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SUSEP publica novas regras sobre controles internos relacionados à lavagem de dinheiro

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Foi publicada a Circular SUSEP nº 612, de 18 de agosto de 2020, que, ao revogar a Circular SUSEP nº 445, de 2 de julho de 2012, trouxe novas regras a respeito da política, dos procedimentos e dos controles internos que devem ser implementados por seguradoras, sociedades de capitalização, resseguradores locais e escritórios de representação de resseguradores admitidos, entidades abertas de previdência complementar, cooperativas autorizadas a funcionar pela SUSEP, corretoras de resseguro e corretoras(es) de seguros, para prevenir e combater crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como para prevenir e coibir o financiamento ao terrorismo. 

A nova circular é consideravelmente mais robusta do que a Circular SUSEP nº 445/2012 e traz inovações que vão impactar o dia a dia das entidades que a ela se sujeitam. Seguindo a mesma linha já estabelecida pelo Banco Central do Brasil, por meio da Circular nº 3.978/2020, e pela Comissão de Valores Mobiliários, por meio da Instrução nº 617/2019, que entram em vigor já em 1º de outubro de 2020, em relação às suas respectivas áreas de competência, a Circular SUSEP nº 612 adota o conceito de abordagem baseada em risco. A norma determina que as instituições reguladas devem realizar uma avaliação interna de risco e pautar seus procedimentos e controles internos de acordo com esta avaliação. Esta abordagem foi muito bem recebida nos mercados financeiro e de capitais, por trazer mais flexibilidade às instituições, ao mesmo tempo em que objetiva uma maior efetividade do programa de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. 

A começar pelos conceitos, a nova circular trouxe um amplo rol de definições, dentre as quais destacam-se “beneficiário final”, “devida diligência”, “monitoramento reforçado” e “conglomerado”, além de ter melhor definido termos anteriormente tratados como “beneficiários” e “outras partes relacionadas”.  

Em relação às novas definições, chama atenção a definição de “beneficiário final”, pessoa natural ou pessoas naturais que, isoladamente ou em conjunto, de forma direta ou indireta, possui(em), controla(m) ou influencia(m) significativamente uma pessoa jurídica ou outro tipo de estrutura análoga. Os “beneficiários finais”, juntamente com empregados, passaram a ser objeto de identificação e cadastro da mesma forma que clientes, beneficiários, terceiros e outras partes relacionadas já eram na Circular SUSEP nº 445/2012.  

A inclusão do beneficiário final na nova circular deixa clara a intersecção com as normas da Secretaria da Receita Federal, em particular a Instrução Normativa RFB nº 1.863/2018, que o define nos mesmos termos da nova circular da SUSEP, utilizando inclusive o mesmo percentual para que se presuma influência significativa, de 25% do capital da pessoa jurídica (ao passo em que a Lei nº 6.404/1976 utiliza o percentual de 20% do capital votante para definir tal influência).  

Outro ponto de atenção diz respeito à definição de “pessoas politicamente expostas”, que passou a incluir, dentre outros, presidentes e tesoureiros nacionais ou equivalentes de partidos políticos, secretários de estado e do Distrito Federal, vereadores, secretários municipais, bem como presidentes, ou equivalentes, de entidades da administração pública indireta municipal. Por outro lado, familiares, representantes e outras pessoas de relacionamento próximo de tais pessoas politicamente expostas não são mais incluídos na definição prevista na nova circular.  

A nova circular detalhou os controles internos destinados à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo que as entidades a ela sujeitas estão obrigadas a implementar e que, genericamente, já eram previstos no normativo anterior. Especificamente, a Circular nº 612 estabelece que as entidades a ela sujeitas devem, dentre outras coisas:

(i) aprovar a política de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, conforme elementos mínimos estabelecidos pelo artigo 6º da nova circular, no conselho de administração e, caso este não exista, na diretoria da entidade; 

(ii) estabelecer critérios e procedimentos para identificação não só de clientes, beneficiários, terceiros e outras partes relacionadas, mas também beneficiários finais e funcionários, bem como manter registros físicos e/ou eletrônicos referentes aos produtos e procedimentos expostos a risco; 

(iii) elaborar um contínuo programa de treinamento não só dos funcionários, mas também dos parceiros e prestadores de serviços terceirizados; 

(iv) realizar uma avaliação interna de risco, que deve considerar os perfis de risco dos clientes, dos beneficiários de produtos de acumulação, das operações, transações, produtos e serviços e das atividades exercidas pelos funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados;  

(v) manter registros de todas as operações com clientes, beneficiários, terceiros e outras partes relacionadas, inclusive aqueles referentes a todos os pagamentos realizados, com identificação do beneficiário final, e monitorar todas as operações; 

(vi) implementar procedimentos de análise das propostas ou operações, individualmente ou em conjunto, a fim de caracterizá-las como atípicas ou suspeitas de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo; 

(vii) comunicar ao COAF, em 24 (vinte e quatro) horas a verificação de atipicidade ou indícios de ocorrência de crime e, automaticamente, a ocorrência de (a) operações realizadas com pagamento de prêmio, contribuição, aporte e aquisição de título de capitalização em espécie, em valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) ou (b) pagamentos de resgates, indenizações ou sorteios, realizados em conta no exterior, em valor igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais);  

(viii) comunicar à SUSEP, anualmente, a não ocorrência no ano civil anterior das transações ou propostas de transações passíveis de serem comunicadas; e 

(ix) avaliar a efetividade da política, dos procedimentos e dos controles internos de que trata a Circular nº 612, produzindo um relatório anual com data-base de 31 de dezembro, o qual deve ser encaminhado à diretoria e ao conselho de administração e comitê de auditoria (quando houver) até 31 de março do ano seguinte. 

Em se tratando de conglomerado, a nova circular permite que uma única política seja adotada, desde que esta decisão seja tomada pelo conselho de administração e, caso este não exista, pela diretoria. O mesmo se aplica à avaliação interna de risco e ao relatório de avaliação de efetividade, que podem ser emitidos para todo um conglomerado.  

Permanece a obrigação de indicar um diretor responsável pelo cumprimento do disposto na Lei nº 9.613/1998 e, nos casos dos escritórios de representação dos resseguradores admitidos, esta função será desempenhada pelo representante. Já no caso das sociedades corretoras de resseguro e de seguro, esta função será desempenhada pelo administrador designado para este fim no estatuto ou contrato social ou pelo corretor responsável técnico. Destacamos que, mesmo nos casos em que se utilize uma mesma política, avaliação de risco e avaliação de efetividade no conglomerado, cada entidade deverá indicar seu responsável por esta função.  

Em relação à identificação dos clientes, vale notar que ela foi simplificada, uma vez que a quantidade de informações necessárias foi reduzida. Entretanto, as informações do beneficiário final também passam a ser exigidas.  

A qualificação e a classificação dos clientes, que não constavam da Circular SUSEP nº 445/2012, têm o propósito de avaliar a capacidade financeira e de enquadrar os clientes em categorias de risco definidas na avaliação interna de risco, respectivamente. A qualificação deve também incluir a verificação da condição de pessoa politicamente exposta, bem como da condição de representante, familiar ou estreito colaborador de tal pessoa.  

Tanto dados de identificação, quanto qualificação, devem ser cadastrados previamente ao início da relação comercial ou, se houver avaliação interna de risco, posteriormente. De qualquer forma, o cadastro de clientes, beneficiários, terceiros, beneficiários finais ou outras partes relacionadas, deve ser atualizado previamente a qualquer liquidação financeira por parte das entidades reguladas sujeitas à nova circular. Em caso de aceitação de risco do exterior por ressegurador local, este deve fazer tal cadastro até a formalização contratual. Vale ressaltar que, em caso de cosseguro, apenas a líder está obrigada a fazer este cadastro. Se as entidades envolvidas forem parte de um conglomerado, elas poderão manter cadastro único. 

Por fim, outra grande inovação foi a inclusão de um capítulo inteiro tratando da obrigação das entidades sujeitas ao novo normativo de cumprir - imediatamente e sem aviso prévio – as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU (ou as designações de seus respectivos comitês de sanções) que determinarem a indisponibilidade de ativos, de quaisquer valores, de titularidade direta ou indireta de pessoas naturais, pessoas jurídicas ou quaisquer entidades, nos termos da Lei nº 13.810/2019 (que determina, dentre outras questões, os procedimentos a serem observados com pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, seu financiamento e/ou atos a ele correlacionados).  

A “indisponibilidade” acima referida significa a proibição de transferir, converter, trasladar, disponibilizar ativos ou deles dispor, direta ou indiretamente, incidindo inclusive sobre os juros e outros frutos civis e rendimentos decorrentes do contrato, devendo ser imediatamente comunicada à SUSEP, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e ao COAF.  

A Circular SUSEP nº 612/2020 entrará em vigor em 1 de março de 2021, exceto pelo capítulo das ações de indisponibilidade de bens, direitos ou valores, que entrou em vigor na data da publicação. Para fins de cumprimento da nova circular, a primeira data-base a ser considerada será 31 de dezembro de 2021. 

Fonte: Mattos Filho, em 17.09.2020