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Quod Abundate Non Nocet

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A nova lei sobre contrato de seguro fez inundar as redes sociais com postagens projetando um recomeço de vida aos corretores da área.

Muitos anunciam uma nova era com novas responsabilidades, a exigir do corretor de seguros conhecimento profundo sobre a profissão e, por consequência, do mundo em que se insere, alertando-o sobre o risco de responder por dano causado a terceiros no exercício dela.

Lida e relida a nova lei de seguros, todavia, e no que diz com o corretor de seguros, não conseguimos vislumbrar alterações de relevo que justificassem a abundância de referências ao tema – há, na lei, alterações significativas que, todavia, não mereceram até aqui o mesmo destaque.

A análise da Seção VII – Dos intervenientes no contrato, da nova lei não indica, segundo entendemos, alterações a provocar o nascimento de uma nova era nessa esfera de atuação.

O artigo 37 fixa a obrigatoriedade, para os intervenientes – não só o corretor de seguros -, de agirem com lealdade e boa-fé desde a formação e até a execução do contrato. Mas, antes da nova lei, isto não se exigia? Não bastasse a parte geral do Código Civil – Título V Dos contratos em geral -, o que dizer sobre a regra aplicável à corretagem em geral e exposta pelo artigo 723?[1][2]

No cotidiano da regulação e liquidação de sinistros levadas a efeito por seguradoras, vimos algumas vezes a indenização, em seguro de automóveis, ser recusada porque àquelas informou-se uma classe de bônus para a renovação superior à verdadeira. Em alguns casos, foi possível identificar que a informação foi defeituosa não pela ação do contratante – inclusive à revelia deste -, mas do corretor, que objetivava ofertar preço inferior ao da concorrência. Também vimos seguradoras negarem-se ao pagamento pelo não recebimento do prêmio cujo valor, todavia, fora entregue pelo contratante ao corretor e por este não repassado àquelas[3]. A se considerar que as seguradoras, em casos que tais, recusaram-se a indenizar por justa razão, obviamente que o corretor, ainda antes da nova lei de seguros, pelo prejuízo causado ao seu cliente responderia.

Indo adiante, o artigo 39 impõe um prazo para que o corretor circule documentos que importem às partes aproximadas – contratante[4] e seguradora -. De fato, não havia um prazo estabelecido para que o corretor atuasse com este fim. Mas, a exemplo do que se expõe no parágrafo único desse referido artigo, sempre e sempre o corretor poderia ser responsabilizado por dano causado pelo não direcionamento, a quem interessasse, de documentos em prazo hábil. E anote-se: a responsabilidade extracontratual pode decorrer de um incumprimento contratual ou não.

Novidade, mesmo, emerge do disposto no parágrafo único do artigo 40, ao admitir que o corretor seja substituído por ocasião da renovação ou prorrogação automática do contrato de seguro que seja de alguma forma modificado em relação àquele renovado.

A respeito, entendemos que agiu com timidez o legislador.

Não obstante o corretor seja remunerado por desembolso da seguradora, a verdade é que essa remuneração compõe o prêmio pago pelo contratante do seguro. Dito de outra forma, além do corretor de seguros ser escolhido pelo contratante, é este quem paga pela corretagem.

Ora, considerando que o corretor representa, de fato, os interesses desse mencionado contratante – não poderia, jamais, representar os interesses da seguradora a não ser que despido da condição de corretor –, considerando que a atuação do corretor se estende por toda a vigência desse contrato de seguro e considerando que quem o remunera, ao fim e ao cabo, é esse contratante, era de se positivar o direito deste em substituir o corretor a qualquer tempo, inclusive durante a vigência do contrato, evidentemente que por justa causa. Afinal, se o resultado da atuação do corretor é negativo por desídia sua, inclusive depois de formado o contrato de seguro, sua substituição não deveria merecer crítica nem mesmo da classe de corretores.

Mas a abundância de reflexões sobre a responsabilidade do corretor de seguros, em verdade, não prejudica. Ao contrário, é positiva porque traz, à tona, toda a importância que tem o corretor de seguros nessa cadeia de relações. E evidencia, em especial, seus deveres. E é isto o que fez a nova lei: trouxe à evidência toda a responsabilidade pelo cumprimento de deveres que são afetos à atividade.

Diz-se, acima, que o corretor representa, de fato, os interesses do contratante. Não se disse, todavia, que ele é representante legal do segurado ou mesmo do potencial segurado, como alguns asseveram tendo como arrimo o disposto no parágrafo único do artigo 41.

Mas isto é matéria para um novo, mesmo que breve, ensaio.



[1] “Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.
Parágrafo único. Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência.”

[2] Nem se diga que agir com diligência e prudência é atuação em nada vinculada à boa-fé e lealdade, porque, ausentes estas, não há de se esperar um atuar com diligência e prudência. E não se olvide o leitor que, paralelamente à formação de um contrato de seguro – antes, na verdade -, vige um contrato de corretagem.

[3] Ressalte-se que estamos a realçar situações pontuais que se distanciam da absoluta maioria dos corretores, sejam eles pessoas física ou jurídica.

[4] Por óbvio, a seguradora é também contratante, mas consideraremos neste texto, como contratante, a contraparte da seguradora.


* Marcio Malfatti é advogado e sócio do Pimentel – Advogados Associados. Pós-graduado em Processo pela Universidade Paulista e especialista em Direito dos Seguros, com formação complementar pelas universidades de Salamanca, Lisboa, Buenos Aires e Montevidéu.

** Adilson Campoy graduado em direito pela Universidade Braz Cubas, especialista em direito de seguros pela Universidade de Lisboa, especialista em direito de seguros pela Universidade de Salamanca, especialista em direito de seguros pela Universidade de Buenos Aires e especialista em direito de seguros pela Universidade de Montevidéu, advogado, sócio fundador do escritório Pimentel e Associados Advocacia, autor e coautor de vários artigos sobre direito de seguro e autor do livro Contrato de Seguro de Vida, editado pela Revista dos Tribunais.

(11.07.2025)