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Produtos da Previdência Complementar Isentos de Imposto de Transmissão

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Por Voltaire Marenzi. Advogado e Professor.

voltaire 2024No findar do mês de agosto de 2024, escrevi um ensaio proveniente de um julgamento, primeiramente realizado perante a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que envolvia matéria relativa à previdência complementar.

No processo em pauta, se decidiu sobre a possibilidade de pagamento suplementar de pensão por morte a esposa não inscrita como beneficiária, pelo marido falecido, que fazia parte como associado de uma entidade desta modalidade destinada à proteção familiar.

O voto vencedor entendeu que diferentemente do estabelecido no Regime Geral da Previdência Social, o plano privado não fixa quais devem ser os beneficiários do segurado. Nesta toada, salvo previsão contratual contrária, é admitida a indicação de qualquer pessoa física.

Registrei alhures que através de uma visão genérica, sem adentrar em maior profundidade no tema propriamente dito, na oportunidade, registrava meu integral apoio e reconhecimento adequado à tese adotada por aquela Corte, que defendeu o equilíbrio atuarial inserto em todos os contratos de seguro em um sentido lato.

No caso abordado em sede infraconstitucional.

Já em sede constitucional, na oportunidade examinava outro julgamento que tramitava perante o Supremo Tribunal Federal, vale dizer, o Recurso Extraordinário número 1.363.013, no qual os ministros estavam analisando se, à luz dos artigos 125, § 2º, e 155, I, da CF, a percepção de valores e direitos relativos ao PGBL e ao VGBL pelos beneficiários em decorrência da morte do titular desses planos consistiria em uma verdadeira "transmissão causa mortis", para efeito de incidência do imposto.

Isto porque, em sede de acórdão prolatado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro se julgou parcialmente procedente a ADIn local, declarando a inconstitucionalidade da incidência do tributo sobre o VGBL, mas a constitucionalidade da incidência sobre o PGBL.

No sobredito recurso aquele Estado da nossa Federação sustentava a validade da cobrança quanto a este último produto.

O processo foi objeto do paradigma do Tema 1.214, em sede de repercussão geral.

O relator destes autos, ministro Dias Toffoli, votou pela impossibilidade de incidência do ITCMD sobre os valores recebidos por beneficiários de planos de previdência complementar do tipo VGBL e PGBL em caso de falecimento do titular do plano. Ele argumentava que, em caso de falecimento do titular, tais planos possuem caráter de seguro de vida, no qual há uma verdadeira estipulação em favor de terceiro, e, portanto, os valores recebidos pelos beneficiários não constituiriam herança não estando sujeitos ao ITCMD”.

Para o referenciado relator o direito dos beneficiários em decorrência de um contrato de seguro não geraria o imposto proveniente de uma transmissão causa mortis. Especificamente quanto ao PGBL, ele também ressaltou a natureza securitária do plano, afirmando que os valores recebidos pelos beneficiários não se enquadrariam na figura jurídica de herança e, assim como o VGBL, não deveriam ser tributados pelo imposto.

Para fins de repercussão geral, o ministro propôs a fixação da seguinte tese:

"É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação – ITCMD – sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre VGBL ou ao plano gerador de benefício livre PGBL na hipótese de morte do titular do plano.

Sem adentrar no longo voto proferido na ocasião pelo ministro relator, este entendimento, a meu sentir, se harmonizaria tanto com a legislação infraconstitucional, como com a boa doutrina nesta área que cuida dos contratos em espécie, quer o de Seguro, quer o da Lei da Previdência Complementar.

Ao tratar daquela Lei Complementar, isto é, a 109, de 29 de maio de 2001, logo após sua edição, em análise ao seu artigo 73 de que “as entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras”, registrei:

“A Lei das Sociedades Seguradoras aplica-se, subsidiariamente, às entidades abertas da Previdência Complementar. Destarte, continuaria a viger o Decreto-Lei nº73, de 21 de novembro de 1966, com suas alterações.

No meu livro “O Seguro no Direito Brasileiro”, à época na 6ªedição, Síntese, junho/2001, já afirmava que se aplicava em determinadas hipóteses legais a legislação securitária a essas entidades de Previdência Complementar, quando ocorrer qualquer lacuna na Lei Previdenciária Privada”.

Da mesma sorte, ao comentar o artigo 1º da Lei Complementar 109/2001, na parte final de minhas observações a este dispositivo, acentuei em certa altura de meu trabalho:

“Em outras palavras, o artigo desta lei garante ao beneficiário, eleito pelo participante, o recebimento de uma soma de capital constituída por este no decurso de um determinado lapso temporal, valendo dizer que o sistema autônomo vai colmatar um regime deficitário como é atualmente o regime estatal em nosso país”.

Pois bem. No decurso deste primeiro semestre a matéria em pauta acabou transitando em julgado com a seguinte ementa, publicada em 05/03/2025, em sede de embargos aclaratórios, nos seguintes termos:

EMB.DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.363.013 RIO DE JANEIRO.

RELATOR. MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA.

Direito tributário. Embargos de declaração em recurso extraordinário. Tema nº 1.214. Inconstitucionalidade da incidência do ITCMD sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao VGBL ou ao PGBL na hipótese de falecimento do titular do plano.

Ausência de motivos para a modulação dos efeitos da decisão.

I.CASO EM EXAME.

1. Embargos de declaração opostos contra acórdão mediante o qual o

Tribunal Pleno firmou a tese de que “[é] inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o

repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre

(PGBL) na hipótese de morte do titular do plano” (Tema nº 1.214).

II.QUESTÃO EM DISCUSSÃO.

2. A questão em discussão consiste em saber se estão presentes as condições para a modulação dos efeitos da decisão.

III.RAZÕES DE DECIDIR.

3. O desenho jurisprudencial à luz do conjunto dos tribunais do país

e a legislação federal (Código Tributário Nacional, Código Civil e Lei número 11.196/05) que havia antes do julgado embargado já eram harmônicas com a tese fixada pelo Tribunal Pleno.

4. A modulação dos efeitos em caso no qual se reconhece a inconstitucionalidade de tributação é medida extrema, a qual somente se justifica se estiver indicado e comprovado gravíssimo risco irreversível à ordem social. As razões recursais não contêm indicação concreta nem específica desse risco.

5. Modular os efeitos no caso dos autos importaria em negar ao contribuinte o próprio direito de repetir o indébito de valores que eventualmente tenham sido recolhidos.

6. A segurança jurídica está na proclamação do resultado do julgamento tal como formalizada, dando-se primazia à Constituição Federal”.

Em apertada síntese, se pode concluir que a razão pela qual não cabe a cobrança de ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – sobre os planos de previdência complementar livre – , está relacionada principalmente à natureza contratual e securitária desses produtos, e não sucessória.

Deveras. Com fulcro nesta decisão se pode afirmar com absoluta precisão de que estes produtos comercializados por entidades de previdência complementar, não estarão sujeitos a imposição de imposto em decorrência do decesso de seu participante, estando os beneficiários designados nos respectivos contratos alforriados deste tipo de tributação.

Sem dúvida alguma é uma vitória para essas entidades comerciais e, precipuamente para seus consumidores.

Porto Alegre, 16 de julho de 2025.