresa criou grupos que trabalham nas questões do clima e da sustentabilidade. Ele ressaltou que a ação pontual da seguradora é manter atualmente um intercâmbio com as congêneres do mercado para debater os PSI. Para ele, educar o cliente sobre a importância deles é o próximo desafio para as seguradoras. “A educação dos clientes é o que as grandes seguradoras mundiais estão realizando”, assinalou.

Homburger alertou, contudo, que não há uma preocupação generalizada no mercado com os riscos climáticos. O tema não estaria, portanto, na lista de prioridades das companhias. Há uma preocupante lacuna entre as empresas e um nível de preocupação verdadeiramente comprometido com esses riscos. “Por isso estamos preocupados em informar as empresas. É uma causa de todos nós, global. O que fizermos será compartilhado com o mercado. Disputamos negócios, mas há questões que estão acima de qualquer coisa. Estamos no papel de também educar os clientes e ajudá-los a perceber esse momento, que está concentrado em princípios de governança. É um caminho sem volta. Alguns players vão sair na frente de outros”, acentuou.

O moderador do debate perguntou a Natalie, representante do órgão regulador de seguros no Brasil, se a autarquia está preparada para esse novo cenário cuja essência inexorável será a sustentabilidade. Ela explicou que a Susep quer ampliar o debate com as empresas do setor sem custos regulatórios. Difundir a cultura ASG e os conceitos incutidos nos PSI é a proposta da reguladora, estimulando as companhias para que percebam as ameaças na gestão de riscos, sobretudo as relacionadas às mudanças climáticas.

Desde 2016 a Susep colocou o tema “sustentabilidade” no radar das ações que emprega no mercado. “A Susep passou a querer entender qual era o status local da indústria sobre esse tema. Em junho de 2017 percebemos que o mercado quis abraçar o tema, mas também percebemos que tudo ainda era bastante embrionário. No ciclo do seguro havia poucas inserções ASG. O gap maior é na gestão dos ativos. Os riscos climáticos ainda não estão precificados nem no ativo e nem no passivo das empresas”, apontou Natalie, explicando também que a Susep identificou esse cenário logo no primeiro mapeamento que executou no mercado sobre sustentabilidade e seguros.

A Susep não dissocia a sustentabilidade da projeção da educação financeira no país. Seguindo essa linha, a autarquia decidiu integrar no ano passado o Laboratório de Inovação Financeira (LAB), criado a partir de um acordo entre várias instituições, dentre as quais o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), e Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Vamos adequar as regulações para que as empresas possam colocar investimentos com critérios ASG. Esse projeto já consta no plano regulatório da Susep”, antecipou Natalie, que enxerga o contexto de mercado atual propício para a evolução de fintechs e insurtechs no desenvolvimento de soluções e produtos que reforcem a identidade da sustentabilidade das seguradoras. Em parceria com a CVM, a Susep estuda alternativas para que essas startups ingressem no mercado ASG. “Não trabalhamos sozinhos, mas olhamos para fora. A Susep quer sensibilizar as seguradoras e os clientes. Há poucas ofertas ASG no nosso mundo. Há riscos transacionais que o mercado segurador ainda não percebe. Penso que as insurtechs possam ajudar, mas elas estão ainda concentradas apenas nos produtos”, concluiu.

Ainda não se sabe, porém, como os critérios ASG serão inseridos nos produtos das seguradoras e qual impacto exercerão na precificação. “É uma questão desafiadora que faz parte da maturidade que o setor está construindo”, explicou Helga, da BB Mapfre. “As empresas ainda veem somente os custos e não a questão ASG”, completou Homburger, da Aon. “Há essa preocupação, e já detectamos isso. O mercado precisa entender a importância dos Princípios de Investimentos Responsáveis (PRI) para a política de investimentos. Não podemos obrigar, mas podemos construir um ambiente favorável para isso”, finalizou Natalie, da Susep.

Princípios de sustentabilidade em seguros de pessoas e Saúde, um desfio para a AL

O terceiro painel do evento concentrou o debate no desenvolvimento da vertente de seguros de pessoas e saúde suplementar dos PSI: desafios e oportunidades cruciais na América Latina. Participaram o conselheiro da General Superintendece of Insurance da Costa Rica, German Rodríguez Aguilar; o co-vice-presidente do Resource & Environment Working Group da Associação Internacional de Atuários, Sam Gutterman; a diretora da Insurance Regulatory Framework Department da Autoridade Prudencial da África do Sul, Martha Ferreira; o presidente do conselho de administração da SulAmérica Patrick Antonio Claude de Larragoiti Lucas, e o CEO da Zurich Brasil e presidente da FenaPrevi, Edson Luis Franco, além de Butch Bacani, como moderador.

O especialista da ONU iniciou o painel recordando que os segmentos de Saúde e Vida têm sido bastante discutido no âmbito dos PSI. Antes, porém, de iniciar a participação no debate, Patrick, da SulAmérica, elogiou o discurso do presidente da CNseg, Marcio Coriolano, que disse ser o tema da sustentabilidade calcado na “paixão e no propósito”. “Estamos ouvindo isso aqui, e a SulAmérica é atuante em ASG desde 2009. Essa filosofia de processo de transformação faz parte da nossa agenda no conselho de administração e temos compartilhado nossas ação e cultura da empresa”, disse o executivo. Hoje, Saúde corresponde a cerca de 70% do faturamento da SulAmérica. “Nesse segmento, o cliente tem uma posição muito proativa. Muitos deles demandam pela boa gestão na Saúde”, frisou Patrick, para quem as insurtechs podem assumir um papel essencial no fomento dos PSI. “As insurtechs têm sido fantásticas. No Brasil há várias oportunidades”, completou.

Franco, CEO da Zurich e presidente da FenaPrevi, foi direto ao ponto: “Falar em sustentabilidade é algo inerente no nosso negócio de previdência. Seja uma morte prematura do provedor ou aposentadoria saudável, tratamos de dar sustentabilidade às famílias”, assinalou. Para o executivo, há um flagrante aumento de consciência dos indivíduos e das empresas de se prevenirem dos riscos. “Não temos que fazer isso só por convicção, mas também por conveniência. Sustentabilidade é bom para o negócio. Assim, vou atrair empresas com o mesmo nível de preocupação. Atrair empresas mais responsáveis. Esse temas são moralmente elevados. Por que devo priorizar esse tipo de iniciativa nas empresas? Essa pergunta deve ser feita nas próprias empresas. Isso é bom para o cliente e é bom para o acionista”, concluiu Franco.

Bacani questionou se realmente é assim que todos os CEOs pensam. Franco reconheceu, no entanto, que o tema ainda não é tratado de forma explícita pela grande maioria do mercado, mas na previdência os passos estão sendo dados corretamente, mas faz um alerta: “Quando comparamos o Brasil com outros países, ainda temos menos poupança para lidar com os riscos. Desenvolvemos o mercado se aumentarmos o nível de consciência”, alertou o CEO da Zurich.

A experiência da Costa Rica para engajar o setor de seguros com o tema sustentabilidade foi narrada por German Rodríguez Aguilar, representante do órgão regulador daquele país. Ele explica que o mercado local está “entusiasmado” com as novas perspectivas apresentadas pelos PSI, porém ainda aprendendo a lidar com os preceitos de sustentabilidade. “Queremos dar os primeiros passos para uma consciência do mercado. Na Costa Rica, faremos um evento em agosto. Estamos trabalhando em inclusão e promoção da inovação, ótima ferramenta para sustentabilidade”, pontuou ele, reconhecendo, todavia, que há muitos questionamentos das seguradoras costarriquenhas de como integrar os PSI na forma prudencial e no mercado. Ele resume a resposta do papel do órgão regulador em duas palavras: motivação e encorajamento. “Queremos fazer acordos e obter compromissos do mercado, ou seja, projetar isso como algo autóctone no país”, completou.

Bacani elogiou as promessas do novo presidente da Costa Rica, que antes mesmo de o órgão regulador de seguros do país tornar-se oficialmente instituição apoiadora dos PSI, definiu como meta ficar livre dos combustíveis fósseis até 2021, atendendo recomendações do Acordo de Paris. Aguilar reconhece, entretanto, ser difícil que em três anos a meta seja cumprida, mas ressaltou que não falta empenho para que o país seja bem-sucedido em seus propósitos de sustentabilidade em curto prazo. “Utilizamos energia fóssil apenas no transporte. A inovação para nós é muito importante. O órgão regulador quer ser aberto e não restritivo”, afirmou.

Na África do Sul, os órgãos reguladores, especialmente o de seguros, levam em conta as peculiaridades culturais da sociedade para o desenvolvimento de produtos. “Na África do Sul temos particularidades”, destacou Martha Ferreira, representante do regulador sul-africano. Para endossar a afirmação, ela citou como exemplo o seguro-funeral, que é o seguro mais popular no país. Ela assinalou, contudo, que o mercado ainda precisa se desenvolver em Saúde e Vida, para isso percebeu-se a importância em manter um foco mais direcionado no consumidor final de seguros. “No dia 1º de abril, dividimos o órgão regulador em dois: um prudencial e outro focado na conduta de mercado. O desafio é a correta implantação desses esforços. Queremos especialistas em meio ambiente para esse processo”, disse Martha.

Se a África do Sul engatinha em alguns pontos da sustentabilidade, em contrapartida o país apresenta uma invejável tecnologia empregada no mercado de seguros, como, por exemplo, dispositivos instalados em automóveis que, em caso de acidentes, imediatamente aciona as seguradoras. “Hoje, a maior questão para nós é a integração de dados que possam ser compartilhados pelas seguradoras”, explicou Martha.

Bacani ponderou com Martha que, embora ainda haja lacunas a serem preenchidas para uma implantação maciça no setor securitário, o setor de seguros sul-africano é um exemplar caso de sucesso. O moderador perguntou a representante da reguladora que caminho as seguradoras percorreram para isso. Martha respondeu que o respeito à cultura local foi fundamental. “Lá há muito cuidado com a cerimônia adequada, sobretudo para funerais. Para algumas etnias, o funeral tem de ser no local de origem do morto. Aí, os produtos de seguros são muitos criativos. São apólices que não são muito caras. As seguradoras perceberam essa necessidade dos clientes”, concluiu Martha.

Sam Gutterman, dos Estados Unidos, citou, durante o debate, o artigo da The Economist sobre o impacto da variação climática nos países. O Brasil — disse — é o país que mais concentra variações no clima. Para ele, a sustentabilidade está atrelada a uma estabilidade financeira de longo prazo, e é preciso integrar o setor de seguros e criam um diálogo aberto. “Esse é o cerne do nosso projeto. Quanto mais nos preocuparmos com questões sociais, vamos melhorar o setor”, contou Gutterman, referindo-se às ações da associação atuarial que representa nos Estados Unidos. O painelista também apresentou um paper produzido pela Associação Internacional de Atuários que aborda a correlação entre a mortalidade e as mudanças climáticas (disponível clicando aqui). Segundo o paper, os efeitos das mudanças climáticas poderão ser diretos ou indiretos, incluindo, por exemplo, mudanças nos padrões de doenças decorrentes de mosquitos, secas e fome, conflitos, tempestades e incêndios florestais. Nem todos os efeitos serão adversos. Mudanças nos padrões climáticos podem, por exemplo, aumentar a produtividade e reduzir a insegurança alimentar em certas regiões do planeta. O paper destaca, ainda, o impacto desproporcional das mudanças climáticas nas populações mais vulneráveis, e recomenda aos atuários reconhecer que as mudanças climáticas representam uma fonte adicional de incerteza para as taxas de mortalidade futuras, e considerar suas implicações para as premissas do seu trabalho, comunicando as incertezas aos seus clientes.

A diferença entre ser queimado e ‘beijado’ pelo sol ou a tragédia climática australiana

Membro da diretoria executiva da Autoridade de Regulação Prudencial da Austrália (PARA), membro do comitê executivo da Associação Internacional dos Supervisores de Seguros (IAIS) e presidente do Fórum de Sustentabilidade em Seguros para Reguladores (SIF), o australiano Geoff Summerhayes falou sobre a necessidade de se conclamar reguladores e supervisores para que compreendam o significado das questões de sustentabilidade para regulação e supervisão no mercado de seguros.

O representante australiano alertou para os riscos físicos causados pelas mudanças climáticas que atualmente influenciam a economia da Austrália. “O clima está mudando e exige adaptação. Há um agravamento das ondas de calor. Na Austrália, a estação de incêndios está aumentando. Há mais seca e aumento do nível do mar”, descreveu ele, referindo-se ao desafio climático na região da Tasmânia, ilha e estado da Austrália na costa sudeste do país, onde o período de seca tornou-se mais extenso. “Isso foi catastrófico e jamais visto anteriormente. Houve muito calor, ciclones, etc. Uma situação extrema”, recordou.

A surpresa maior de Summerhayes foi constatar que as seguradoras locais não previam esse cenário. O representante do órgão regulador australiano se preocupa porque esse contexto climático devastador vem sendo ignorado e as seguradoras, por sua vez, interpretaram mal a situação. “O calor é o que mais mata em desastres naturais e a Austrália é muito vulnerável. Temos o continente habitado mais seco do mundo”, alertou.

As perdas com tragédias ambientais correspondem a 1,2% do PIB australiano, o equivalente a 19 bilhões de dólares anuais. Até 2050, Summerhayes prevê que essas perdas somem 40 bilhões de dólares. “Somos, por isso, conhecidos como o ‘corredor do desastre’. Estramos lamentavelmente na dianteira das mudanças climáticas. Isso faz com que os prêmios em segures aumentem no país”, assinalou.

Segundo Summerhayes, há uma mudança sistêmica na economia mundial como desdobramento dos riscos físicos naturais, que, resigna-se ele, serão intensificados nos próximos anos caso os mercados não promovam uma maciça transição para a sustentabilidade, sobretudo no setor de seguros. “Fomos considerados corajosos porque falamos que os riscos climáticos são previsíveis e podem ser mensuráveis”, afirmou Summerhayes, que disse ter recebido o apoio da entidade similar a Ordem dos Advogados do Brasil para que empresas de capital aberto fossem responsabilizadas por riscos climáticos.

“Com os nossos supervisores, começamos a alertar o mercado segurador. Estamos conversando para ver qual o nível de conhecimento das seguradoras. Tivemos alguns progressos”, comemorou Summerhayes. “A APRA, em 2016, se juntou ao SIF, com isso progredimos muito”, completou. Para o regulador australiano, a palavra-chave rumo à transição para os PSI (Princípios para Sustentabilidade em Seguros), propostos pela ONU, é “resiliência”.

Todas as ações implantadas pela APRA aconteceram em meio a um governo conservador na Austrália, destacou Summerhayes. “Era um ambiente em que as pessoas negavam os problemas ambientais. Hoje, não é o momento de sermos cautelosos. Deveríamos ter feito isso antes, como país”, disse ele, referindo-se às iniciativas que minimizassem o impacto climático na sociedade e economia australianas. “Temos de trazer responsabilidade ao sistema para que haja transformação. Precisamos compreender a diferença entre ser queimado pelo sol e beijado (sic) por ele”, concluiu.

Caminhos para um relatório financeiro sob uma agenda de sustentabilidade

Criado em 2009, o Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board, cuja sigla em inglês é FSB), instituição vinculada ao G20, monitora e faz recomendações sobre o sistema financeiro global alinhado com autoridades financeiras nacionais e órgãos internacionais que normatizam o mercado. Como implementar no setor de seguros as recomendações do FSB em relatórios financeiros relacionados ao clima foi um dos temas do evento.

Novamente sob a moderação de Butch Bacani, o painel contou com a participação de Geoff Summerhayes, do Conselho Administrativo da Autoridade de Regulação Prudencial da Austrália (APRA) e presidente do Fórum de Sustentabilidade em Seguros para Reguladores da ONU (SIF); Jakob Thomä, diretor da 2 Degrees Investing Initiative, da Alemanha, e Aaron Ezroj, diretor do escritório de Iniciativas de Riscos Climáticos do Departamento de Seguros da Califórnia.

“Temos a sustentabilidade como prioridade na Califórnia e a seguradoras estão presentes. O ambiente na Califórnia é muito positivo para disrupção de assuntos climáticos”, disse Ezroj, informando no evento que o Departamento de Seguros californiano concluiu recentemente uma avaliação de cenários de estresse em eventos climáticos extremos envolvendo seguradoras. O resultado ainda não foi divulgado.

Bacani perguntou a Ezroj se qualquer cidadão californiano pode solicitar informações sobre as seguradoras. O representante da entidade americana respondeu que sim, “A comunidade de seguros é muito receptiva. Quanto à avaliação, posso afirmar que a seguradoras vão achar os resultados muito vantajosos”, confirmou Ezroj. “Vamos insistir com a seguradoras para que elas façam as próprias análises. É uma questão de educação mesmo”, completou.

Thomä comentou sobre as ações da 2 Degrees Investing Initiative, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com seguradoras e bancos para conectar o mercado financeiro com a agenda de clima. “As seguradoras menores não têm os recursos para participar desse debate ou simplesmente não querem participar. É como se fosse uma brincadeira de gato e rato”, explicou.

Contextualizar resultados financeiros, especialmente sobre sustentabilidade, tema que ainda encontra resistência em muitos mercados, não é tarefa simples. Para Thomä, uma estrutura de modelagem dos resultados ajuda aos supervisores do setor de seguros a enxergarem melhor o cenário mercadológico e, especialmente, a identificarem riscos de transição.

Todas as análises da 2 Degrees Investing Initiative são em código aberto, acessíveis, portanto, para a sociedade que deseja compreender mais sobre como atua o mercado financeiro e para empresas que precisam compreender melhor os caminhos que levam, por exemplo, a uma adequação dos negócios a modelos autossustentáveis. “Não vendemos nossas análises. Começamos trabalhando em modelagens de risco. Identificamos empresas mais expostas aos riscos e ao impacto nos títulos”, pontuou Thomä, lembrando que a associação de seguradoras da Suíça firmou uma parceria com o governo daquele país sugerindo análises de mercado baseadas no modelo desenvolvido pela 2 Degrees. “Agora vão criar metas para a indústria seguradora local”, resumiu Thomä.

Summerhayes comentou sobre os riscos de transição materializado de mudanças climáticas. “Na Austrália, os executivos das seguradoras são penalizados por má gestão do risco, caso não considerem os riscos climáticos”, contou. Nessa esteira, a cobertura para executivos, o conhecido seguro de Responsabilidade Civil para Executivos, também chamado D&O (“Directors and Officers Liability Insurance”), ainda é pouco explorada pelo mercado australiano. Para finalizar, Ezroj frisou que hoje, nos países com economias mais estruturadas e transparentes, o modelo D&O é mais bem difundido. “O mercado segurador está se preparando cada vez mais para o risco da responsabilização”, assinalou.

Summerhayes concluiu as reflexões do painel fazendo um alerta aos bancos. Segundo ele, a maioria das instituições financeiras concedem empréstimos sem levar em conta impactos climáticos. Para ele, as seguradoras têm mais capacidade para desenvolver análises nesse sentido do que as empresas que lidam diretamente com crédito. “Os bancos não acompanham esses seguros de responsabilidade civil”, enfatizou.

O cliente deseja sustentabilidade. Ouça-o, segurador

O último painel do evento as estratégias de investimento sustentável, inovações e tendência no setor de seguros. Moderado por Butch Bacani, o painel contou com a participação de Maud Chalamet, diretora do Green Finance Programme, Prosperity Fund, do consulado do Reino Unido; Murray Birt, vice-presidente do Deutsche Asset Management no Reino Unido; Tatiana Assali, sócia da Resultante Consultoria Estratégica; Paulo Roberto Miller Vianna Junior, analista técnico da Susep, e Nick Robins, assessor especial em sustentabilidade financeira da ONU e professor de finanças sustentáveis da Londo School of Economics and Political Science, do Reino Unido.

A primeira manifestação no painel foi de Tatiana Assali. A especialista destacou que a responsabilidade do segurador diante do risco começa na análise. Para uma construção de uma estratégia de sustentabilidade para o negócio a ferramenta principal é o engajamento, explicou Tatiana. “A questão não é ser somente sustentável, mas perene. É ganhar dinheiro sim, mas deixar o mundo melhor”, ponderou.

Para Tatiana, o Brasil é um território fértil para o avanço de estratégias de investimento sustentável. “Temos florestas, sol, produtos e recursos para fazer essa agenda funcionar”, disse. O Brasil é hoje o líder em sustentabilidade na América Latina. Em seguida, segundo a especialista, vêm Colômbia e Chile.

“Qual a visão da Susep em relação ao investimento sustentável?”, perguntou Bacani a Paulo Vianna. O técnico do órgão regulador foi franco: “Ainda não vemos isso nas seguradoras em número significativo, como também é incipiente a participação do órgão regulador nessa seara. É recente essa discussão na Susep. Ainda estamos buscando incentivos regulatórios para investimentos com critérios ASG (questões Ambientais, Sociais e de Governança). Mas prestem atenção a esses aspectos, porque estamos atentos a isso”. Bacani, como moderador, elogiou a franqueza do representante da Susep.

Murray Birt disse que há mais de 2 mil estudos acadêmicos sobre incorporação de critérios ASG em investimentos. Segundo ele, os seguros precisam ser vistos para além da subscrição. “Estamos pegando dados de riscos de transição, como inundação e calor extremo, para manter o desenvolvimento estratégico de sustentabilidade do investidor e ajuda-lo a reduzir os riscos físicos. Precisamos gerir esses riscos desde já”, alertou. Bacani concordou com Birt, e ressaltou que além dos riscos de transição, há também os riscos físicos. “Ambos integram a mesma pauta”, afirmou.

Importante nome do mercado de sustentabilidade internacional, Nick Robins assinalou que os termos do Acordo de Paris precisam ser urgentemente asseverados no mercado. “Temos de ver isso de forma holística. As seguradoras já fazem isso. Algumas seguradoras já se afastam de empresas utilizadoras de carvão, por exemplo. A primeira lição é que precisamos trazer de volta para o debate a dimensão social. Poucas vezes as preferências do cliente em sustentabilidade são levadas em consideração pelas seguradoras. Há uma falha aí. O plano de ação é pensar no que o cliente quer em sustentabilidade”, sugeriu.

“É uma questão social e de governança. Essa conexão do social, ambiental e governança faz parte da narrativa futura. Concordo com Nick. É preciso conhecer a preferência do cliente. Isso realmente é falha do mercado”, completou Bacani.

Em sua explanação, Maud Chalamet observou que uma cooperação mais encorpada de investidores em projetos de sustentabilidade com o Brasil é um processo de longo prazo, mas que os primeiros aportes já aconteceram. “Nossa missão, como financiadores de programas, é ajudar o Brasil a atingir as metas do Acordo de Paris e do governo brasileiro em sustentabilidade”, disse ela. Até aqui, o Green Finance Programme já investiu cerca de 18 milhões de libras em projetos de sustentabilidade brasileiros, a maioria na área de energia. “Estamos ajudando o BNDES a dimensionar sua metodologia para lidar com desenvolvimento sustentável. Queremos tropicalizar essa expertise. Nosso objetivo é atrair mais investidores para o Brasil, um dos pilares do nosso programa”, concluiu.

Fonte: CNseg, em 16.05.2018.