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Seguro de vida: para quem pagar em caso de comoriência?

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Paulo Sogayar Jr
Sócio do Azevedo Sette Advogados

I – Introdução

O falecimento de um segurado pode suscitar dúvidas em relação ao valor e para quem a seguradora deverá pagar a indenização do seguro de vida. O tema é amplo, mas vamos tratar da comoriência.

II – Da comoriência

A comoriência é a situação em que (i) se presume que dois ou mais indivíduos faleceram simultaneamente, não se podendo averiguar quem faleceu primeiro (art. 8º do Código Civil – CC). Nesse caso, um não participa da sucessão do outro, ou seja, não há transmissão de bens entre eles.

Se o segurado e um de seus herdeiros tiverem falecido na mesma ocasião, deverá ser verificada a existência ou não de comoriência, bem como a indicação ou não de beneficiário.

Na falta de indicação de beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, de acordo com o art. 792 do Código Civil (CC) “o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária” (art. 1.829 do CC), sendo que, na ausência de tais pessoas, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.

Foge do escopo do presente a discussão sobre a ordem da vocação hereditária, em especial em relação à concorrência do cônjuge com os descendentes, consignando-se que a sua aplicação para o contrato securitário ainda suscita enorme debate, o que reforça a importância da indicação de beneficiário.

Mesmo com a indicação de beneficiário por parte do segurado, ainda assim o pagamento do capital segurado pode não ser tarefa simples, em especial quando ocorrer a comoriência.

Para exemplificar, vamos considerar a seguinte situação: em decorrência de um acidente, o pai (segurado) e seu único filho (indicado como beneficiário) falecem. O pai deixa seu pai (avô do filho), enquanto que o filho deixa a sua mãe (ex-esposa do pai).

Nesse caso, se não houver a comoriência e o pai tiver falecido antes que o filho, o filho (como beneficiário do seguro) receberia o capital segurado; com a morte do filho (ainda que pouco após a morte do pai), é a mãe do filho falecido quem herdará tal valor, por sucessão.

Contudo, ainda considerando o exemplo acima, com a comoriência entre pai e filho, com base em acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP1, é possível o entendimento de que não há beneficiário indicado no caso em tela, sendo aplicável o art. 792 do CC. Consequentemente, o capital segurado seria pago ao avô.

Vamos imaginar, ainda, que o filho possui uma irmã, a qual sobrevive ao acidente e também é beneficiária do seguro. Nesse caso, se não houver a comoriência e o pai tiver falecido antes que o filho, o filho seria o beneficiário de 50% do capital segurado. Como ele também faleceu, a sua mãe, por sucessão, é quem receberia a integralidade do valor que lhe caberia, enquanto que os outros 50% seriam devidos à filha sobrevivente.

Contudo, com a comoriência entre pai e filho, restará apenas a filha como beneficiária. Nessa situação, como a jurisprudência, além de escassa, não é clara, a sugestão é a consignação em pagamento do valor devido, pois é possível que tais valores sejam pagos 100% à irmã (considerando-se como inexistente a indicação do irmão, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça2, em que, embora não tenha sido analisada a questão da comoriência, apreciou-se a situação de pré-morte de beneficiário e o voto vencedor considerou que a nomeação do beneficiário pré-morto era inexistente e que a indenização do capital segurado deveria ser dividida em partes iguais entre os demais beneficiários indicados).

Mas, como a situação ainda não está pacificada, há acórdão3 que conduziria para a conclusão que os valores caberiam 50% à irmã e 50% à mãe do filho falecido. No caso, os filhos e a esposa eram beneficiários do seguro e houve a comoriência da esposa e do segurado, tendo sido decidido que os filhos receberiam 50% do capital do segurado e, os 50% do capital segurado da mãe seriam pagos aos filhos via sucessão, já que a mãe falecida, também era beneficiária.

III – Conclusão

A indicação de beneficiários pode minimizar discussões quando do pagamento do capital segurado. Nas situações de comoriência, havendo dúvida a quem pagar, é possível, e muitas vezes até recomendável, que seja procedida a consignação do valor devido.

Obs.: Este artigo não representa a opinião do Azevedo Sette Advocacia.


1 Apelação Cível 55.763-4/3, julg. 24/08/98

2 RESp 803.299-PR (2005/0203853-9), DJe 03/04/14

3 TJSP, Apelação com revisão 866015-0/0, julg. 01/08/05

Fonte: Artigo publicado originalmente na revista Opinião.Seg nº 11 - Edição Outubro 2015 - Páginas 10 e 11.