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Reajuste por mudança de faixa etária em planos e seguros privados de assistência à saúde

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Quando não há abusividade para aumento das contraprestações de planos e seguros de saúde para beneficiários com idade igual ou superior a sessenta anos?

Por Renato Vernizzi (*)

imagem renato vernizziNão é mais novidade o grande movimento de judicialização da saúde suplementar e que vem deixando os “escaninhos” do Poder Judiciário em todo território nacional abarrotado de processos. Dentre os temas mais debatidos está o reajuste por mudança de faixa etária, especificamente quando este incide quando o beneficiário do plano ou seguro de saúde tem mais de sessenta anos de idade.

Um dos motivos do aumento das demandas judiciais acerca do reajuste por mudança de faixa etária decorre de interpretações da Lei nº 10.741/2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, a qual traz no bojo do § 3º, do Art. 15, a vedação de discriminação quanto à aplicação de reajustes diferenciados para os beneficiários de planos e seguros de assistência à saúde que tenham idade igual ou superior a sessenta anos. Desta feita, de acordo com o entendimento de alguns juristas e órgãos de defesa dos direitos dos consumidores, desde 1º de janeiro de 2004 nenhum beneficiário que esteja enquadrado nessa condição (idade igual ou superior a sessenta anos) não pode ter a incidência de reajustes em decorrência da mudança de faixa etária por tratar-se de um aumento considerado abusivo.

Para responder o questionamento acima se faz necessário apresentar alguns esclarecimentos para aclarar o entendimento e demonstrar quando estes reajustes são legais e não denotam qualquer abusividade, de acordo com a legislação e regulamentação vigentes, bem como sob o prisma de alguns princípios e conceitos jurídicos.

Antes da edição, publicação e consequente início de vigência da Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, não existia qualquer norma para regulamentar a forma como os reajustes incidentes sobre as mudanças das faixas etárias dos consumidores/beneficiários, prevalecendo exclusivamente os contratos celebrados com as operadoras para reger a incidência destes aumentos, ressalvado que tais instrumentos por vezes eram obscuros e continham cláusula que denotavam abusividade. Conquanto, após a vigência da citada lei, e diante das inúmeras alterações da redação original, as operadoras passaram a ter que observar normas específicas para a aplicação de reajustes decorrentes das mudanças das faixas etárias dos seus consumidores/beneficiários, destacando-se a necessidade de observar regras específicas para contratos celebrados entre 2 de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2003, e outras para contratos celebrados a partir de 1º de janeiro de 2004, quando do início de vigência do Estatuto do Idoso.

De modo a abarcar melhor compreensão quanto a aplicabilidade do reajuste por mudança de faixa etária, uma vez que prevalecem normas a serem observadas de acordo com o tempo que os contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde foram celebrados, é pertinente trazer o conceito do denominado ato jurídico perfeito, o qual está positivado no § 1º, do Art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 4.657/1942, e suas posteriores alterações) e que preconiza que “reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Ou seja, todo ato jurídico é considerado perfeito quando satisfez na sua realização todos os requisitos formais, nos temos das normas vigentes na época, de modo a torna-lo completo e aperfeiçoado, consequentemente garantindo sua imutabilidade e a devida segurança jurídica, mesmo quando sobrevierem novas normas, de modo que os efeitos destas não retroajam e deturpem relações já consolidadas. Ademais, corroborando nesse sentido, destacamos que o legislador constituinte fez constar no inciso XXXVI, do Art. 5º da Carta Magna de 1988 um dispositivo contundente de que a lei (em sentido lato) não pode prejudicar o ato jurídico perfeito, assim como o direito adquirido e a coisa julgada.

Desta feita, no que concerne à aplicação dos reajustes em decorrência das mudanças de faixas etárias, e especificamente quanto à incidência do reajuste para os consumidores/beneficiários com idade igual ou superior a sessenta anos, hipóteses diferenciadas devem ser suscitadas e observadas, de acordo com o tempo em que o contrato de plano ou seguro de saúde veio a ser celebrado. Vejamos:

 (i) Contratos celebrados até 1º de janeiro de 1999 (denominados de planos não regulamentados) e que não tenham sido adaptados à Lei nº 9.656/1998 – dever-se-á observar exclusivamente as disposições contratuais, inclusive eventual incidência de reajuste por mudança de faixa etária para consumidores/beneficiários com sessenta anos ou mais, desde que tais aumentos seja pautados em critérios objetivos e que justifiquem a necessidade de elevação da contraprestação pecuniária;

 (ii) Contratos celebrados a partir de 2 de janeiro de 1999 (denominados de planos regulamentados), ou que tenham sido adaptados à Lei nº 9.656/1998 – para estes contratos duas normas infralegais devem ser observadas de acordo com o momento de sua celebração ou adaptação:

(a) Aos instrumentos celebrados entre 2 de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2003 devem ser observadas as premissas constantes na Resolução nº 6/1998 do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU, primeiro órgão colegiado e criado para estabelecer diretrizes gerais do setor de saúde suplementar, norma esta que prevê que aos contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde podem incidir sete faixas etárias distintas, de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos de idade, de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos de idade, de 30 (trinta) a 39 (trinta e nove) anos de idade, de 40 (quarenta) a 49 (quarenta e nove) anos de idade, de 50 (cinqüenta) a 59 (cinqüenta e nove) anos de idade, de 60 (sessenta) a 69 (sessenta e nove) anos de idade, e de 70 (setenta) anos de idade ou mais. Assim, sempre que o consumidor/beneficiário completar a idade inicial de cada uma das faixas etárias supracitadas poderá incidir reajuste na contraprestação pecuniária, desde que o contrato preveja um critério claramente o percentual de reajuste entre cada uma, e que o valor da última faixa etária não exceda seis vezes o valor da primeira.

No entanto, ponderamos que antes da aplicação do reajuste, é necessário observar os critérios definidos no parágrafo único, do Art. 15 da Lei nº 9.656/1998, o qual veda qualquer aplicação de reajuste exclusivamente para os beneficiários com idade superior a sessenta anos e que tenham contrato vigente há mais de dez anos, ressalvado que não há nestes casos a incidência do Estatuto do Idoso. Portanto, consumidores/beneficiários com mais de sessenta anos poderão sim receber reajuste devido a mudança de faixa etária caso não estejam por mais de dez anos com o contrato vigente.

(b) Para os instrumentos celebrados a partir de 1º de janeiro de 2004, data em que passa a vigorar o Estatuto do Idoso, as faixas etárias devem observar o que dispõe a Resolução Normativa nº 63/2003, da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a qual prevê que aos contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde podem incidir dez faixas etárias distintas, também com critério objetivo quanto ao percentual de reajuste aplicável em decorrência do atingimento da idade, quais sejam: de 0 (zero) a 18 (dezoito) anos, de 19 (dezenove) a 23 (vinte e três) anos, de 24 (vinte e quatro) a 28 (vinte e oito) anos, de 29 (vinte e nove) a 33 (trinta e três) anos, de 34 (trinta e quatro) a 38 (trinta e oito) anos, de 39 (trinta e nove) a 43 (quarenta e três) anos, de 44 (quarenta e quatro) a 48 (quarenta e oito) anos, de 49 (quarenta e nove) a 53 (cinquenta e três) anos, de 54 (cinquenta e quatro) a 58 (cinquenta e oito) anos, e de 59 (cinquenta e nove) anos ou mais.

Depreende-se que para estes contratos, o último reajuste em razão da mudança de faixa etária recai quando completados cinquenta e nove anos, ou seja, antes de o consumidor/beneficiário enquadrar-se nas normas preconizadas pelo Estatuto do Idoso, o qual dispõe sobre direitos para pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos. Ainda, outro critério objetivo, cujo conceito já era observado, é o de que o valor da última faixa etária não poderá ser superior em seis vezes o valor da primeira.

Resta, portanto, identificado que para os contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde celebrados até 1º de janeiro de 1999, eventual reajuste por mudança de faixa etária deverá corresponder com o critério exclusivamente previsto em contrato, e para os contratos celebrados a partir de 2 de janeiro de 1999, tais reajustes deverão observar os critérios taxativamente dispostos na legislação e regulamentação à época vigentes, destacando-se que em todas as hipóteses os critérios para aumento das contraprestações pecuniárias deverão ser objetivos.

Cabe, ainda, afirmar a pertinência nos contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde dos reajustes para as faixas etárias mais elevadas, uma vez que tais instrumentos garantem o acesso a inúmeras coberturas para serviços, procedimentos e eventos assistenciais, sendo certo que a população mais idosa necessita de forma mais intensificada destes, e em detrimento do mutualismo que prevalece em tais instrumentos e dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é correto alegar ser justo o dever de pagar mais para quem mais utiliza.

Assim, confirmando a linha de argumentação que apresentamos, fazemos alusão à lição exarada pelo ilustríssimo Ministro Raul de Araújo do egrégio Superior Tribunal de Justiça – STJ, por ocasião de seu voto vencedor no julgamento do REsp nº 866.840/SP, onde assevera:

 “(...)
O contrato de seguro de saúde, embora regido por legislação específica, segue a mesma lógica, ou seja, é razoável que os valores pagos a título de prêmio ou mensalidade sejam proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto, além de outras circunstâncias relevantes normalmente já levadas em conta por ocasião da contração inicial do seguro, como, por exemplo, o nível de qualidade da cobertura (v.g enfermaria ou apartamento) e a abrangência da cobertura (internações hospitalares, honorários médicos e seus limites, consultas médicas etc). Maior o risco, maior o valor do prêmio.
Nesta estira, é cediço que quanto mais avançada a idade do segurado, independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, nos termos do respectivo Estatuto, maior será seu risco subjetivo, pois, normalmente, é provável que a pessoa de mais idade necessite de serviços de assistência médica com maior frequência do que a pessoa que se encontre em uma menor faixa etária. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser cientificamente confirmado.
(...)”

E ainda:

 “(...)
Nese contexto, deve-se admitir a validade de reajuste em razão da mudança de faixa etária, que, como visto, se justifica em razão de aumento do risco subjetivo, desde que atendidas certas condições, quais sejam: a) previsão no instrumento negocial; b) respeito aos limites e demais requisitos estabelecidos na Lei Federal nº 9.665/98; e c) observância do princípio da boa-fé objetiva, que veda índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado.
(...)”

Portanto, desde que observados critérios objetivos adotados para a aplicação dos reajustes por mudança de faixa etária, inclusive para consumidores/beneficiários com idade igual ou superior a sessenta anos, de acordo com as cláusulas previstas nos contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde e, notadamente, as normas vigentes quando da celebração dos referidos instrumentos, os aumentos das contraprestações pecuniárias não serão abusivos, ao contrário, serão assertivos e legais, não devendo recair qualquer argumento em contrário.  

(*) Renato Vernizzi é Advogado consultivo, especialista em Direito Contratual, com ampla experiência em contratos e estruturas de seguros e forte atuação no mercado de Saúde Suplementar. 

Fonte: Editora Roncarati, em 04.06.2015.