Por Christiana Fontenelle e Renata Furtado (*)
A publicação da Resolução CNSP nº 476/2024 reflete um avanço no fortalecimento da governança e da transparência das supervisionadas ao estabelecer diretrizes detalhadas e abrangentes sobre como as entidades devem implementar suas políticas de remuneração.
Entre os destaques da Resolução está a necessidade de alinhamento entre a remuneração dos administradores e colaboradores celetistas chaves e os objetivos estratégicos de mitigação de riscos das instituições supervisionadas.
Outro ponto relevante é a obrigatoriedade, para as supervisionadas S1 e S2, de criação de um Comitê de Remuneração, vinculado ao Conselho de Administração ou, se inexistente, à Diretoria da supervisionada. Este comitê exercerá as funções de formulação, supervisão e revisão das políticas de remuneração.
Além disso, a Resolução suscita uma discussão normativa sobre o uso do termo “diretor” para cargos de alta administração não estatutários, trazendo um entendimento que parece divergir de outras normativas aplicáveis.
Nesse viés, pode-se citar normas regulatórias emitidas pelo Banco Central do Brasil, como a Circular nº 3.136/2002 e a Resolução BCB nº 80/2021 que reforçam a exclusividade do uso do termo "diretor" para pessoas formalmente eleitas ou nomeadas conforme o estatuto social ou contrato da instituição financeira ou de pagamento.
A Lei nº 6.404/76 estabelece que a administração das companhias é exercida exclusivamente pelo Conselho de Administração (quando existente) e pela Diretoria, sendo esta composta por diretores eleitos pela Assembleia-Geral ou pelo Conselho de Administração. Essa estrutura legal é clara ao delimitar que as funções administrativas são indelegáveis (art. 139). Em especial, o art. 138, §1º da Lei nº 6.404/76 afirma que a representação da sociedade é privativa dos diretores, enquanto o art. 143 detalha os requisitos formais para eleição e atuação desses cargos.
No entanto, a Resolução CNSP nº 476/2024 adota uma abordagem distinta, ao prever expressamente que a política de remuneração das supervisionadas deve incluir "demais cargos da alta administração, quando não estatutários, incluindo, no mínimo, vice-presidentes e diretores." Essa formulação sugere a possibilidade de utilização do termo "diretor" para cargos que não estão formalmente constituídos como parte da estrutura administrativa prevista no estatuto social da companhia, flexibilizando, na prática, a interpretação tradicional do termo, ao menos nesta esfera.
Essa flexibilização, no entanto, apesar de parecer gerar esvaziamento de sentido do termo Diretor, ao que tudo indica, se fez necessária na medida em que, por vezes, há executivos que ostentam o cargo de Diretor, mesmo não sendo estatutários e, sim, verdadeiros Diretores Empregados, inclusive à luz da legislação trabalhista, vez que permanecem subordinados juridicamente, recebem salário e estão sujeitos às regras celetistas e normas coletivas, por exemplo.
Por vezes, a utilização do termo Diretor para cargos de alto nível que não são, efetivamente, estatutários, pode vir a suscitar confusão entre os níveis hierárquicos e as competências formais dentro das organizações, bem como fomentar questionamentos sobre o vínculo jurídico entre o profissional e a Companhia no âmbito trabalhista. Entretanto, não se pode negar que, na prática, há instituições que optam por desenhar o seu organograma e plano de cargos e salários com figuras de Diretores não Estatutários.
Ademais, ainda que sob o enfoque trabalhista não haja a obrigatoriedade legal de se adotar um plano de cargos e salários e, portanto, de remuneração, uma vez que este seja implementado em razão da nova Resolução CNSP nº 476/2024, ele deverá observar as regras celetistas e normas coletivas, em especial os artigos 457 (definição de verbas salariais), 461 (garantia da equiparação salarial) e 468 (irredutibilidade salarial) da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”).
Assim, é de se ter cuidado quanto ao conceito de remuneração trazido na CNSP nº 476/2024 e de verbas de natureza salarial (integra o salário e incide INSS) e indenizatória (não integra o salário e não incide INSS) na esfera trabalhista, para que não se assuma o risco de se vir a sofrer autuações pelas fiscalizações da previdência e Ministério do Trabalho e Emprego.
Neste cenário, as supervisionadas poderão vir a enfrentar desafios legais e de recursos humanos na elaboração e implementação do plano de remuneração exigido, considerando o seu quadro de empregados existente e os profissionais que visa buscar no mercado.
Não fosse só isso, a determinação de que se dê publicidade, no mínimo, às informações qualitativas da política de remuneração e os montantes consolidados pagos no exercício anterior, bem como estimativas de pagamento nos próximos exercícios de ICP, ILP, bônus e outros incentivos, poderá vir a violar o direito à livre concorrência e a liberdade econômica e comprometer a estratégia da entidade.
Portanto, outro ponto de debate ao analisarmos a Resolução CNSP nº 476/2024 é sobre os benefícios e desafios da interferência regulatória na remuneração dos gestores de uma supervisionada.
Entre os benefícios de tal interferência destacamos a proteção aos clientes, evitando que os administradores priorizem seus ganhos pessoais em detrimento da saúde financeira da seguradora e do cumprimento das obrigações com os segurados. A regulação evita práticas que possam colocar em risco a solvência das seguradoras, contribuindo para a estabilidade do mercado de seguros. A regulação deve incentivar a adoção de boas práticas de governança corporativa, garantindo que a remuneração esteja vinculada ao desempenho e ao longo prazo.
Já entre os desafios da interferência regulatória é preciso equilibrar a necessidade de controlar abusos com a liberdade das seguradoras para atrair e reter talentos de alta qualidade, em especial em observância as normas do Direito do Trabalho. As regras precisam se adaptar à realidade do mercado de seguros, que pode ser altamente competitivo e exigir pacotes de remuneração atraentes para garantir a eficiência da gestão.
A interferência regulatória visa criar um ambiente mais transparente, justo e sustentável no mercado de seguros, mas também precisa ser cuidadosamente equilibrada para garantir que não haja restrições excessivas que prejudiquem a competitividade das seguradoras.
Assim, é preciso que nos debrucemos sobre o tema e intensifiquemos o debate sobre a Resolução CNSP nº 476/2024 para não só garantir a transparência e regularidade do mercado de seguros, mas também para resguardarmos o direito à privacidade, livre concorrência e a liberdade econômica das entidades.