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Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas

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Por Fabio Arturo Corrias (*)

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As Disputas Contratuais, os Impactos Econômicos e as Lições que transformaram o Mercado Global de (Re)seguros

OS FATOS

Antes de 11/09/2001:

• Em abril de 2021, a Silverstein Properties tinha contratado o leasing do World Trade Center (WTC), de propriedade das Autoridades Portuárias de New York e de New Jersey, por um período de 99 anos.

• De forma a cumprir com obrigações contratuais, a Silverstein Properties teve que contratar uma apólice de seguros que cobrisse o complexo do World Trade Center (que incluía as Torres Gêmeas e outras propriedades adjacentes), nomeando a Willis como a sua corretora de seguros, que colocou o seguro usando o seu próprio clausulado, o WilProp Form.

• O programa de (res)seguros do WTC garantia danos físicos à propriedade, interrupção de negócios e responsabilidade civil, com um limite máximo de indenização de USD 3.5 bilhões por ocorrência. As principais seguradoras primárias eram a Allianz, Swiss Re e Tokio Marine, enquanto o painel de resseguradores era composto por diversos mercados internacionais, incluindo Munich Re e o Lloyd 's de Londres.

• A apólice continha uma definição de "ocorrência" que considerava todas as perdas decorrentes de uma "série de causas similares" como sendo uma "única ocorrência".

• Essa definição tinha o propósito de beneficiar o segurado, ao agrupar todos os eventos decorrentes de uma mesma causa como uma "única ocorrência", desta forma implicando na aplicação de uma única franquia.

• Note-se que, antes dos ataques terroristas de 11 de setembro, algumas seguradoras tinham confirmado cobertura com base no texto do WilProp Form, enquanto outras tinham dado cobertura de acordo com os seus próprios clausulados.

Dia 11/09/2001:

• Às 8h46 e 9h03, dois aviões comerciais sequestrados por terroristas (voos 11 e175 da American Airlines), atingiram as Torres Norte e Sul do WTC, resultando na total destruição dos dois edifícios (*) e na morte de quase três mil pessoas.

  (*) As Torres Sul e Norte, colapsariam às 9h59am e às 10h28am, respectivamente.

AS DISPUTAS LEGAIS

As disputas legais após o ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 foram complexas e envolveram várias questões significativas.

Definição de "Evento:

Uma das principais disputas foi se os ataques às duas torres deveriam ser considerados um único evento ou dois eventos separados para fins de cobertura de seguro. Esta questão foi crucial porque muitas apólices tinham limites de cobertura por evento.

A Silverstein Properties, que detinha o contrato de leasing do WTW, argumentou que os ataques eram dois eventos distintos, o que permitiria reivindicar o limite de cobertura para cada torre separadamente.

Embora a maioria das seguradoras sustentasse que os dois ataques em si constituíam uma ocorrência, uma vez que se tratava de danos ocasionadas por um único evento, a Corte foi contra e determinou a interpretação do clausulado a favor do segurado, uma vez que "as colisões separadas em edifícios separados, causadas por aeronaves separadas, deveriam ser consideradas como eventos separados, dentro da cobertura de seguros".

O que finalmente pesou na decisão judicial, foi a argumentação do advogado representante da Silverstein Properties, pela qual, na ausência de uma definição contrária, a prática do mercado segurador era de correlacionar a definição de ocorrência a uma causa material do dano, sendo cada causa material do dano geradora de uma ocorrência separada, desta forma maximizando o número de franquias sob a responsabilidade do segurado.

Ele também arguiu que, do contrário, as seguradoras deveriam utilizar "cláusulas de ocorrência com base em um número de horas" quando fosse a sua intenção limitar as perdas associadas a uma cobertura específica (por exemplo, uma definição de ocorrência com base em um número de horas, pode determinar que todos os danos causados por um furacão, inundação, terremoto ou até mesmo um ato terrorista, fosse considerados como uma única ocorrência, desde que ocorridos dentro de um período máximo de 72 horas).

Disputas sobre Pagamentos de Sinistros:

A regulação dos sinistros foi igualmente complexa, devido à magnitude dos danos e às diversas apólices envolvidas. As seguradoras e resseguradoras tiveram que avaliar cuidadosamente os sinistros, determinar as coberturas aplicáveis e negociar os pagamentos. Este processo incluiu a análise detalhada das apólices de seguro, a verificação dos danos e a coordenação entre múltiplas partes interessadas.

A definição de evento afetou diretamente os valores pagos pelas seguradoras. Se os ataques fossem considerados dois eventos, os pagamentos poderiam dobrar, aumentando significativamente as perdas para as seguradoras.

Houve várias disputas sobre os valores dos pagamentos de sinistros. As seguradoras e os segurados tiveram interpretações diferentes das apólices, levando a litígios prolongados. Em última análise, os tribunais decidiram que os ataques deveriam ser considerados como dois eventos separados, resultando em um pagamento total de aproximadamente US$ 4,55 bilhões.

Responsabilidade Civil:

Outra disputa significativa envolveu a responsabilidade civil e as reivindicações de terceiros. Empresas e indivíduos afetados pelos ataques entraram com ações contra várias partes, incluindo as companhias aéreas e os operadores do WTC, alegando negligência na segurança e na prevenção dos ataques.

Os 2.300 sobreviventes que sofreram lesões físicas ou que sofrem de problemas respiratórios decorrentes das operações de limpeza nas Torres Gêmeas, receberam em média US$ 400 mil livres de impostos cada um.

Fundo de Compensação às Vítimas (Victim Compensation Fund):

Foi criado um Fundo de Compensação às Vítimas do 11 de Setembro (VCF, da sigla em inglês) que distribuiu mais de US$ 7 bilhões aos sobreviventes e familiares das cerca de 3.000 vítimas.

Em média, as famílias das vítimas receberam pouco mais de US$ 2 milhões livres de impostos cada uma.

As autoridades começaram a distribuir os fundos em 2002, pouco depois da criação do programa de compensação, até seu vencimento em junho de 2004.

Houve disputas sobre os critérios de elegibilidade e os valores das indenizações, resultando em ajustes e negociações para garantir que as vítimas recebessem compensações justas.

Do total de famílias que perderam parentes nos ataques terroristas, 94 optaram por não participar do fundo e conduziram seus próprios processos em tribunais de Manhattan, mas posteriormente firmaram acordos com as autoridades judiciais nos últimos cinco anos.

Disputas de Resseguro:

As disputas entre seguradoras e resseguradoras também foram significativas. As resseguradoras questionaram as reivindicações das seguradoras cedentes, levando a litígios sobre os valores a serem pagos e as interpretações das cláusulas de resseguro.

Essas disputas legais destacam a complexidade e a magnitude do processo de regulação dos sinistros após um evento catastrófico como o ataque às Torres Gêmeas.

AS CONSEQUÊNCIAS FINANCEIRAS

O impacto para o mercado (res)segurador:

Os ataques de 11 de setembro de 2001  resultaram em aproximadamente USD 40 bilhões em perdas de seguros, tornando-se um dos maiores sinistros, bem como uma das maiores indenizações da história. Os USD 40 bilhões incluem pagamentos por danos à propriedade, interrupção de negócios, responsabilidade civil, além das indenizações devidas às aeronaves e muitas outras coberturas, lembrando que, além dos voos 11 e 175 da American Airlines, houve também um avião que atingiu o Pentágono (voo 77 da American Airlines) e um avião que atingiria o Capitólio (voo 93 da United Airlines), mas caiu antes mesmo de atingir o local.

Aqui é importante destacar que, além do impacto financeiro para o mercado (res)segurador, os ataques de 11 de setembro de 2001 causaram, inicialmente, choques que provocaram uma queda acentuada nos mercados de ações a nível global. A Bolsa de Valores de New York (NYSE) assim como a de Londres e de outros países, foram fechadas e evacuadas com medo de novos ataques terroristas. A bolsa nova-iorquina permaneceu fechada até a segunda-feira seguinte. Esta foi a terceira vez na história que a NYSE experimentou um fechamento prolongado, sendo a primeira vez nos primeiros meses da Primeira Guerra Mundial e a segunda em março de 1933 durante a Grande Depressão.

A TRANSFORMAÇÃO DO MERCADO DE (RES)SEGUROS E AS LIÇÕES APRENDIDAS

As (res)seguradoras adotaram várias estratégias para enfrentar os desafios no processo de regulação e indenização dos sinistros relacionados ao ataque às Torres Gêmeas, além de usar as lições aprendidas como a base para a revisão dos critérios de subscrição e das estratégias de colocação de resseguro para o futuro.

Revisão das Coberturas:

Além da inclusão de cláusulas mais claras, como por exemplo a Cláusula de Ocorrência houve uma revisão abrangente das coberturas oferecidas, com muitas resseguradoras introduzindo exclusões específicas para atos de terrorismo, a menos que coberturas adicionais fossem adquiridas. Isso ajudou a limitar a exposição e a evitar ambiguidades e disputas legais futuras.

Mudanças na Estrutura de Resseguro:

As seguradoras tiveram também que rever as suas estratégias de resseguro para melhor distribuir os riscos associados a eventos catastróficos. Isso incluiu a negociação de novos contratos de resseguro e a busca por maior diversificação.

Consolidação do Mercado:

O mercado de resseguro viu uma onda de consolidações, com fusões e aquisições entre resseguradoras. Isso foi impulsionado pela necessidade de aumentar a capacidade financeira e a diversificação de riscos.

Criação de Fundos de Resseguro:

Alguns governos e entidades privadas criaram fundos específicos para cobrir riscos de terrorismo, ajudando a distribuir o risco e a fornecer uma camada adicional de proteção para as resseguradoras.

Maior Foco na Gestão de Riscos:

As (res)seguradoras aumentaram seu foco na gestão de riscos, implementando novas tecnologias e práticas para melhor avaliar e mitigar riscos futuros. Isso incluiu investimentos em modelagem de riscos e análise de dados.

Aumento da Capacidade de Processamento:      

O mercado (res)segurador investiu no aumentou da sua capacidade de processamento de sinistros, contratando mais pessoal e implementando sistemas automatizados para acelerar a regulação e o pagamento das indenizações.

Uso de Tecnologias Avançadas:

Para lidar com a complexidade e o volume dos sinistros, as seguradoras investiram em tecnologias avançadas de análise de dados e modelagem de riscos. Isso ajudou a melhorar a precisão na avaliação dos danos e na determinação das coberturas aplicáveis.

Melhoria na Comunicação:      

Para melhorar a experiência dos segurados, as seguradoras investiram em comunicação mais clara e transparente sobre o status dos sinistros e os requisitos para a solicitação de indenizações.  

Implementação de medidas de prevenção de fraude:                

As seguradoras reforçaram suas medidas de prevenção de fraudes, implementando sistemas de verificação rigorosos para garantir que apenas sinistros legítimos fossem pagos.

Precedentes para Futuros Sinistros:

As decisões judiciais e as interpretações das apólices criaram precedentes importantes para futuros sinistros envolvendo eventos catastróficos. Isso levou a uma revisão das cláusulas de apólices para evitar ambiguidades semelhantes no futuro.  

Essas questões destacaram a complexidade da regulação de sinistros em eventos de grande magnitude e a importância de uma redação clara e precisa nas apólices de seguro, principalmente no que se refere às cláusulas de ocorrência.        

Exemplo de cláusula de ocorrência, utilizada nos Estados Unidos e no Canadá.    

O termo "Ocorrência" significa a soma de todas as perdas individuais diretamente causadas por qualquer desastre, acidente ou perda ou séries de desastres, acidentes ou perdas geradas por um único evento que ocorra dentro da área de um estado dos Estados Unidos ou da província do Canadá e em estados ou em estados ou províncias vizinhos.

No entanto a duração e extensão de qualquer Ocorrência estará limitada a todas as perdas individuais indenizáveis pela seguradora ocorridas durante qualquer período de 72 horas consecutivas decorrentes de e diretamente causadas pelo mesmo evento.

CONCLUSÃO

O atentado de 11 de setembro de 2001 não apenas redefiniu a geopolítica global e a segurança internacional, como também expôs com brutal clareza as fragilidades e complexidades do setor de seguros e resseguros frente a eventos extremos. A disputa legal em torno da definição do número de eventos segurados — um ataque único ou múltiplos eventos separados — tornou-se um marco jurisprudencial, revelando como cláusulas contratuais ambíguas podem gerar litígios bilionários e prolongados.

As consequências financeiras foram avassaladoras: mais de US$ 40 bilhões em perdas seguradas, colocando à prova a solidez do mercado de resseguros global. A liquidez e a capacidade de pagamento das resseguradoras foram testadas, assim como a resistência dos contratos diante de eventos de proporções catastróficas e imprevisíveis. Este episódio também gerou profundas transformações nos critérios de modelagem de risco, precificação e estruturação de coberturas para riscos catastróficos e de terrorismo.

As lições aprendidas foram contundentes e duradouras. O setor passou a investir com mais vigor na clareza contratual, na revisão das cláusulas de definição de evento, nos limites agregados e no papel das cláusulas de “event trigger”, como a famosa cláusula de 72 horas. O caso também impulsionou a criação de mecanismos públicos e privados para cobertura de riscos sistêmicos, como o TRIA (Terrorism Risk Insurance Act) nos EUA.

Em última análise, o seguro das Torres Gêmeas nos ensina que, diante de eventos extremos, a previsibilidade contratual, a transparência na relação entre segurado, seguradora e ressegurador, e a solidez técnica do mercado são tão essenciais quanto a capacidade financeira de indenizar. Mais do que um episódio jurídico ou econômico, trata-se de um divisor de águas que remodelou práticas, contratos e a própria filosofia do (res)seguro no século XXI.

Créditos:

O presente artigo se baseia em informações e dados obtidos dos seguintes sites:

www.September 11th Victim Compensation Fund VCF.gov

www.mondaq.com

www.mediaews.com.br

www.neuralworld.com

www.cnn.com

www.abcnews.com

www.panynj.gov

www.swissre.com

(*) Fabio Arturo Corrias tem 43 anos de experiência no mercado de (res)seguros e é diretor executivo da área de Resseguro Facultativo P&C na Swiss Re Brasil, responsável por Brasil e Cone Sul.

(04.07.2025)