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STJ altera seu entendimento quanto ao prazo prescricional para restituição das contribuições destinadas à previdência privada

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Mariana Monte Alegre de Paiva
Pedro Javier Martins Uzeda Leon
André Arabicano Valente

Associados da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados

Em 23.6.2020, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), ao julgar o Recurso Especial nº 1.803.627, entendeu que o prazo prescricional para a restituição de contribuições à previdência complementar seria de 10, e não de 3 anos, modificando assim o entendimento adotado até então.

O entendimento majoritário anterior de ambas as Turmas do STJ era na linha de que o prazo prescricional para restituição seria de 3 anos, assumindo que o pleito envolveria a hipótese de enriquecimento sem causa da entidade de previdência complementar, em conformidade com o inciso IV, do § 3º, do artigo 206, do Código Civil de 2002[1].

Contudo, no julgamento do recente Recurso Especial nº 1.803.627, a 3ª Turma entendeu, por maioria de votos, que, por haver prévia relação contratual com os participantes do plano de previdência, não haveria que se falar em enriquecimento sem causa, uma vez que o enriquecimento da entidade de previdência complementar possuiria, como causa evidente, a celebração de um negócio jurídico. Nesse sentido, seria correto aplicar, segundo os Ministros, o artigo 205 do Código Civil, que estabelece o prazo prescricional de 10 anos[2].

Para embasar seu entendimento, a 3ª Turma fez referência ao julgamento dos Embargos de Divergência nº 1.523.744 pela Corte Especial de fevereiro de 2019. Nessa ocasião, o STJ analisou um caso específico envolvendo a cobrança indevida de serviços de telefonia, tendo aplicado o prazo do artigo 205.

Na época, o Tribunal consignou que a repetição de indébito decorrente de serviços cobrados indevidamente e não contratados não seria hipótese de enriquecimento sem causa, afastando assim a aplicação do prazo trienal. O Relator dos Embargos apontou que o enriquecimento sem causa exigiria, necessariamente, ausência de causa jurídica (isto é, relação contratual) e inexistência de ação judicial específica (no caso, repetição de indébito).

Agora, no julgamento do Recurso Especial nº 1.803.627, a 3ª Turma decidiu por aplicar o mesmo racional dos referidos Embargos de Divergência, a despeito de o caso envolver previdência privada.

Cumpre destacar o voto vencido do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, segundo o qual a prescrição decenal não seria aplicável a toda e qualquer demanda que objetive a restituição de contribuições no âmbito da previdência complementar, inclusive porque o prazo do artigo 205 é residual, somente se aplicando na ausência de previsão legal específica.

No seu entender, o caso concreto envolveria o desconto ilegal efetuado por entidade de previdência complementar. Haveria, justamente, ausência de causa jurídica que legitimasse o desconto, dando ensejo, assim, ao enriquecimento sem causa – a despeito da existência, como “simples pano de fundo”, de relação contratual das partes (Termo de Adesão).

Diferenciando a situação dos fatos discutidos nos Embargos de Divergência nº 1.523.744 e no Recurso Especial nº 1.803.627, o Ministro apontou que o caso de nulidade do contrato firmado, com a perda da causa que legitimava a cobrança da contribuição por conta do reconhecimento de caráter ilegal ou abusivo da avença, por exemplo, também deveria ensejar o prazo prescricional trienal.

A diferenciação levantada pelo Ministro, apesar de não ter prevalecido, é de extrema importância para evitar julgamentos futuros que não analisem a matéria de maneira aprofundada e desconsiderem situações que envolvam efetivamente o enriquecimento sem causa.

Note-se que a decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial nº 1.803.627não se deu em sede de recurso repetitivo, de modo, embora seja um precedente significativo, não vincula os demais julgadores nem significa que a discussão está definitivamente encerrada.

De todo modo, a mudança do entendimento do prazo prescricional para a restituição de contribuições à previdência complementar de 3 para 10 anos pode implicar potencial ponto de atenção para as entidades de previdência complementar. Isso porque, caso esse entendimento de fato prevaleça e seja confirmado nos próximos julgamentos, será eventualmente necessária uma adaptação do ponto de vista do planejamento estratégico-financeiro das entidades, revisando gastos com eventuais processos pleiteando restituições, levando em conta o prazo para ingresso de novos pleitos como sendo de 10 anos.

Essa mudança jurisprudencial, por si só, já seria relevante em qualquer ocasião, dada a insegurança jurídica que ocasiona. Quando observamos o contexto em que ela se insere, qual seja, em meio à pandemia decorrente do COVID-19, tal alteração pode até alcançar outro patamar de importância, tendo em vista que se trata de um momento delicado para diversas entidades, em que todo o gerenciamento financeiro está sendo realizado de maneira minuciosa a fim de garantir a saúde financeira.

Não observar de perto as mudanças jurisprudenciais quanto ao prazo prescricional de restituição e entender no detalhe os impactos nas situações concretas pode causar eventuais transtornos às entidades de previdência complementar.


[1]Art. 206. Prescreve: (....) § 3º Em três anos: (...) IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa”.

[2]Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.