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Seguro por Telemetria e Seguro Digital: Desafios e Perspectivas Jurídicas

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Voltaire Marenzi. Advogado e Professor.

voltaire 2024A crescente incorporação de tecnologias digitais ao mercado securitário tem impulsionado novas modalidades de contratação e precificação de seguros, entre as quais se destacam o seguro por telemetria e o seguro digital.

A telemetria em seguros automotivos, por exemplo, é a recolha de transmissão remota de dados do comportamento do condutor e do uso do veículo, através de dispositivos, ou apps, para personalizar o preço do seguro e torna-lo, mais justo,[1] em tese, digo eu.

Tais inovações refletem a transformação do setor, marcada pela personalização da cobertura, pelo uso intensivo de dados e pela digitalização completa da relação entre segurado e seguradora. Contudo, ao mesmo tempo em que oferecem maior eficiência e inclusão, também se levantam questionamentos jurídicos relacionados à regulação, privacidade, proteção de dados e equilíbrio contratual.

De outro não há uma menção explícita na Lei 15.040/2024 (Novo Marco Legal dos Seguros), que trate de seguro por telemetria - uso de sensores, coleta continua de dados operacionais do veículo -, ou do interesse a ser garantido pela proteção securitária.

Quando é mencionada a formação do contrato de seguro na nova lei, acentua-se que “a proposta de seguro poderá ser feita diretamente, pelo potencial segurado ou estipulante ou pela seguradora, ou por intermédio de seus representantes.” Art. 41 da Nova Lei.[2]

Colhe-se, outrossim, o seguinte comentário, no início da exegese deste dispositivo, por parte de outras comentaristas sobre o tema. Confira-se:

” A proposta de seguro é essencial para a correta e adequada formação do contrato de seguros”.[3]

Já doutrinava o saudoso amigo Pedro Alvim:

“Os seguros são contratados mediante propostas assinadas pelo segurado, seu representante legal ou corretor habilitado”.[4]

E, em seguida, o festejado autor, escreveu:

“O corretor é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros”.[5]

Pois bem. No que concerne ao tema propriamente dito, vale dizer, o seguro por telemetria consiste na utilização de dispositivos tecnológicos capazes de coletar, em tempo real, informações sobre o comportamento do segurado ou do objeto segurado. No ramo de automóveis, como dito supra, sensores registram dados como velocidade média, frenagens bruscas, percursos realizados e horários de circulação, permitindo a precificação do prêmio com base no risco individual efetivamente assumido.

Estes dados são demonstrados, a qualquer tempo, aos segurados de uma maneira transparente?

No Brasil, a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP - tem reconhecido a importância da inovação, flexibilizando regras para estimular produtos baseados em tecnologia. A Circular SUSEP nº 592/2019 (com a data correta de 26 de agosto de 2019) estabelece as regras para a estruturação de planos de seguros com vigência reduzida ou período intermitente, permitindo a criação de apólices e bilhetes de seguro sob medida para atender a novas demandas do mercado e impulsionar a inovação no setor, como a criação de produtos personalizados e a digitalização. Esta circular permitiu a criação de planos de seguro com duração menor que o padrão ou com períodos de pausa na vigência.

Como está consignado[6] na circular focada a contratação do seguro poderá ser feita através de apólices ou bilhetes de seguro, oferecendo, de fato, mais flexibilidade. Todavia, é preciso que seja disponibilizada ao segurado, ou, ao seu corretor, quer por meio impresso, quer por outra modalidade às condições destas apólices que reflitam, o inteiro teor, do que realmente foi ali contratado.

Destarte, ao flexibilizar a estrutura dos planos, a norma visa promover a criação de produtos mais adaptados às necessidades dos consumidores e impulsionar o desenvolvimento de soluções inovadoras no setor, como as oferecidas por startups de seguros (insurtechs).

Deveras. O crescimento das insurtechs tem sido fundamental para impulsionar a inovação no setor de seguros no Brasil, introduzindo soluções tecnológicas para aprimorar a experiência do cliente e a eficiência operacional.

Tais canais de abertura no mercado contribuem para a tendência de desburocratização e avanço dos canais digitais no mercado de seguros, acompanhando uma tendência mundial.

A edição daquela Circular da SUSEP, impende sublinhar, a 592/2019 foi considerada, à época, como um importante avanço para o mercado de seguros, pois teria aberto caminhos para a criação de produtos mais flexíveis e sob medida, beneficiando tanto as seguradoras quanto os consumidores.

Ela acompanhou a abertura da Susep a novas inovações e à criação de mecanismos como o sandbox regulatório para o desenvolvimento de novas plataformas e produtos digitais.

Todavia, há desafios a serem enfrentados, apesar de seu potencial, que pretende seu avanço no mercado.

Um deles, a meu sentir, se reflete na privacidade e na proteção de dados. Não haverá vazamento de informações e dados na hipótese de troca de gestores quando da contratação embrionária?

A base legal para o tratamento pode ser o consentimento dos envolvidos nesta operação, além, claro, do respaldo do legítimo interesse, respeitando sempre os princípios da finalidade, adequação e necessidade desta nova forma de contratar seguro.

Ademais, existem riscos de que segurados com comportamentos classificados como “mais arriscados” sejam excluídos ou onerados de maneira desproporcional ao interesse posto sob proteção.

De outra banda, as seguradoras devem informar de forma transparente e objetiva como os dados coletados impactam no cálculo do prêmio e na eventual negativa de cobertura.

Enfim, o mercado já tem ciência de que o seguro digital compreende a contratação, execução e gestão de seguros por meio de plataformas eletrônicas, sem necessidade de documentos físicos ou contato presencial. Envolve desde a assinatura digital de apólices até a liquidação de sinistros por aplicativos móveis.

A digitalização encontra respaldo, é verdade, na Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que consolidou o princípio da presunção de boa-fé e da validade de meios digitais. Além disso, a Medida Provisória nº 2.200-2/2001, ainda em vigor, instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), que garante validade jurídica às assinaturas eletrônicas.

No âmbito securitário, a SUSEP tem editado normativos que permitem a emissão digital de apólices e certificados, reforçando a legitimidade dessa prática.

Outrossim, não se pode olvidar que poderá haver neste contexto fraudes digitais, vazamentos de dados e ataques cibernéticos que exigirão cláusulas contratuais claras e sistemas robustos de proteção.

Embora essa nova prática de contratação securitária promova uma maior praticidade, o seguro digital pode excluir consumidores sem acesso à internet ou sem familiaridade tecnológica, levantando questões sobre isonomia e acessibilidade.

Em verdade, essa nova modalidade contratual poderá ensejar repulsa e extremada veemência na utilização inapropriada da abominável expressão de “analfabeto digital,” ferindo por essa aleivosia o princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente o estatuto do idoso e também, a meu pensar, o próprio sistema penal como um todo.

Frente a isto a figura do corretor de seguros, peça fundamental na engrenagem do seguro, constituindo-se como um dos intervenientes no contrato de seguro[7] deve ser peça fundamental no assessoramento do segurado, mormente quando se cuida de uma pessoa de perfil mais conservador.

Também não se pode deixar de registrar que grande parte dos consumidores que se utilizam da garantia do seguro, se valem dos métodos tradicionais, ou seja, preferem que seu corretor diligencie nas providências para mitigar seus bens postos sob proteção securitária. Vale dizer, em resumida síntese, que o corretor imprima todo o conteúdo contratado pelo segurado junto à sua seguradora. Ainda vige, pois, o método tradicional em sua imensa maioria da massa de segurados.

A propósito da invocação do profissional acima citado, não posso deixar de consignar nesta passagem de meu ensaio, que existe em pauta uma minuta proposta pela SUSEP, ora em consulta pública, disponível até 1º de novembro, trazendo mudanças neste segmento. Segundo consta da reportagem estampada hoje na mídia[8], “nas seções I, II e II do Capítulo II desta minuta, o registro do corretor de seguros poderá ser concedido pela Susep ou por uma entidade autorreguladora, nos termos da Lei nº 14.430/2022. Cada corretor terá um único registro nacional e um código codificador. É vedado o registro de filial para corretor pessoa jurídica.

O exame de habilitação é mantido, mas o texto propõe duas modalidades: habilitação plena (todos os ramos) e habilitação específica (segmentos determinados pela Susep). Isso alinha a formação do perfil do corretor e as necessidades do mercado de seguros.

A minuta propõe ainda que os corretores de seguros mantenham-se a par da legislação e regulação vigentes, das práticas de mercado e das inovações técnicas.

Em relação aos recursos, prossegue o informativo, para atuar como corretor de seguros, o texto retira a exigência de quitação eleitoral, amplia a vedação de vínculo também para cooperativas de seguros, administradoras de proteção patrimonial, sociedades de capitalização e entidades abertas de previdência, além de incluir crimes das Leis 11.101/2005 e 7.492/1986.

Os corretores devem manter seus dados sempre atualizados. De acordo com o documento, a Susep e as entidades autorreguladoras poderão realizar recadastramento periódico, com acesso integral da Superintendência aos dados.

Para PJ, além das exigências atuais, passa a incluir sede obrigatória no Brasil, a proibição de participação societária em seguradoras ou entidades supervisionadas, requisitos de idoneidade dos sócios e administradores (sem falência, condenações, protestos de títulos, inadimplência etc.) e regras para denominação social e uso de marca (INPI).

Além disso, para cooperativas de corretores, passa a ser exigido que todos os associados tenham registro ativo, que ocorra exclusão imediata de associados com registro suspenso/cancelado e que seguradoras e entidades supervisionadas não paguem comissões a cooperativas com membros irregulares”.

Posto isto, retomando o tema acima epigrafado, jamais se poderá olvidar que eventuais litígios decorrentes desta forma de contratação, dependerá da validade de registros digitais, de contratos eletrônicos e logs de sistemas, sendo crucial ainda a observância de normas também insertas no Código de Processo Civil sobre documentos eletrônicos, particularmente no que está previsto no artigo 439 e seguintes deste diploma legal.

Pois, “diferentemente do documento físico, cuja autenticidade é reconhecida por meio da assinatura de seu autor, o documento eletrônico deve ser subscrito com o uso de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (art.3º da Lei 12.682/2012.”[9]

Cabe, ao azo, assinalar que tanto o seguro por telemetria como o por meio digital tendem a se interconectar. A telemetria só é viável em um ecossistema digital, que permita processamento em tempo real, atualização de apólices e cálculo dinâmico de prêmios. O seguro digital, por sua vez, encontra na telemetria uma oportunidade de maior personalização, alinhada à tendência do pay as you go, ou seja, pague conforme o uso.

Por fim, tanto uma modalidade como a outra desta modernidade securitária representam um novo paradigma para o setor securitário, promovendo ao fim e ao cabo eficiência, inovação e maior aderência ao perfil individual do segurado. Contudo, a adoção dessas práticas exige uma atenção redobrada a questões jurídicas sensíveis, como a proteção de dados, a segurança cibernética, a transparência contratual e a equidade no acesso.

O desafio do legislador e dos reguladores será equilibrar a promoção da inovação com a salvaguarda dos direitos fundamentais dos consumidores, garantindo um ambiente seguro, competitivo e inclusivo para o desenvolvimento sustentável do mercado de seguros no Brasil.

É o que penso, s.m.j.

Porto Alegre. 23 de setembro de 2025.



[1] Pesquisa Google.

[2] Voltaire Marenzi. Análise da Nova Lei de Seguros. Roncarati Editora, página 63.

[3] Angelica Carline e Glauce Carvalhal. Coordenadoras da Lei de Seguros Interpretada. Editora Foco, 2025, página 61.

[4] O Contrato de Seguro, 1ª edição Forense, 1.983, página 138.

[5] Ibidem, página citada.

[6] Vide registro no Google.

[7] Artigos 39 e 40 da lei 15.040/2024.

[8] CQCS, 22 de setembro de 2025.

[9] Daniel Amorim Assumpção Neves. Código de Processo Civil Comentado, 9ª Edição,. Editora JusPodivm, 2024, página 828.