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Seguro de RC Geral em tempos de Covid-19

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Por Paulo Octaviano Diniz Junqueira Neto (*)

As Condições Contratuais Padronizadas do Seguro de RC Geral, aprovadas na Circular SUSEP 437/2012, dispõem no artigo 5º que, no seguro de responsabilidade civil, a sociedade seguradora garante ao segurado, quando responsabilizado por danos causados a terceiros, o reembolso das indenizações que for obrigado a pagar, a título de reparação, por sentença judicial transitada em julgado, ou por acordo com os terceiros prejudicados, com a anuência da sociedade seguradora, ou ainda das despesas emergenciais que o segurado vier a incorrer em para tentar evitar e/ou minorar danos causados a terceiros.

Diante da pandemia causada pela Covid-19, seguradoras poderão ter de enfrentar sinistros em apólices que dão cobertura de responsabilidade civil geral (RC Geral) aos seus segurados, decorrentes de reclamações de terceiros por danos pessoais e/ou materiais causados direta ou indiretamente não apenas pela contaminação em si, como também em função da inobservância de normas e medidas governamentais para evitar o aumento do contágio (o que contribuiria para a facilitação da proliferação, contaminado clientes e usuários).

No primeiro caso, condomínios e empresas (e produtos e/ou serviços a elas vinculados), especialmente hospitais, clínicas e profissionais de saúde e, no segundo caso, empresas que adotarem o teletrabalho (home office) para cumprir resoluções de isolamento social poderão vir a ser processadas civilmente por terceiros que sofrerem prejuízos resultantes de contaminação ou negligência com a inobservância de normas, falta de avisos ou medidas adequadas de proteção, acidentes de trabalho ou quebra de equipamentos pessoais do colaborador durante o trabalho à distância. Diante dessa mudança de cenário, torna-se prudente o segurado reavaliar se as coberturas securitárias contratadas estão compatíveis com a nova rotina operacional.

Vale observar que, recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas por partidos políticos e confederações de trabalhadores, suspendendo a eficácia do artigo 29 da MP 927/202 (“Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”)[1].

O referido dispositivo da MP 927/2020 buscava deixar claro que os casos de contaminação pela Covid-19 não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Médicos, enfermeiros e demais profissionais do setor de saúde ou de alguma forma dedicados ao combate à pandemia e seus efeitos, por exemplo, comemoraram o acerto da decisão, já que não teriam de provar o nexo causal entre o trabalho e a doença (em função da natureza da atividade desenvolvida por esses profissionais, o nexo causal é presumido e o ônus da prova se inverte, cabendo ao empregador demonstrar que a contaminação ocorreu de outra forma ou sem culpa sua).

Entretanto, outros setores a criticaram, na medida em que ela retirou o ônus da prova do nexo causal daqueles que trabalham em escritório ou em regime de home office, possivelmente empurrando todo o ônus da prova de sua inexistência ao empregador, qualquer que seja a atividade laboral desenvolvida.

De qualquer forma, ainda que o Judiciário venha algum dia a reconhecer a contaminação de empregados pela Covid-19 como doença ocupacional, não haveria, em tese, cobertura do seguro de RC Geral, já que este exige, por princípio, a ocorrência de um acidente pessoal, e doença ocupacional não é acidente pessoal. Aliás, “reclamações relacionadas com doenças profissionais, doenças do trabalho ou similares” são riscos expressamente excluídos das Condições Contratuais Padronizadas do seguro de RC Geral.

De outro lado, eventual contaminação pela Covid-19 pode ser, em si, a causa (ou concausa) da responsabilidade civil dos prestadores de serviço de saúde. No início da pandemia, certo advogado, em entrevista a um canal de TV, criticava a direção de grande hospital da Cidade de São Paulo, que não teria evitado o contado entre familiares e uma parente lá internada que havia contraído a Covid-19, o que poderia ter levado à contaminação desses familiares após as visitas.

Nessa hipótese, vale registrar que, muito embora uma “doença” possa ser considerada um “dano corporal” segundo as Condições Contratuais Padronizadas da SUSEP, o seguro de RC Geral via de regra não é aplicável a reclamações de terceiros contra hospitais, clínicas e demais prestadores de serviços médicos, por contaminação pela Covid-19, na medida que também estão excluídos da garantia os riscos relacionados a falhas na prestação de serviços profissionais (que exigem conhecimento ou treinamento técnico especializado, habilitação por órgãos competentes, como, por exemplo, CRM, OAB, CREA e outras entidades regulamentadoras de profissões).

Para cobrir os riscos de contaminação por tais atividades profissionais, existe o seguro de RC profissional (ou seguro E&O), que, por sua vez, não possui plano padronizado na SUSEP, ficando a cobertura para a eventual responsabilidade civil dos prestadores de serviços médicos (para contaminação pela Covid-19) dependente do clausulado da apólice de cada seguradora.

No entanto, causar contaminação, intencionalmente ou não, como, por exemplo, deixar de tomar medidas exigidas pelas autoridades, incluindo as sanitárias, é passível não só de ação penal como também de responsabilização civil.

Assim, no caso de hospitais, clínicas e demais prestadores de serviço médicos, a garantia dependerá do clausulado de sua apólice de seguro E&O e, no caso das demais empresas, de sua apólice de seguro RC Geral, caso as respectivas condições contratuais tenham sido modificadas (em relação às Condições Contratuais Padronizadas do Seguro de RC Geral) para prever cobertura ou exclusão por danos decorrentes de contaminação em epidemias ou pandemias.

Por fim, saliente-se que as Condições Contratuais Padronizadas do Seguro de RC Geral não excluem expressamente pandemia da cobertura. Porém, isso não significa que qualquer evento relacionado à Covid-19 terá respaldo securitário. Conforme acima mencionado, a cobertura dependerá da análise individual do caso.

[1http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442355

(*) Paulo Octaviano Diniz Junqueira Neto é Consultor em DR&A Advogados. 

30.06.2020