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PIS e da COFINS de Seguradoras e Resseguradoras – Discussão de sua incidência sobre comissões de corretagem e de resseguro

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Por Julia de Menezes Nogueira (*)

PIS, COFINS e os questionamentos dos contribuintes

A cobrança do PIS e da COFINS sempre gerou grandes questionamentos por parte dos contribuintes. A insatisfação se deve, principalmente, ao fato de essas contribuições incidirem sobre a receita ou o faturamento das empresas, que não são medidas adequadas de capacidade contributiva, ao contrário do que acontece com o lucro tributado pelo imposto sobre a renda, por exemplo.

Com efeito, se é verdade que toda empresa ativa obtém receita, não se pode afirmar que todas tenham capacidade econômica para pagar tributos, pois podem encontrar-se em situação deficitária ou até mesmo falimentar. Por outro lado, ainda que aufiram lucro, é possível que a rentabilidade obtida não seja suficiente para comportar a retirada compulsória de uma parcela das receitas, antes mesmo da respectiva verificação.

Desde sempre, então, essas contribuições foram consideradas injustas, o que se creditava, também, ao fato de serem cumulativas, ou seja, incidirem em diversas etapas da cadeia produtiva. Para corrigir essa distorção, existente desde sua instituição em 1998, instituiu-se o regime não-cumulativo a partir de 2003, através das Leis 10.637/02 e 10.833/04. Embora essa legislação também tenha elevado substancialmente as alíquotas do PIS e da COFINS, o novo regime passou a permitir a tomada de créditos sobre certos custos e despesas, fazendo com que as contribuições não mais incidissem sobre o montante bruto da receita, tornando-se menos onerosas.

Exclusão de seguradoras e resseguradoras do regime não-cumulativo – tratamento especial

Ocorre, contudo, que nem todas as pessoas jurídicas foram contempladas com a possibilidade de escolha do regime não-cumulativo do PIS e da COFINS. Aquelas tributadas pela sistemática do lucro presumido foram excluídas, assim como as que realizassem certas atividades, como as de instituição financeira, seguradoras, resseguradoras e entidades abertas e fechadas de previdência complementar.

Com relação às últimas, existia também o entendimento de que já estavam sujeitas a um regramento próprio e, portanto, não caberia conceder-lhes opção pelo regime não-cumulativo.

De fato, pode-se observar que, diferentemente do que acontecia com outras atividades, antes mesmo de o regime não-cumulativo ser instituído, as seguradoras e resseguradoras já faziam jus a diversas exclusões da base de cálculo do PIS e da COFINS, não conferidas a pessoas jurídicas em geral. Essas exclusões faziam com o que o PIS e a COFINS aplicáveis a seguradoras e resseguradoras respeitassem, em grande medida, as peculiaridades de seu mercado e, em linhas gerais, não incidissem sobre a sua receita total, mas apenas sobre aquela que efetivamente representasse um ingresso novo e definitivo em seu patrimônio, decorrente de sua atividade-fim[1].

Observa-se, então, que as seguradoras e resseguradoras estão inseridas num regime jurídico próprio de PIS e COFINS, que prevê diversas exclusões na base de cálculo, ao contrário do que ocorre com as pessoas jurídicas em geral, sujeitas aos regimes cumulativo ou não cumulativo, que têm direito a pouquíssimas deduções. Ao fim e ao cabo, somente uma parcela dos ingressos que auferem, e que são efetivamente definitivos, é tributada pelo PIS e pela COFINS, aliás, como deveria ser sempre, para toda e qualquer pessoa jurídica.

Essa sistemática está correta, pois nem todo ingresso registrado na contabilidade das pessoas jurídicas merece o tratamento jurídico-tributário de receita. Mesmo aceitando-se essa materialidade imperfeita como passível de ser tributada, ainda que jamais demonstre com vigor a capacidade contributiva por excelência, apta a dar ensejo à tributação, deve-se separar aquilo que efetivamente tem natureza de receita, ganho novo e definitivo, daquilo que não caracteriza tal grandeza.

Conceito jurídico-tributário de “receita”

Para que certo montante, ingressado no patrimônio da empresa, possa ser considerado como receita tributável, deve representar ingresso definitivo e decorrer do exercício de suas atividades-fim, realizado em favor de seus clientes.

Como vimos, no caso das seguradoras e resseguradoras, as legislações do PIS e da COFINS estabeleceram, desde a edição das Leis nº 9.701 e 9.718/98, exclusões da base de cálculo para impedir que incidissem sobre algumas parcelas dos ingressos que não aderem definitivamente ao seu patrimônio. Permitiram, assim, que das entradas de recursos registradas por essas empresas, fossem excluídos os montantes destinados ao pagamento de indenizações, o cosseguro e o resseguro cedidos, os cancelamentos e restituições e os montantes destinados às provisões ou reservas técnicas.

Nota-se que a intenção do legislador foi a de fazer com que, no caso de seguradoras e resseguradoras (para as quais a mesma legislação é aplicável), somente os ingressos definitivos no patrimônio fossem tributados pelo PIS e pela COFINS.

Ressalvada a possibilidade de questionamento da incidência do PIS e da COFINS sobre prêmios até 2015 (pois até então somente poderia ocorrer sobre “faturamento” decorrente da venda de bens e serviços), o tratamento conferido pela lei nos parece bastante adequado. Com efeito, não se pode tributar o montante total dos ingressos quando a própria legislação determina que sejam constituídas reservas técnicas com parcela dos prêmios recebidos, ou quando os valores recebidos são necessariamente subtraídos do obrigatório pagamento de indenizações. O mesmo se pode dizer sobre os cancelamentos e restituições de prêmios: nesses casos, não há que se falar em receita.

Ocorre que, como veremos a seguir, algumas parcelas componentes da receita, que não aderem definitivamente ao seu patrimônio, deixaram de ser mencionadas pela legislação como exclusões, e também merecem ser subtraídas da receita tributável, em especial após o avanço da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto.

Aprimoramento jurisprudencial do conceito de “receita tributável”

A ideia de que “receita” não é qualquer ingresso de recurso registrado contabilmente pela pessoa jurídica vem se sofisticando na Doutrina e na jurisprudência.

Recentemente, o STF decidiu que o montante do ICMS incluído na receita de venda de mercadorias não pode ser compreendido como receita tributável, devendo ser excluído do total bruto dos ingressos para fins de incidência do PIS e da COFINS. O acórdão foi prolatado no RE 574.706-PR, com repercussão geral e, consequentemente, efeitos erga omnes, e vem sendo utilizado como fundamento e reforço de diversas teses a respeito da incidência do PIS e da COFINS nos mais variados âmbitos. Em sua esteira, o ISS e o próprio PIS e COFINS embutidos no faturamento vêm sendo excluídos da base de cálculo dessas contribuições.

De acordo com o STF, parcelas da receita repassadas à Fazenda Pública, por obrigação legal, não correspondem ao conceito de receita, que exige tratar-se de ingresso definitivo no patrimônio. O mesmo raciocínio é, a nosso ver, aplicável por analogia a valores repassados a terceiros, por obrigação contratual.

A “comissão de corretagem”, o PIS e a COFINS

De acordo com o glossário de termos de seguro publicado pela CNSeg[2] , corretagem de seguros é a intermediação feita por profissionais habilitados na colocação de seguros, mediante o recebimento de uma comissão sobre o prêmio auferido pela seguradora. Esclarece a CNSeg que, no Brasil, as seguradoras só podem receber propostas de seguro por intermédio de corretores legalmente habilitados ou, então, diretamente dos proponentes ou dos seus legítimos representantes. O comissionamento de intermediação é obrigatório e, nos casos em que não houver a presença de um corretor, a importância habitualmente paga a título de comissão de corretagem deve ser recolhida ao Fundo de Desenvolvimento Educacional do Seguro administrado pela Fundação Escola Nacional de Seguros (Funenseg).

Resta claro, portanto, que da receita obtida pela seguradora ou resseguradora a título de prêmio de seguro ou resseguro, obrigatoriamente uma parcela, em geral um percentual do prêmio, é destinada ao pagamento da comissão de corretagem. A obrigação em questão é inexorável, pois além de ser contratual, isto é, pactuada entre corretora e seguradora/resseguradora, a lei exige o seu pagamento, seja à corretora, seja à Funenseg.

A nosso ver, portanto, a parcela do prêmio correspondente à comissão de corretagem, por ser obrigatoriamente destacada do prêmio e repassada a um terceiro, não atende aos requisitos do conceito de “receita” pois embora decorra da atividade-fim da seguradora não adere definitivamente ao seu patrimônio e, portanto, não pode ser tributada pelo PIS e pela COFINS.

Neste caso, contudo, é recomendável o ajuizamento de ação judicial para resguardar o direito da seguradora/resseguradora de excluir a comissão de corretagem da base de cálculo do PIS e da COFINS, uma vez que não há previsão legal expressa dessa exclusão na legislação.

A “comissão de resseguro”, o PIS e a COFINS

A comissão de resseguro não se confunde com comissão de corretagem. Consiste em pagamento realizado pela resseguradora à cedente, como reembolso pelos custos incorridos na contratação do resseguro.

De acordo com a Doutrina a respeito do assunto, a definição de “comissão de resseguro” pode ser extraída do artigo 2º da Resolução CNSP nº 168/2007, e apresenta as seguintes características:

a) Não visa remunerar intermediação do negócio de resseguro, pois tal atividade é retribuída com a comissão de corretagem devida à corretora de resseguro, quando for o caso, e não à seguradora cedente;

b) Não se assemelha às comissões bancárias, pois não retribui serviço prestado pela seguradora cedente à resseguradora e nem poderia, pois é vedado às seguradoras exercer outro ramo de negócio que não o da exploração de seguros (artigo 73 do Decreto-lei nº 73/66).

c) Sendo o contrato de resseguro independente do contrato de seguro firmado entre a seguradora e o segurado e as bases nele estipuladas específicas e autônomas, pode-se inferir que a comissão de resseguro constitui uma cláusula dele integrante e indissociável, que fixa um dos elementos da fórmula de determinação do prêmio de resseguro a ser efetivamente pago.

Entendemos, portanto, que a comissão de resseguro consiste em um “desconto” ou “rebate” no prêmio, oferecido pela resseguradora à seguradora, pago a posteriori, porém sempre tendo relação direta com o prêmio de resseguro.

A pergunta que cabe ser feita, então, é se a parcela do prêmio de resseguro recebida pela resseguradora, que posteriormente será “devolvida” a título de comissão de resseguro, deve ser tributada pelo PIS e pela COFINS.

A nosso ver, a resposta é negativa.

Em primeiro lugar pois, assim como a comissão de corretagem, o pagamento da parcela em questão é predeterminado contratualmente, devendo ser realizado pela resseguradora à cedente.

Diferentemente da comissão de corretagem, contudo, o pagamento da comissão de resseguro não é obrigatório por lei, e sim decorrente de previsão contratual.

Não obstante, há, no âmbito da “comissão de resseguro”, características que reforçam ainda mais fortemente a sua característica de “não receita” para a resseguradora (pagante), a saber:

(i) A efetiva “receita final” obtida pela resseguradora na operação com o cliente que envolve comissão de resseguro é o prêmio líquido: esse é o resultado efetivo da transação realizada.

(ii) De acordo com o “Pronunciamento CPC 47 – Receita de Contrato com Cliente”, receita é a contraprestação esperada na transação com clientes. Devoluções feitas a clientes são “redutoras de receita”.

(iii) Este entendimento está alinhado com a forma de contabilização da comissão de resseguro prevista no plano de contas definido pela SUSEP na Circular nº 517/15, i.e., lançamento em conta redutora da conta prêmios.

(iv) De acordo com a forma de contabilização prevista pela SUSEP, não se trata, nem mesmo, de “exclusão” da base de cálculo, e sim de “formação” da base de cálculo. Assim, é possível defender que não seja necessário nem mesmo tratar essa comissão como exclusão da base de cálculo, e sim considerar como base a receita correspondente ao prêmio líquido, após subtração da comissão de resseguro.

Essas conclusões são perfeitamente consonantes com jurisprudência do STF – exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS – RE 574.706-PR –, de que valores repassados a terceiros não compõem a receita tributável por essas contribuições.

No que se refere à comissão de resseguro, a nosso ver é possível considerá-la como efetiva redutora da receita de prêmio. Neste caso, a receita a ser utilizada como base de cálculo de PIS e COFINS já será a receita líquida. Alternativamente, pode-se avaliar a possibilidade de ajuizar prévia ação judicial, com pedido de liminar, para resguardar o direito da resseguradora de excluir a comissão de resseguro da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Conclusão

A evolução na jurisprudência e na interpretação da legislação do PIS e da COFINS fez com que o conceito jurídico de receita tributável passasse por grande transformação nas últimas décadas. Atualmente, é possível interpretá-lo, com bastante segurança, como “ingresso que adere definitivamente ao patrimônio da pessoa jurídica”, não incluindo valores que, por lei ou contrato, devam necessariamente ser repassados a terceiros.

Partindo-se dessa premissa, entendemos que, para seguradoras e resseguradoras, é possível excluir de sua base de cálculo diversos valores, como as próprias contribuições ao PIS e COFINS, a comissão de corretagem e a comissão de resseguro paga pelas resseguradoras às seguradoras. Naturalmente, deve-se avaliar a melhor forma de por em prática essas exclusões, a fim de evitar riscos de autuação para as companhias.

[1] Não analisaremos, aqui, por fugir ao escopo desse artigo, a aplicabilidade do PIS e da COFINS tal como originalmente previstos na Lei nº 9.718/98 a seguradoras e resseguradoras, sobre os respectivos prêmios, e atualmente sobre suas receitas financeiras, embora haja controvérsia e fundamentos jurídicos sólidos para seu questionamento. Partimos, para essa análise, da premissa da aplicabilidade da legislação tal como estabelecida, a seguradoras e resseguradoras.

[2] http://cnseg.org.br/cnseg/mercado/resseguro/glossario/ - Consultado em 26.09.2019

(*) Julia de Menezes Nogueira é Mestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP. Autora do livro “Tributação do Mercado de Seguros, Resseguros e Previdência Complementar”. Professora dos cursos de especialização em Direito Tributário do IBET, PUC-Cogeae e EPD e Sócia de Themudo Lessa Advogados em São Paulo.

(23.10.2019)